Hotéis reinventam-se para receber clientes

por Rosário Lira - RTP
Rafael Marchante, Reuters

Os maiores grupos hoteleiros em Portugal já estão a preparar-se para o momento pós estado de emergência em que poderão, ainda com restrições, abrir novamente as portas aos clientes. O encerramento tem permitido fazer ensaios, estudar regras, criar medidas inovadoras e desenvolver tecnologias que vão facilitar a estadia. E os empresários esperam que esse momento chegue em breve, preferencialmente antes de 15 de maio.

Agora o fator competitivo vai ser a segurança sanitária. Quem conseguir oferecer as melhores condições de segurança, com o mínimo de constrangimentos e o máximo de conforto vai estar na linha da frente para ganhar mercado. O bem receber característico dos portugueses vai passar a ser o receber em segurança.

Ainda não há certezas nem regras pré-definidas mas o tempo de encerramento tem permitido aos hotéis testar soluções para garantir a segurança necessária a clientes e colaboradores, de forma discreta mas assertiva.

Algumas medidas já estavam em curso antes mesmo do encerramento como a higienização com produtos adequados, a existência de gel desinfetante nas portas e junto dos elevadores e os acrílicos nas receções.
O que vão fazer os dois maiores grupos hoteleiros em Portugal?
No Grupo Pestana “ao nível da operação diária há muito pensamento mas ainda estamos à espera”, adianta à RTP o CEO, José Teotónio. O grupo com uma forte implantação internacional aguarda com expetativa o que vai acontecer noutros países que vão abrir mais cedo, como é o caso da Áustria, República Checa, Dinamarca e Noruega para avaliar o que está a ser feito e daí poder retirar algumas recomendações. Ainda assim adianta que a paragem forçada também tem permitido acelerar a digitalização em curso.

Há já várias possibilidades pensadas como a medição automática da temperatura à entrada dos hotéis, testes rápidos à Covid-19 que podem ser feitos mesmo na unidade hoteleira, uma disposição diferente dos bares e restaurantes, novas formas de funcionamento dos buffets, nomeadamente com doses individualizadas, uma aposta maior no room service, a existência de minimercados nos hotéis e a possibilidade dos clientes confecionarem as suas refeições, nomeadamente naquele que funcionam como aparthotel.

O grupo acelerou ainda o desenvolvimento da “app” que já dispõe para permitir aos clientes ter acesso a mais serviços e simultaneamente ser mais fácil comunicar com eles.
Para captar clientes, os hotéis vão facilitar nas reservas. No caso do Grupo Pestana é possível fazer reservas para depois do dia 28 de maio e cancelar até à véspera ou alterar as datas, sem qualquer custo.

Opção idêntica foi tomada pelo Grupo Vila Galé. Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Grupo Vila Galé não tem dúvidas: “Temos de arranjar maneira de viver com este problema” e por isso toda a dinâmica em torno do regresso já está a ser estudada.

As reservas poderão ser anuladas a todo o momento e se depois da reserva o preço baixar o valor aplicar será sempre o mais baixo. O reforço da oferta é outra opção com a atribuição de serviços ou bens adicionais grátis, como por exemplo, uma massagem ou um tratamento de corpo.

À RTP, o presidente do Grupo Vila Galé adiantou que todos os trabalhadores vão ter a sua máscara individualizada e identificada, quase como mais um elemento da farda. Na receção os hotéis também vão passar a ter acrílicos e ao nível dos restaurantes serão feitos horários diferenciados para que não haja ajuntamento de pessoas.

O encerramento dos hotéis do grupo, à exceção daqueles que estão ao serviço das entidades públicas para apoiar a quarentena e o pessoal médico, tem permitido ensaiar soluções para o futuro.

Jorge Rebelo de Almeida não espera que o governo venha a definir regras, considera que essa decisão deverá partir sobretudo dos hotéis porque são os primeiros a ter interesse em salvaguardar os seus clientes e os seus colaboradores mas estão abertos a aceitar as diretrizes que vierem a ser definidas.

Sobre este assunto, contactado o ministério da Economia lembrou que “os estabelecimentos turísticos, exceto parques de campismo, não viram a sua atividade suspensa, podendo manter a sua atividade nos termos do Decreto n.º 2-B/2020”.

Contudo estando a ser “ponderado, como é do conhecimento público, o início do levantamento paulatino de algumas das restrições aplicáveis às empresas do setor do turismo” vão ser estabelecidas “as normas em que as mesmas devem passar a organizar o trabalho e assegurar a segurança e proteção de trabalhadores e clientes”.
Lay Off para os colaboradores e 50% corte nos vencimentos dos administradores no Grupo Pestana
A partir de hoje o Grupo Pestana tem todos os trabalhadores em “lay off” simplificado. Com os hotéis fechados desde que o estado de emergência foi decretado, à exceção dos que dão apoio ao pessoal dos hospitais, os cerca de 5000 colaboradores presentes em Portugal, tem estado em gozo de férias, folgas e tempos acumulados.

A quebra de receita nos meses de abril e maio vai ser de 100%. Os hotéis estão fechados e só aceitam reservas a partir de 28 de maio. São dois meses com faturação zero. Por comparação com 2019, só abril representa uma perda de 16 milhões de euros. O ano passado o grupo acabou o trimestre com um volume de vendas de 29 milhões e 800 mil.

Este ano deverá ficar pelos 22 milhões, o que significa perdas no trimestre de quase 9 milhões e isto apenas porque janeiro e fevereiro, por comparação com 2019, até foi melhor.

O grupo que está presente em 15 países com 100 hotéis e resorts, divididos por 4 marcas hoteleiras entre as quais o Pestana CR7 Lifestyle Hotels, fechou 2019 com um volume de negócios consolidado de 450 milhões de euros, face a 434 milhões de euros no ano anterior, mais 3,7 por cento do que em 2018.

“Estou muito preocupado mas não desesperado” confessa à RTP José Theotónio, CEO do Grupo Pestana.

Ainda assim, garante estar preparado para o embate porque “os últimos três anos foram muito bons” e permitem agora ter alguma folga. Porque os investimentos em curso já estavam numa fase final e porque o ano passado os mercados financeiros “estavam bons, com liquidez, o que permitiu fazer prazos longos e ter juros baixos”, logo “os compromissos financeiros não são muito elevados”. Isto significa que o grupo está preparado para absorver perdas de rentabilidade nos próximos meses, desde que gradualmente comece a existir algum movimento.

Segundo José Theotónio a prioridade neste momento passa por reduzir custos e cumprir com os colaboradores “sem que tenham perdas de rendimento” sobretudo os ganham menos. “Vamos adiantar subsídios e talvez seja possível no segundo semestre atribuir uma remuneração adicional”. Garante por isso que até setembro “nenhum dos nossos colaboradores vai ter perda de rendimento”. Em sentido contrário, toda a Administração e alguns diretores aceitaram fazer cortes nos seus vencimentos entre 30 a 50 por cento.

Quanto à redução de custos para já o grupo não pensa fechar hotéis ainda assim as unidades arrendadas, com contratos a terminar nos próximos 6 meses, vão passar por uma avaliação mais ponderada, ou seja, “vamos ver se vale a pena”, refere o CEO do grupo.

José Teotónio acredita que a retoma “vai ser gradual”. Aposta sobretudo no turismo interno mas espera também que Portugal possa ser uma opção para os vizinhos espanhóis, dada a proximidade. Já quanto à Madeira, como está dependente do transporte aéreo, o CEO mostra-se mais cético apesar de ainda assim considerar que o arquipélago tem a seu favor o facto de ter conseguido com sucesso conter a pandemia.

Habitualmente os meses de verão representam 40 por cento da faturação do grupo. Para este verão o CEO considera que “seria muito bom” alcançarem pelo menos 50 por cento do habitual nos meses de julho, agosto e setembro. “O cenário menos pessimista é no segundo semestre conseguir assegurar o break even”, conclui.

Neste último mês o grupo tem vindo a ajudar os hospitais com o fornecimento de tocas, bidons de água, sabonetes e champôs. “São coisas simples que nos pedem e como temos os fornecedores temos mais facilidade em obter e ajudamos”. A pousada de Queluz também tem estado a receber pessoal do Hospital Amadora Sintra que precisa de descansar e por força das circunstâncias é obrigado a ficar mais perto do hospital e longe da família. E o Hotel Palace tem estado a confecionar e a fornecer cerca de 150 refeições por dia a instituições que distribuem pelos mais carenciados. Entre essas instituições está a João 13 que já há algum tempo é apoiada pelo grupo no âmbito das ações de responsabilidade social.
Vila Galé quer voltar à luta mas admite não reabrir todos os hotéis
“Se não voltarmos à vida isto não vai ficar pedra sobre pedra” é o desabado de Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Grupo Vila Galé à RTP. “A partir de 4 de maio devagarinho temos de ir para a luta”.

Com 26 hotéis em Portugal e nove no Brasil, o grupo estima uma quebra de 64 por cento da receita, em março, por comparação com 2019 e perdas de 100 por cento em abril.
Jorge Rebelo de Almeida não tem dúvida que aquilo que perdeu não vai conseguir recuperar e lembra uma velha máxima muitas vezes utilizada no setor: “Quarto de hotel não vendido é pior do que jornal do dia anterior! O jornal ainda assim pode ser lido o quarto vale zero”.

No Grupo Vila Galé desde 1 de abril, 84 por cento dos trabalhadores estão em “lay off”. O grupo manteve a funcionar a produção de vinho e de azeite no Alentejo, associada ao hotel rural Vila Galé Clube de Campo e à Casa Santa Vitória. Cento e vinte sete hectares de vinha, uma adega e 200 hectares de olival que permitem produzir e comercializar vinho e azeite.
Quanto aos trabalhadores lembra que até agora “o grupo manteve todos os trabalhadores”. No entanto com o agravar da situação e a possibilidade de algumas unidades não reabrirem pode não conseguir assegurar todos os postos de trabalho.

Profundo conhecedor do setor, Jorge Rebelo de Almeida não hesita quando diz que desta vez o turismo não vai ser o motor da economia e vai ser um dos setores mais difíceis de recuperar.

No entanto admite que quem tiver capacidade financeira também vai querer fazer férias e é expectável que sinta maior confiança em permanecer em Portugal. Por isso para o retomar da atividade o Grupo Vila Galé conta com o turismo interno, contudo Jorge Rebelo de Almeida lembra que essa parte “não chega a ser uma gota de água”. Espera por isso que os espanhóis possam dar uma ajuda. “Esta abertura da Espanha é muito importante para nós. Se a Espanha melhorasse até podia haver reforço do mercado, mesmo sem voos, ou com menos voos”.

Ainda assim a capacidade instalada do Grupo vai ser substancialmente superior à procura e por isso o presidente considera a possibilidade de não abrir todos os hotéis, nomeadamente, nas zonas onde tem mais de uma unidade hoteleira, como Tavira, Albufeira e Vilamoura.

A crise provocada pela pandemia bateu à porta do grupo numa fase de expansão e de investimento, o que vai obrigar a uma maior ginástica financeira, resultante do aumento de custos e da quebra de receita. A pensar na Páscoa o grupo terminou a contra relógio o Vila Gale Alter Real que não chegou a abrir, bem como o Vila Galé de Manteigas que ficou pronto no final de março mas de portas fechadas.

Ainda assim o presidente do grupo não coloca a possibilidade de baixar os preços porque considera que não é dessa forma que vai conseguir captar mais clientes. “Não é pela baixa que lá vamos. Prefiro reforçar a oferta, por exemplo, com uma garrafa de vinho ou uma massagem no spa e estamos a trabalhar para que isso aconteça”.

Quanto a previsões para a globalidade do ano, Jorge Rebelo de Almeida confessa que “até é difícil fazer contas”, admite que os prejuízos “podem ser enormes” e já considera como “bom conseguir cobrir os custos”.

“É preciso esperar o melhor e estar preparado para o pior”, conclui.
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