Devolução de dinheiro indevidamente pago pelo Estado "não pode penalizar trabalhador"

Lisboa, 18 jan (Lusa) - O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira considera que a reposição de dinheiro indevidamente pago aos funcionários públicos por erro dos serviços "não poderá penalizar o trabalhador", uma vez que é uma situação que não lhe é imputável.

Lusa /

Na segunda-feira, o Provedor da Justiça divulgou uma carta que dirigiu ao ministro das Finanças em que lhe recomenda que aperfeiçoe o regime de reposição de dinheiros públicos.

O gabinete de Faria Costa disse à Lusa que, entre 2013 e 2016, "o Provedor de Justiça recebeu 23 queixas que deram origem a 22 procedimentos de queixa", sendo "a questão central a da reposição de rendimentos".

O antigo secretário de Estados dos Assuntos Fiscais Rogério Fernandes Ferreira afirmou à Lusa que, "ainda que se compreenda a necessidade da rápida reposição de dinheiro nos cofres do Estado", é preciso que "seja assegurada a comunicação, quer da intenção de efetuar tal compensação, quer do montante global das quantias a repor e ainda da própria possibilidade de oposição a essa mesma compensação".

Para o advogado da RFF Advogados, "não se poderá penalizar o trabalhador por uma situação que ele não poderia razoavelmente prever e que afinal lhe não é imputável".

Em causa está o regime de reposição de dinheiros públicos regulamentado no Regime da Administração Financeira do Estado, recordando Fernandes Ferreira que, "nestes casos, a regra tem sido a da restituição dos montantes por via da compensação com o salário".

O fiscalista dá o exemplo de "um funcionário público que receba determinados montantes por contrapartida da sua prestação de trabalho e por lhe ter sido atribuído um bónus" por decisão de um superior, e refere que, se mais tarde for considerado que "tal decisão é inválida, os montantes então recebidos --- durante um período máximo de 5 anos --- terão de ser integralmente repostos nos cofres do Estado".

Esta restituição dos montantes pagos, "por serem ilegais e indevidos", terão de ser "repostos por via de um corte no salário desse funcionário público", conclui o advogado, sublinhando que podem estar em causa "quantias avultadas", uma vez que estes montantes podem ser acumulados sem que quem os recebe saiba que não são devidos durante cinco anos (o período que os serviços têm para exigir a devolução de dinheiro indevidamente pago).

Rogério Fernandes Ferreira afirma que "só existe obrigação de restituir o enriquecimento injustificado quando o enriquecido esteja de má-fé" ou quando, agindo de boa-fé, "se mantenha enriquecido no momento em que é judicialmente interpelado para restituir".

Por exemplo, se um funcionário público for de férias com o valor indevidamente recebido mas sem saber que não tinha direito a recebê-lo, então "não existirá porventura obrigação de restituir" esse montante.

Isto porque, "estando o funcionário público de boa-fé, o erro é imputável exclusivamente ao Estado e não deverá ser o funcionário por ele prejudicado".

Já se o mesmo trabalhador recebeu um valor a que não tinha direito e quando toma conhecimento disso continua a dispor desse valor, então "deve restituir os valores com os quais indevidamente" enriqueceu.

Para o antigo governante, "esta pareceria ser a forma adequada de enquadrar o regime com o texto da Constituição", considerando que "outra solução violaria o princípio da propriedade privada do (putativo) enriquecido e levantaria também dúvidas quanto ao princípio da proporcionalidade".

A Lusa tentou contactar o gabinete do Ministério das Finanças mas até ao momento ainda não obteve qualquer resposta, no entanto, a tutela tem 60 dias para responder ao provedor.

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