Diretor-geral da OIT elogia políticas do trabalho em Portugal

por Frederico Pinheiro

Foto: Denis Balibouse - Reuters

O Governo português deve ser encorajado, apela o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho. Em entrevista à Antena 1, Guy Ryder elogia o aumento do salário mínimo, o reforço do diálogo social e as medidas para combater o desemprego jovem. Por isso o líder da OIT, que pertence à ONU, apela a uma maior ajuda da União Europeia no combate à crise em Portugal.

Guy Ryder elogia ainda a ação do Presidente da República. E pede aos consumidores para pensarem duas vezes antes de comprarem produtos baratos.

O líder da OIT está em Portugal para comemorar os 100 anos do Ministério do Trabalho e para a simulação da Conferência Internacional do Trabalho, em Coimbra.

Pergunta (P): Bom dia secretário-geral Guy Ryder. Gostava de começar a nossa entrevista a olhar um pouco para os últimos anos. Que efeitos tiveram a crise e as políticas de austeridade no emprego e nos direitos dos trabalhadores?

Resposta (R): Bom dia e agradeço o convite. Agradeço igualmente a pergunta que julgo ser a mais importante do ponto de vista português. É claro que desde o início da crise de 2008 que as políticas de austeridade implementadas em Portugal e noutros países europeus tiveram, em alguns casos, um efeito dramático no mercado de trabalho. Vemos subidas alarmantes no desemprego, os jovens foram em todos os casos afetados pela falta de emprego e ainda não nos livramos disso, claramente. Em Portugal o desemprego está nos dois dígitos, muito alto. Mas vimos igualmente um considerável impacto nas relações laborais: a contratação coletiva diminuiu substancialmente. Vemos algumas melhorias em Portugal, mas as políticas de austeridades desmantelaram estes processos sociais, o que não ajuda nada. E, claro, vemos que os salários reduziram a qualidade de vida das pessoas. Obviamente, e sabemos isso, temos agora um Governo em Portugal que acredita que conseguirá virar a pagina da austeridade e creio que todos veem isso com bons olhos porque ninguém gosta da austeridade e esperamos para ver algumas melhorias nos próximos anos.

P: Quando falamos sobre pobreza extrema e trabalhadores pobres imaginamos países do terceiro mundo. Mas esta é também uma realidade na Europa e em Portugal?

R: Sim, é. É algo que a crise nos trouxe. Se formos honestos vemos que a pobreza nunca desapareceu nas economias europeias, sempre foi uma realidade. Nunca desapareceu. Talvez não nos casos mais extremos que encontramos no terceiro mundo, mas a crise trouxe de novo a pobreza à superfície. O caso dos jovens é particularmente preocupante. Metade dos jovens do mundo ou estão desempregados ou são trabalhadores pobres, não ganham o suficiente para saírem da pobreza. Isto numa altura em que a comunidade internacional colocou como meta eliminar a pobreza em todo o mundo até 2030. Isto foi o que as Nações Unidas decidiram em setembro. Isto é uma agenda mundial, não só para o terceiro mundo, é para todos.

P: O sistema de produção está a internacionalizar-se e os países concorrem uns com os outros. Parece haver uma pressão sobre os direitos e salários dos trabalhadores. Esta é uma situação em que todos perdem?

R: É uma questão-chave do nosso tempo. Há um sentimento espalhado com as reações populistas que dizem que a globalização, economias abertas, internacionalização da produção está a servir o interesse de poucos, os 1%, e não da maioria da população. Acho que devemos ter cuidado na forma como reagimos a este tipo de sentimentos. Não tenho dúvidas de que a globalização nos últimos 20 ou 30 anos não distribuiu os benefícios de forma justa e equitativa,contribuiu para a desigualdade e bloqueou a mobilidade social. Mas por outro lado a solução não é recuar da globalização para uma solução nacionalista isolada. O que me preocupa é que as pessoas pensam que têm uma solução binária, a preto e branco, ou temos de continuar com a globalização como a conhecemos nos últimos 20 anos e que trouxe más consequências para muita gente; ou temos de recuar para uma solução nacionalista isolada e desistir da globalização. Esta também não é uma boa solução. Temos de olhar para o nosso modelo de globalização e ver como o podemos melhorar. Está a falar com um britânico, acabei de passar pela experiência do Brexit e a UE tem de enfrentar desafios semelhantes se quer recuperar o apoio popular.

P: Falando da União Europeia, como avalia as políticas da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional para enfrentar a crise financeira e económica?

R: Sempre fui crítico das políticas da troika, como lhe chamávamos. É claro, creio que os dados salientam isso, que duas coisas foram problemáticas na política da troika. Uma foi a intensidade das medidas de austeridade impostas. Acho que é compreensível que eram necessárias medidas de consolidação para baixar o défice e a dívida, mas a forma como a troika tentou alcançar esses objetivos foi exagerada e acabou por fazer pior do que bem. Porquê? Porque esmagou o crescimento, baixou o emprego e reduziu a capacidade de os países criarem riqueza, ou seja, acabaram com a única forma de os países pagarem a dívida.

P: Estamos a falar com o diretor geral da Organização Internacional do Trabalho, Guy Ryder. Como avalia as políticas atuais da União Europeia para enfrentar a crise financeira e económica?

R: Temos um histórico de políticas falhadas nos últimos anos. Mas o que é que isso significa hoje? Duas coisas: uma é que a intervenção da troika enfraqueceu a contratação coletiva, a fixação do salário mínimo, fez estragos no mercado de trabalho e nas perspetivas de crescimento. Portugal ainda hoje enfrenta desafios consideráveis, o crescimento não é tão alto quanto deveria ser, o ambiente internacional não ajuda também, o país ainda enfrenta desafios relacionados com a capitalização do sistema financeiro. Mas acho que o facto de a Comissão Europeia não ter sancionado Portugal por ter ultrapassado défice orçamental é uma atitude positiva da Comissão europeia. E acho que um Governo que olha para o crescimento, para criação de emprego, que quer melhorar a proteção social, volta a olhar para o salario mínimo, para o trabalho, merece ser encorajado para prosseguir esses objetivos. Espero que seja essa a direção dos acontecimentos futuros.

P: Em Portugal temos baixo crescimento e alto desemprego, sempre acima da media europeia, desde o início do milénio. O que deve ser feito para resolver estes problemas?

R: Várias coisas. Portugal, claramente, e não está sozinho nisto, precisa de níveis de investimento mais altos e mais dirigido, isto não tem sido fácil para Portugal atrair nos últimos anos. Mas Portugal também se deve focar nas políticas ativas de emprego. A OIT tem trabalhado com Portugal e têm sido bem sucedidos no trabalho com políticas específicas no emprego para jovens. Com o último Governo trabalhámos para implementar a Garantia Jovem e mecanismos de controlo da medida para garantir que funciona e para chegar aos jovens que deixam o mercado de trabalho e não apenas aos registados. Também estamos a trabalhar no sistema de ensino dual para ver o que Portugal pode aprender com outros países sobre este sistema que conjuga aulas com trabalho, como isso pode ajudar os jovens a encontrar um emprego. Mas não há soluções mágicas, percebemos que as condições do mercado de trabalho são difíceis, mas estas são as medidas certas para se avançar.

P: Portugal perdeu meio milhão de empregos durante a crise e continua com emigração alta. As medidas que referiu podem ajudar, mas não resolvem o problema. O que poderia dar um impulso ao emprego?

R: Está absolutamente correto. No mundo inteiro perdemos 700 milhões de empregos com a crise. Se a taxa de crescimento continuasse ao nível pré-crise teríamos agora mais 700 milhões de empregos. Temos de ter uma ênfase internacional e europeia na definição de políticas de promoção do crescimento e emprego. Não vejo que Portugal possa fazer esse trabalho sozinho e é deste tipo de apoio que o país precisa. Devo dizer que estou entusiasmado com os apelos do Presidente da República a encorajar os processos de diálogo social. Vi que em muitos países europeus a crise pressionou o diálogo social. De facto o diálogo social entre empregadores, patrões e governo foi uma vítima da crise em vários países europeus, como a Grécia. Em Portugal é encorajador que o Presidente e o Governo trabalhem para manter o diálogo social como parte integrante das políticas públicas. Isso é muito importante.

P: O salário mínimo português esteve congelado durante os anos da troika, foi aumentado este ano e a concertação social deve acordar um novo aumento para o próximo ano. É um desfecho positivo?

R: Acho que é um desfecho positivo e claro que estou ciente das controvérsias que giram em torno do salário mínimo. A posição da OIT é que a fixação do salário mínimo deve ter em conta as necessidades básicas dos trabalhadores, mas também deve ter em conta as capacidades produtivas dos países. Mas quando falamos de um salario de 500 ou 550 euros acho que não podemos dizer que há um grande excesso em termos das necessidades dos trabalhadores. Claro que há uma necessidade de manter o salário mínimo em linha com a produtividade, mas às vezes temos de dar uns saltos também. Em muitos casos vemos o salário mínimo a ficar abaixo dos aumentos de produtividade no longo prazo.

P: O diálogo não devia igualmente ser levado para dentro das empresas?

R: Como refere, o local de trabalho também deve ser um espaço de diálogo e de negociação. É um trabalho dos sindicatos, mas acredito também que é do interesse dos empregadores participarem em tais processos de diálogo ao nível da empresa. Os dados mostram, ao contrário do que algumas pessoas pensam, que empresas com diálogo efetivo são mais produtivas e melhor sucedidas. Ao envolver as pessoas no processo de decisão, para além de as motivar e elevar o empenho, leva a empresa a funcionar melhor. Isto funciona, é o que a História mostra.

P: Muitos economistas e críticos dizem que os consumidores também têm culpa na exploração do trabalho em países do terceiro mundo porque compram muitos produtos e querem-nos baratos. Qual é a sua posição enquanto diretor geral da OIT?

R: Isso é a uma realidade. Acho que todos temos consciência do que envolve a t-shirt de 5 euros, é uma tentação comprar, não é? Há duas questões. Uma é que se o consumidor tiver informação sobre o processo de produção e se souber, por exemplo, que um produto barato é o resultado do crescimento da exploração dos trabalhadores, do trabalho infantil, de salários de miséria, de trabalho forçado, acho que os consumidores tomarão as suas decisões. Mas também acho que não devemos deixar o trabalho de eliminar os abusos nos mercados de trabalho aos consumidores. Isto é uma questão de política pública e devíamos esforçarmo-nos para ter a certeza que eliminamos através da ação internacional e da legislação necessária o tipo de abusos que sabemos existir.

P: A OIT discute neste momento o documento "O Futuro do Trabalho". Uma discussão viva e que preocupa muita gente gira em torno da automatização de processos. Acha que as máquinas vão substituir os trabalhadores e aumentar a taxa de desemprego estrutural?

R: Lembro-me sempre de um número em torno desta questão. As Nações Unidas estabeleceram a agenda 2030, pleno emprego em 2030 no Mundo. Para isso precisamos de 600 milhões de empregos nos próximos 15 anos. Quando avançamos com esse número as pessoas sorriem e dizem que é impossível. Mas se é impossível então temos de enfrentar um futuro em que temos de esquecer e desistir do pleno emprego como um fundamento base das nossas sociedades. Eu não estou pronto para fazer essa cedência, mas talvez venha a ser necessário reconsiderar o que é o trabalho. Partilhar o trabalho, organizá-lo de uma forma diferente. Acho que não devemos pensar que o futuro é uma fatalidade que já foi decidida, isto não é apenas uma questão de tecnologia, é também uma questão de escolhas de políticas que fazemos e a determinação que temos para alterar e termos o tipo de trabalho que queremos. Não somos impotentes, o futuro não nos vai cair em cima, temos de construir esse futuro.

P: Uma economia como a portuguesa e a europeia estão preparadas para a semana de trabalho de 35 horas?

R: Este é um debate que tem de ser colocado num contexto mais amplo. Uma das maiores conquistas do mundo do trabalho foi a redução do tempo de trabalho. A primeira convenção adotada pela OIT foi a convenção que estabelecia a semana de trabalho de 40 horas e Portugal foi um dos primeiros países a retificá-la. Se acreditamos numa noção de progresso social e de justiça social devemos baixar o horário de trabalho, mas temos de compatibilizar este objetivo com outros e isso torna-se cada vez mais complexo num sistema global e aberto. O que Portugal fez com a semana de 35 horas para a função publica, ou o caso francês, será um referencial para outros países. A necessidade é de ação global.
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