Caixa Geral de Depósitos: de Domingues a Macedo em dez episódios

por Christopher Marques - RTP
O antigo diretor-geral dos impostos e ministro da Saúde do Governo partilhado por PSD e CDS-PP aceitou um convite que começou por recusar. Lusa

O mandato de José de Matos terminava no fim de 2015. Ficou até agosto no cargo, enquanto o Governo, Bruxelas e António Domingues cozinhavam a recapitalização do banco público. Três meses depois de tomar posse, a administração de Domingues está de saída. Termina assim - espera-se - um ano de polémicas, avanços e recuos no banco público.

Foram os salários. Foram as declarações de rendimentos. Foram as presenças em reuniões quando ainda era gestor no BPI. Foram meses de indefinição e polémica que desgastaram o presidente do banco público.

A gota de água surgiu na última semana. Depois de o Bloco de Esquerda ter aprovado com o PSD e o CDS-PP a obrigação de os gestores apresentarem a declaração de rendimentos, António Domingues anunciou a saída.

Passamos em revista os acontecimentos que marcaram o controverso ano na Caixa Geral de Depósitos.
António Domingues nomeado
Abril de 2016. Vários meses depois de a administração de José de Matos ter chegado ao fim do mandato, o nome de António Domingues surge como seu sucessor na Caixa Geral de Depósitos. A notícia é inicialmente avançada pelo jornal Expresso.

Começa uma verdadeira epopeia até que o vice-presidente do BPI realmente assuma o poder no banco público. Um poder que, sabemos agora, terá por muito menos tempo do que seria imaginável.

Fernanda Fernandes, Carlos Valente (abril de 2016)

O gestor é nomeado para um banco público que necessita de uma recapitalização cuja aceitação por Bruxelas não está assegurada. O primeiro-ministro promete bater-se pelo direito a uma recapitalização pública do banco do Estado.

Mais tarde, o presidente cessante da Caixa Geral de Depósitos revelaria que foi o próprio António Domingues a comunicar-lhe que seria o seu substituto no banco público.

Em julho, na Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa, Mário Centeno indicaria que o convite a António Domingues foi feito no fim de março mas passariam muitos meses até Domingues assumir funções.

Aliás, José de Matos acabaria mesmo por entregar a demissão em junho, lançando o receio de que um vazio de poder ocorresse no banco público. Acabaria por permanecer no cargo até ao fim de agosto.
Fim dos tetos salariais
Em junho, o Governo aprova um decreto-lei que altera o estatuto dos gestores da Caixa Geral de Depósitos. A alteração faz com que o limite salarial imposto a gestores públicos não seja aplicado aos administradores da Caixa Geral de Depósitos.

O Executivo de António Costa considera que a medida permite equiparar os salários da Caixa aos aplicados na banca privada.

Fernanda Fernandes, Luís Côrte-Real, Carlos Felgueiras (junho de 2016)

Para o Governo, sendo a caixa supervisionada pelo Banco Central Europeu, deve seguir as regras de Frankfurt em matéria de salários, apesar de ser uma instituição pública.

Se a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos gera unanimidade na maioria de esquerda, o mesmo não se pode dizer do fim dos tetos salariais.
PSD e CDS impõem Comissão Parlamentar
Junho de 2016. Passaram seis meses desde o início de 2015. José de Matos continua à frente do banco, o processo de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos continua a ser desenhado. Perante a indefinição no banco público, o PSD e o CDS-PP avançam com a formalização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Luísa Bastos, Pedro Pessoa, Pedro Boa-Alma (junho de 2016)

Os partidos pretendem avaliar o plano de recapitalização mas também os empréstimos que foram concedidos pelo banco desde 2000.

Os líderes de PSD e do CDS-PP, Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas, bem como a antiga ministra das Finanças do executivo de centro-direita, Maria Luís Albuquerque, estão entre os parlamentares que assinam o pedido de constituição da comissão de inquérito.
BCE rejeita parte da administração
Agosto traz a aprovação de Frankfurt à nova administração da Caixa Geral de Depósitos. A estrutura de governação alargada é aprovada pelo Banco Central Europeu mas oito dos 19 nomes propostos são rejeitados.

Os nomes rejeitados são administradores não executivos, nomeadamente Leonor Beleza e Carlos Tavares, o português que preside à Peugeot-Citroën.

Magda Rocha, Manuel Oliveira (agosto de 2016)

A instituição justificou a reprovação com o facto desses oito administradores já desempenharem noutros cargos em órgãos sociais. Perante a decisão europeia, o secretário de Estado do Tesouro e Finanças avança que o Governo pretende mudar a lei para permitir a entrada em função de todos os administradores. Acabará por não acontecer.
Bruxelas aprova recapitalização
A Comissão Europeia aprova o plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos no fim de agosto. A operação prevê uma injeção de 2,7 mil milhões de euros. No entanto, o valor da recapitalização pode chegar aos 4,6 mil milhões de euros.

Marcelo Sobral, Rui Magalhães (agosto de 2016)

A autorização de Bruxelas vem com condições, que passam por cortes nos postos de trabalho e no número de balcões. Bruxelas quer ainda uma racionalização profunda do banco do Estado.
Domingues assume funções
Cinco meses depois de nomeado, António Domingues assume as funções de presidente da Caixa Geral de Depósitos. A administração Domingues começa oficialmente a 31 de agosto.

Fruto da reprovação do Banco Central Europeu, a equipa que entra em funções é mais pequena que a inicialmente designada.

Marina Conceição, Luís Côrte-Real, Cristina Gomes (agosto de 2016)

Os 11 responsáveis aprovados são António Domingues, Emídio Pinheiro, Henrique Cabral Menezes, Tiago Rarava Marques, João Tudela Martins, Paulo Rodrigues da Silva, Pedro Leitão, Rui Vilar (não executivo), Pedro Norton (não executivo), Herbert Walter (não executivo) e Ángel Corcostegui (não executivo).O mandato tem início com uma má notícia: a CGD chumba no pior cenário dos testes de stress feitos pelo Banco Central Europeu. Uma questão que Marcelo Rebelo de Sousa acredita que a recapitalização resolve.

De fora ficam Leonor Beleza, Carlos Tavares, Bernardo Trindade, Ângelo Paupério, Rui Ferreira, Paulo Pereira da Silva, António da Costa Silva e Fernando Guedes, todos propostos para administradores não executivos.

O primeiro-ministro pede à equipa de António Domingues que retribua ao Estado a injeção de capital que vai ser feita no banco público.

O banqueiro de 59 anos, licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia de Lisboa, assumiu a presidência do Conselho de Administração depois de quase três décadas no BPI e poucos dias depois de a Comissão Europeia ter anunciado um acordo de princípio com o Governo português para a recapitalização do banco.
Novamente o salário
O Governo tinha já excetuado a Caixa Geral de Depósitos do teto salarial para gestores públicos mas o salário de Domingues ainda não era conhecido. Em outubro, a revelação do número traz de novo a polémica.

António Domingues vai receber 423 mil euros - quase o dobro dos mais de 230 mil de salário do antecessor no cargo, José de Matos. O número foi revelado pelo próprio ministro das Finanças que alega que o valor segue a média salarial praticada no setor da banca.

Patrícia Cracel, António Antunes, Luís Moreira - RTP

O valor não convence ninguém e o Governo fica isolado. O Bloco de Esquerda promete guerra ao aumento salarial, que também é criticado pelo PCP. O Presidente da República também não parece convencido. Marcelo defende publicamente que a CGD deveria fazer o mesmo que fizeram alguns bancos privados que beneficiaram de ajuda do Estado: cortar o salário dos administradores.

António Costa defende que a questão dos vencimentos pode ser “impopular” mas não arrisca “a má gestão na CGD”, que não pode concorrer em condições de mercado inferiores aos outros bancos.

Os avultados salários fizeram Portugal acordar para a Caixa Geral de Depósitos. No entanto, as críticas e preocupações extravasam a questão salarial, quando fica claro que os administradores do banco estariam isentos de algumas regras de transparência a que estavam sujeitos os seus antecessores.

Entra a polémica das declarações que viria a motivar a queda de Domingues.
Polémica das declarações

Outubro de 2016. O alerta é deixado por Marques Mendes no comentário dominical na SIC e pega na atualidade nacional. O antigo líder social-democrata recorda que o Governo excecionou os dirigentes da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto do Gestor Público, nomeadamente da entrega de declarações.

O foco vai para a entrega e divulgação da declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional.

O próprio Ministério das Finanças confirma que dispensou a administração de apresentar a declaração de rendimentos. O Terreiro do Paço alega que o controlo é feito pelo próprio Estado, acrescentando que foram reforçados os mecanismos de controlo interno do banco público.

Pedro Valador, Vanessa Brízido (outubro de 2016)

Mas uma lei antiga o controlo de riqueza de titulares de cargos indica que os gestores terão mesmo de entregar as declarações, apesar da exceção concedida pelo Ministério. Perante as dúvidas e a interpretação feita da legislação, António Costa remete para o Tribunal Constitucional e os próprios gestores.

O primeiro-ministro invoca o princípio da separação de poderes para dizer que cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a obrigatoriedade de os administradores do banco público entregarem declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional.

Já em novembro, o Palácio Ratton notifica os gestores do banco público para que entreguem as declarações.
Polémica da informação privilegiada
Novembro é também o mês onde regressa a polémica da informação privilegiada. O tema tinha já motivado críticas em outubro mas é a confirmação da Comissão Europeia que relança a polémica.

Em resposta a um eurodeputado do PSD, o executivo comunitário confirma que António Domingues participou em reuniões sobre o banco público quando ainda era gestor no BPI.

Alexandra André, Luís Vilar (novembro de 2016)

O Governo nega que António Domingues estivesse na posse de informação privilegiada sobre a Caixa Geral de Depósitos quando participou, como convidado, nas reuniões com a Comissão Europeia para debater a recapitalização do banco.

O PSD e o CDS-PP exigem explicações ao primeiro-ministro. A esquerda acusa os partidos da anterior maioria de tudo fazer para que o processo de recapitalização do banco público fracasse.
Domingues sai, Macedo entra
O caso parecia aproximar-se do fim, reinando a crença de que a gestão de Domingues entregaria as declarações e permaneceria no cargo. Mas, na última semana, o jogo volta todo a mudar.

No domingo António Domingues apresenta a demissão do cargo de presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos. O Governo confirma a saída, indicando que a mesma terá efeito a partir do fim de dezembro. Seis vogais abandonam também os cargos.

Maria Nobre, Luís Moreira (novembro de 2016)

A saída concretiza-se depois de os deputados do Bloco de Esquerda terem votado alinhados com o PSD e o CDS-PP uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado que obriga os administradores a apresentar as declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional.

Em uma semana, o Governo português encontra outro presidente para a Caixa Geral de Depósitos: Paulo Macedo. A RTP apurou que o antigo ministro da Saúde do Governo de Passos Coelho alterou a posição inicial de recusa em liderar o banco estatal.

O Governo está agora a trabalhar com Macedo na construção de uma nova equipa executiva para o banco público. A equipa de António Domingues permanece em funções até ao fim de dezembro.
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