Guerra pela internet. Milhões trocam WhatsApp pelo Signal e pelo Telegram

por Graça Andrade Ramos - RTP
Dezenas de milhões de pessoas abandonaram o WhatsApp no início de janeiro de 2021 DR

Dezenas de milhões de pessoas baixaram nos últimos dias as aplicações das plataformas Signal e Telegram, concorrentes do WhatsApp. Foi a resposta à imposição da partilha de dados com outras empresas do Facebook, anunciada pela empresa no início de janeiro de 2021. O consentimento teria de ser dado até dia 8 de fevereiro, sob pena de perder acesso à conta.

Apesar de se manter a expectativa de perceber se a fuga de utilizadores se virá a traduzir em termos reais pela desistência do WhatsApp, o certo é que a iniciativa foi um autêntico tiro no pé.

O Signal adicionou cerca de 1,3 milhões de utilizadores num só dia, após uma média de apenas 50 mil downloads diários em 2020, de acordo com estimativas da Apptopia, uma empresa de dados de aplicações. A avalanche foi tal que a resposta aos pedidos de adesão passou de poucos minutos para várias horas. O súbito aumento da utilização levou mesmo à quebra de serviço da plataforma durante várias horas no sábado passado.

O próprio patrão da Tesla, Elon Musk, incitou os seus seguidores no Twitter a mudar. "Use Signal", escreveu, dando um empurrão significativo àquela que é considerada uma das plataformas mais seguras do mercado - e, sem querer, outro a outra empresa não relacionada com a plataforma, a Signal Advance, cujas ações valorizaram 6.000 por cento em Nova Iorque entre os dias 6 e 11 de janeiro.

Dia 12 de janeiro o Telegram anunciou por seu lado um aumento de mais de 25 milhões de utilizadores nos três dias anteriores, ultrapassando a marca de 500 milhões de subscritores. Um deles seria o Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador. Também no Twitter, domingo dia 10, Obrador mencionou o seu novo grupo no Telegram - na quarta-feira, dia 13, este tinha quase 100 mil membros.

O WhatsApp ainda tentou deter a migração em massa, garantindo que os conteúdos das mensagens entre utilizadores se manteriam sempre privados. Dia 15 de janeiro anunciou mesmo a prorrogação por três meses do prazo para a anuência, para 15 de maio, de forma a permitir aos subscritores a leitura calma dos novos termos.

Mas já era tarde.Os dados da Apptopia revelam que tanto para o Signal como para o Telegram, os novos downloads vieram de pessoas na Indonésia, México, Brasil e dezenas de outros países. 

Quase toda a onda de novos utilizadores do Signal veio de fora dos Estados Unidos. A empresa afirmou que se tornou a aplicação número 1 em 70 países nos dispositivos iOS e em 45 países nos dispositivos Android, sendo a Índia uma das maiores áreas de crescimento de novos utilizadores.

Quanto ao Telegram, 94 por cento dos 25 milhões de novos subscritores foram oriundos da Ásia, da Europa, da América Latina, do Médio Oriente e do Norte da África.
Tempestade perfeita
O WhatsApp, adquirido pelo Facebook em 2014, pretendia tornar obrigatória a concessão do direito à partilha dos dados recolhidos sobre uma pessoa com o restante grupo, incluindo o Instagram, mesmo na ausência de conta nessas redes. Até agora, consentir nessa partilha era uma opção do utilizador.

O "WhatsApp recebe informação das, e partilha informação com, as outras Empresas Facebook. Podemos usar a informação que recebemos delas e elas podem usar a informação que partilhamos com elas, para auxiliar a operacionalidade, o fornecimento, melhorar, compreender, adaptar, apoiar e publicitar os nossos serviços e o que eles oferecem", explicava a companhia.

Ajudada por alguns alertas que começaram a circular, a interpretação generalizada dos utilizadores, da Índia aos Estados Unidos passando pela Itália e pela Turquia, foi a de que a privacidade dos seus dados pessoais ia passar a estar em risco.

Ter de dar consentimento, sem alternativa nem recurso, às exigências do WhatsApp, também gerou resistência, preocupação e indignação.

O alerta coincidiu com a polémica do Twitter e do Facebook em torno das publicações e afirmações do Presidente cessante dos Estados Unidos. Donald Trump acabou por ser proibido de publicar conteúdos.

A 6 de janeiro de 2021 deu-se a invasão do edifício do Capitólio em Washington e, dia 10, a rede social alternativa Parler foi expulsa dos servidores em nuvem da Amazon e tanto a Apple como a Google retiraram das suas lojas a aplicação da plataforma, conotada com apoiantes de Trump violentos.

Estava formada a tempestade perfeita para milhares de milhões de pessoas pararem para pensar em alternativas. O Signal e o Telegram tornaram-se em vórtices de atenção.
As alternativas
"Parece que o mundo inteiro percebeu agora que o Facebook não está a conceber aplicações para as pessoas, mas sim para recolher os seus dados", refere Moxie Marlinspike, fundadora e presidente-executiva do Signal. "Foi necessário um pequeno catalisador para levar as pessoas a mudar".

O Signal, co-criado por Brian Acton, um dos fundadores do WhatsApp que se desentendeu com Mark Zuckerberg após a venda da plataforma ao Facebook, permite, tal como o WhatsApp, que as mensagens sejam enviadas com criptografia de ponta a ponta, o que significa que ninguém, exceto o remetente e o recetor, pode ler seu conteúdo. A Fundação Signal, com sede em Silicon Valley, assume-se como não tendo "fins lucrativos".

O Telegram, sediado no Dubai, oferece algumas opções de mensagens criptografadas, mas é sobretudo popular pelas salas de conversa em grupo. Terá atraído sobretudo os utilizadores do Parler, conotados pelos seus detratores com a extrema-direita dos Estados Unidos.

"Já tivemos picos de downloads anteriormente", disse Pavel Durov, presidente-executivo do Telegram. "Mas desta vez é diferente".

Sexta-feira dia 14, o WhatsApp ainda tentava garantir que a atualização dos termos de privacidade não iria "aumentar a nossa capacidade de partilhar os dados com o Facebook" e que as mensagens "continuarão a ser criptografadas de ponta a ponta e nem o Facebook nem o WhatsApp terão possibilidade de ver essas mensagens privadas".

Tais garantias poderão não ser suficientes. A manter o ritmo, a fuga registada poderá enfraquecer seriamente o Facebook e outros gigantes tecnológicos, mal os utilizadores se dêem conta da existência de outras plataformas igualmente funcionais e menos condicionadas a interesses que não dominam.
Críticas da Índia a Itália
Na verdade, o acesso às mensagens privadas não é o maior interesse de grupos como o Facebook. O que as empresas pretendem e partilham são metadados - informações sobre número de telemóvel ou o e-mail, listas de contactos mais e menos frequentes, localização, compras, apreciação de artigos, etc - de forma a desenhar o perfil de uma pessoa.

A utilização e venda desses dados suscita múltiplas questões - deontológicas, políticas, financeiras. No caso do WhatsApp, o Facebook pretenderia capitalizar uma plataforma isenta até agora de publicidade, a favor das suas outras empresas que, essas sim, já mostram anúncios. A inclusão destes na WhatsApp também não ficava descartada.

As autoridades da Índia - o maior mercado do WhatsApp, com 400 milhões de utilizadores - já pediram à empresa para recuar.

Deli mostrou-se preocupada com o agravamento do risco de difusão dos dados dos seus cidadãos por diversas plataformas sem garantias. Em carta ao presidente executivo do WhatsApp, Will Cathcart, o ministério da Eletrónica e das Tecnologias de Informação do país frisou que, "tendo em vista a imensa base de utilizadores", "o cruzamento destas informações sensíveis cria um verdadeiro aspirador de dados".

O Governo indiano apelou "o WhatsApp a respeitar a vida privada e a segurança dos dados dos utlizadores indianos e pediu-lhe para retirar as novas regras", referiu ainda um responsável do ministério, em comunicado.

Já a Itália criticou a falta de clareza dos termos utilizados pelo WhatsApp e apelou à intervenção do Comité europeu para a proteção de dados.

A Turquia abriu mesmo um inquérito a eventuais abusos da plataforma e do Facebook e convidou os seus cidadãos a aderir a uma plataforma nacional, a BiP, desenvolvida pela operadora Turkcell. 
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