Custo da comida. Guerra na Ucrânia pode ser "catastrófica"

por RTP
Jesse Gardner - Unsplash

A Guerra na Ucrânia será sinónimo de choque para a rede de fornecimento global e para o custo da comida. Por um lado, o custo dos combustíveis sempre a subir e, por outro, o facto de a Rússia e a Ucrânia serem dos maiores produtores mundiais de matérias-primas.

A invasão russa da Ucrânia desencadeou um aumento acentuado do preço do petróleo bruto, que, após o aumento desta segunda-feira, se aproxima do seu máximo histórico, acima dos 146 dólares, atingido no início de julho de 2008. A Rússia é o segundo maior produtor e exportador mundial de petróleo, atrás da Arábia Saudita.

A região do Mar Negro, conhecida como o “celeiro do mundo”, está no epicentro do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, dois países que confrontam com o Mar Negro.

“As coisas transformam-se a cada hora”, alerta o patrão da maior companhia de fertilizantes, presente em mais de 60 países. Svein Tore Holsether, da Yara International, fala à BBC de consequências catastróficas e diz que os preços dos fertilizantes já estavam altos antes da guerra devido aos preços dos combustíveis. Agora, a situação pode vir a ser pior, admite.

"Já estávamos em uma situação difícil antes da guerra e agora é uma interrupção adicional nas cadeias de fornecimentos e estamos a chegar perto da parte mais importante desta temporada para o hemisfério norte, onde muito fertilizante precisa mover-se. E isso provavelmente será impactado".

A Rússia e a Ucrânia são uns dos maiores produtores na agricultura e comida a nível global. Os ucranianos têm negligenciado as produções, confrontados com o ataque militar russo. A Rússia produz ainda enormes quantidades de potássio e fosfato, ingredientes necessários aos fertilizantes.

"Metade da população mundial obtém alimentos como resultado de fertilizantes e, se isso for removido do campo para algumas culturas, [o rendimento] cairá em 50 por cento", disse Holsether.

“Para mim, não é se estamos entrando em uma crise global de alimentos – é quão grande será a crise”.

A empresa, sediada na Noruega, não foi diretamente afetada pelas sanções contra a Rússia, mas está tendo que lidar com as consequências, como as interrupções nos transportes.

Os portos são fechados, interrompendo o envio de trigo e outros alimentos básicos para todo o mundo para serem transformados em pão, massa e ração animal. Tenta-se agora encontrar alternativas de fornecimento, mas o tempo corre contra as necessidades.

Por outro lado, também o gás natural, vindo em grandes quantidades da Rússia, significa problemas para a produção de amónio, essencial para alguns fertilizantes.

Juntam-se as sanções na Bielorrússia, custos de transporte e tempo frio e resulta um aumento do preço de fertilizantes, acrescentando o aumento do preço da comida.
"Catástrofe em cima de catástrofe"
O chefe da Yara International descreve a guerra como "uma catástrofe em cima de uma catástrofe", destacando o quão vulnerável a choques a cadeia global de fornecimento de alimentos está agora. Para não falar dos impactos nos países pobres, já fustigados pelos efeitos nefastos da pandemia.

Se a guerra for prolongada, os países que dependem das exportações acessíveis de trigo da Ucrânia podem enfrentar escassez a partir de julho, disse o diretor do Conselho Internacional de Grãos, Arnaud Petit, à Associated Press.

Isso poderia criar insegurança alimentar e levar mais pessoas à pobreza em lugares como Egito e Líbano, onde as dietas são dominadas pelo pão subsidiado pelo governo. Na Europa, as autoridades estão a preparar-se para uma possível escassez de produtos da Ucrânia e aumento dos preços das rações para gado. O que pode significar carnes e laticínios mais caros se os agricultores forem forçados a fazer passar os custos aos clientes.

A Rússia e Ucrânia têm quase um terço das exportações mundiais de trigo e cevada. A Ucrânia também é um grande fornecedor de milho e líder mundial em óleo de girassol, usado no processamento de alimentos. A guerra pode reduzir a oferta de alimentos, quando os preços estão em seus níveis mais altos desde 2011, refere a ABC News.

Em Portugal, a Cerealis, empresa detentora das marcas Nacional e Milaneza, admitiu ser "previsível" que o impacto das consequências da guerra na Ucrânia no preço dos alimentos seja "inevitável" durante "as próximas semanas".
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamentos em várias cidades.

"É previsível que durante as próximas semanas (curto prazo) o impacto nos preços dos alimentos em geral seja inevitável", disse à Lusa João Paulo Rocha, diretor de comunicação da empresa sediada na Maia.
"Em termos de impacto direto nos preços aos consumidores, é algo que nós não dominamos pois estamos no início da cadeia de abastecimento ao mercado", ressalva, no entanto, João Paulo Rocha, já que a Cerealis não vende diretamente ao público.

Quanto às subidas de preços verificadas diretamente pela empresa, estas são "são transversais por efeitos diversos – das matérias-primas (cereais, óleos), dos materiais de embalagem, da logística (petróleo) e, muito importante, do custo da energia (gás e eletricidade)".

Apesar de a Cerealis não importar diretamente da Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, mas sobretudo da União Europeia (UE), o responsável assinala que dada a importância dos mercados de leste, "os efeitos do atual quadro de guerra, sanções e bloqueio da atividade nos portos da região, são de fortíssimas subidas de preços e dificuldades de abastecimento pelo acréscimo de procura de importadores normalmente abastecidos por estes países".

"Os principais mercados de futuros sobre estas commodities [matérias-primas] registaram, em poucos dias, subidas muito expressivas de preços", assinala João Paulo Rocha, dando como exemplo que desde o início da guerra o trigo encareceu 33 por cento e o gás natural 100 por cento.

c/ Lusa
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