Deco encontra "atropelos" nas vendas de créditos à habitação desde 2017
A associação Deco tem acompanhado clientes bancários surpreendidos pela venda do seu crédito à habitação a uma empresa externa e, nos últimos anos, tem encontrado "atropelos" aos direitos dos consumidores, sobretudo desde 2017.
Em declarações à Lusa sobre o acompanhamento dos processos de cessão de crédito à habitação, a jurista da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor -- Deco Natália Nunes afirma que muitas das famílias que viram os seus créditos serem vendidos pelos bancos a empresas exteriores procuram a associação "sem perceberem" exatamente o que se passou com o seu empréstimo.
"Muitas vezes, [as famílias] vêm bater à porta da Deco a dizer que o crédito já não está com o banco, [que] agora é outra entidade, mas não fazem ideia de que entidade é. Nem fazem ideia se podem negociar, se não podem negociar, o que é que vai acontecer a partir [desse momento]", afirma a coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, notando que essa "insegurança tem marcado estes últimos anos".
"Mais concretamente de 2017 a esta parte, temos sido contactados por consumidores que são alvo de cessão dos seus créditos. Claro que muito crédito pessoal, mas também muito crédito à habitação. E tem sido um processo - que eu diria - `penoso` para os consumidores, até devido à ausência de legislação, que pressupõe a ausência de proteção aos consumidores, que os deixa numa situação muito frágil", descreve.
As famílias dirigem-se aos serviços jurídicos da associação por `vagas`, nos momentos em que os bancos vendem grandes carteiras de crédito malparado.
Os clientes já se encontram numa situação vulnerável, em incumprimento, quando são alvo de uma cessão de crédito e "essa vulnerabilidade ainda é agravada quando estamos a falar da habitação" e o interlocutor passa a ser uma empresa não financeira, não supervisionada pelo Banco de Portugal, refere.
A partir daí, os clientes deixam de estar abrangidos pelas regras legais que regem os contratos de crédito à habitação e, com isso, deixam de poder exercer o chamado direito de retoma do contrato, isto é, saldar a dívida em atraso e voltar a pagar o empréstimo a prestações.
"Ao longo dos anos, [uma] quantidade de famílias acabou por passar por estes processos claramente com atropelos aos seus direitos" e alguns perderam "a sua morada de família", afirma Natália Nunes.
"Sempre sentimos grandes atropelos àquilo que é a vida pessoal, a vida financeira das famílias. É verdade que houve alguma melhoria quando o próprio Banco de Portugal, através de um aviso, veio definir alguns limites relativamente aos contactos que podem haver pelas instituições de crédito ou por terceiros por ela contratados a nível da recuperação, mas a verdade é que todos os dias continuamos aqui a ouvir testemunhos de alguma agressividade por parte destas empresas", nota.
A jurista entende ser preciso haver uma regulamentação sobre as empresas de recuperação ou cobrança de créditos, para proteger os consumidores de abusos.
A Deco espera que, este ano, o novo Regime Jurídico da Cessão e Gestão de Créditos Bancários, que transpõe uma diretiva europeia de 2021 que já deveria ter sido transposta até ao final de 2023, traga uma maior fiscalização sobre este setor e uma maior proteção dos clientes bancários.
A nova legislação vem prever o "reconhecimento dos direitos adquiridos" aos consumidores, segundo o "princípio da neutralidade", significando isso que, numa cessão de crédito, os clientes continuarão a ter "exatamente" os direitos de que dispunham quando o empréstimo se encontrava no banco, afirma Natália Nunes.
Um dos direitos já consagrados era o da retoma do crédito. "Ora, se era um direito que ele já tinha, automaticamente ele vai ter que continuar a ter", entende a jurista, ressalvando ser preciso "uma análise mais detalhada" da legislação, já promulgada pelo Presidente da República em 13 de agosto.