Exploração em Simandou reposiciona China no mercado global do minério de ferro

O início da exploração da mina de Simandou, o maior projeto mineiro do mundo, situado na Guiné-Conacri e liderado por consórcios estatais chineses, é visto por analistas como tendo potencial para alterar o equilíbrio do mercado internacional.

Lusa /
Sheng Li - Reuters

Com um custo estimado de 23 mil milhões de dólares (19,8 mil milhões de euros), a mina de ferro de Simandou é apontada por analistas como um "marco decisivo" que poderá reduzir a dependência chinesa da Austrália e do Brasil, hoje os maiores exportadores mundiais de minério de ferro.

O projeto, situado numa remota cordilheira no sudeste da Guiné-Conacri, começou a ser desenvolvido há quase três décadas, mas só avançou nos últimos anos com o envolvimento decisivo de empresas chinesas como a Chinalco, Baowu Steel Group e o consórcio Winning Consortium Simandou (WCS), além da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, que mantém uma participação minoritária.

A cerimónia de inauguração, realizada na terça-feira, marca não só o início da produção mineira, mas também a conclusão de 650 quilómetros de linha férrea e de um porto construído de raiz no Atlântico, infraestrutura considerada essencial para escoar as 120 milhões de toneladas anuais de minério previstas na fase de plena capacidade.

"A China foi ao longo de décadas um cliente sem poder de fixar preços no mercado do minério de ferro. Simandou representa a primeira oportunidade real de inverter essa relação", afirmou Florence Sun, analista do banco Macquarie, citado pelo jornal britânico Financial Times, sublinhando o teor elevado do minério extraído -- com 65% de ferro -- e o seu potencial para impulsionar a produção de aço com menores emissões.

Segundo estimativas da consultora CRU, Simandou representará até 7% do comércio marítimo mundial de minério de ferro e permitirá duplicar a participação da China na produção global para cerca de 16% nos próximos cinco anos.

"É um ponto de viragem, porque representa uma grande entrada de nova oferta", escreveu Erik Hedborg, analista do grupo de investigação CRU. "Há muito tempo que não víamos nada assim", observou.

Além da relevância geoeconómica, o projeto tornou-se um símbolo do mandato do Presidente guineense, Mamadi Doumbouya, que chegou ao poder em 2021 por via de um golpe militar e vinculou a sua presidência ao sucesso de Simandou.

O plano de desenvolvimento "Simandou 2040" prevê a mobilização de 200 mil milhões de dólares (172 mil milhões de euros) em investimento público e privado para rodovias, refinarias, parques industriais, escolas e agricultura.

"A visão do Presidente é clara: fazer da Guiné um país industrializado", afirmou o ministro das Minas, Bouna Sylla, citando exemplos como o Vietname e Singapura.

O projeto envolve ainda desafios geopolíticos e ambientais. Doumbouya impôs a nacionalização de uma fatia de 15% não só na mina, mas também na empresa logística que opera o porto e o caminho-de-ferro. Exigiu igualmente que as locomotivas fossem norte-americanas (fornecidas pela Wabtec) e que empresas chinesas, francesas e de Singapura partilhassem infraestrutura em vez de duplicarem investimentos.

Simandou é também visto como uma ameaça direta à região australiana de Pilbara, onde os custos e a qualidade do minério estão em queda.

Analistas preveem que os preços do minério de ferro desçam para 70 a 80 dólares (60 a 69 euros) por tonelada nos próximos dois anos, contra os cerca de 100 (86) atuais.

Para a Guiné, no entanto, o impacto imediato será interno. O Governo prevê reservar 5% das receitas da mina e 20% da empresa logística para educação, criar um fundo soberano e construir 3.000 quilómetros de autoestradas.

Mais de 50% da população guineense não tem acesso a eletricidade e a maioria não sabe ler nem escrever.

 

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