Mário Centeno contraria diretiva europeia sobre o défice: Bruxelas quer saber porquê

por Christopher Marques - RTP
Rafael Marchante - Reuters

A Comissão Europeia ainda não avaliou oficialmente o esboço do Orçamento mas já apresentou as suas dúvidas. Numa carta enviada ao ministro das Finanças, Bruxelas pede explicações sobre o facto de o Executivo pretender reduzir o défice estrutural em apenas 0,2 pontos percentuais – um terço do que havia recomendado a Portugal. Críticas ao esboço orçamental que se juntam às do Conselho de Finanças Públicas e da Fitch.

Ainda não há parecer oficial, mas há já partes do esboço de Centeno que geram dúvida em Bruxelas. Numa carta assinada pelo vice-presidente para o Euro e o Diálogo Social e pelo comissário dos Assuntos Económicos, Bruxelas pede esclarecimentos.

Em causa está a meta para o défice estrutural colocada no esboço. O Executivo de António Costa pretende chegar ao fim de 2016 com um défice estrutural de 1,1 por cento do PIB.

Em relação ao valor previsto para 2015, é uma redução de 0,2 pontos percentuais. Em julho, o Conselho Europeu recomendou a Portugal uma redução de 0,6 pontos percentuais do défice estrutural – o triplo do que pretende agora alcançar Centeno. Perante a diferença, Bruxelas quer explicações.

"Estamos a escrever-lhe para perceber por que é que Portugal planeia uma redução do défice estrutural em 2016 muito abaixo do recomendado pelo Conselho Europeu em julho", lê-se na missiva enviada a Centeno e entretanto disponibilizada pelo Diário de Notícias.
O que é o défice estrutural?
O défice estrutural é calculado a partir do défice orçamental, limpo dos efeitos cíclicos. Podemos dizer que corresponde ao que seria o saldo orçamental de um país, se este passasse por uma situação de pleno emprego e não dependesse do ciclo económico.

Em concreto, procura-se extrair ao défice orçamental o aumento de despesa e a perda de receita que se devem exclusivamente ao ciclo económico. Por exemplo, o facto de a receita fiscal tender a cair nestes períodos e os gastos com o subsídio de desemprego aumentarem. A própria metodologia de cálculo do défice estrutural gera controversa entre os economistas.

O défice estrutural tenciona ser uma tendência de médio prazo, uma vez que não é influenciado pelos ciclos económicos.
 
Se há um défice estrutural, significa que há uma tendência para que as receitas públicas se mantenham inferiores às despesas públicas e que esta tendência não se deve à conjuntura económica. Ou seja, uma tendência para que o Estado gere défices consecutivos e, por consequência, aumente a dívida pública.

Este indicador tem sido fortemente valorizado por Bruxelas, que tenciona que os Estados tenham um excedente estrutural de 0,5 por cento do PIB potencial.

Contudo, a própria metodologia de cálculo do indicador é controversa no seio da comunidade de economistas.
"Demasiado cedo"
Na carta que enviou a Centeno, a Comissão Europeia deixa claro que este é um pedido de esclarecimento e não a avaliação final do esboço do Orçamento. Bruxelas espera uma resposta de Portugal até dia 29 de janeiro.

O ministério de Mário Centeno já avançou à agência Lusa que pretende responder às dúvidas de Bruxelas. A tutela sublinha ainda que estas questões são “normais” e dão “início ao processo de análise do esboço orçamental”.

O primeiro-ministro refere ser “normal” a carta enviada pela Comissão Europeia. António Costa vê mesmo “um sinal muito positivo” na reação europeia, que se mostra disponível para desenvolver um “diálogo construtivo”.

Entretanto, aguarda-se a avaliação formal do esboço. Na missiva, Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici recordam que a Comissão tem duas semanas, a partir da entrega do documento, para solicitar uma revisão do plano orçamental, caso este não esteja de acordo com as orientações comunitárias.

"Estamos agora a levar a cabo a nossa avaliação do esboço de plano orçamental. É demasiado cedo para nos pronunciarmos sobre a substância do plano nesta fase", revelou à Lusa uma porta-voz da Comissão Europeia.
Outros avisos
Apesar de a carta da Comissão Europeia fazer apenas referência ao défice estrutural, outros números estão no esboço de Centeno que não têm convencido entidades nacionais e estrangeiras.

Logo no parecer do Conselho de Finanças Públicas, que foi anexo ao projeto orçamental, a entidade de Teodora Cardoso apresenta algumas críticas e desconfianças relativamente ao crescimento da procura externa previsto pelo Executivo.

“O Ministério das Finanças assume a aceleração da procura externa em 2016 de 3,9 por cento para 4,9 por cento, o que não parece ter em conta os mais recentes sinais de abrandamento de parceiros económicos relevantes”, escreveu o CFP, para sublinhar que as previsões macroeconómicas de Centeno apresentam “riscos relevantes”.

A entidade liderada por Teodora Cardoso alerta ainda para riscos no comportamento dos preços e consequente competitividade e crescimento da economia e do emprego em Portugal.
O aviso da Fitch

Já esta terça-feira, a Fitch Ratings mostrou dúvidas quanto à previsão de crescimento económico apontada por Centeno. O executivo prevê que a economia lusa cresça 2,1 por cento em 2016, valor bastante superior aos 1,7 por cento calculados pela Fitch.“Um relaxamento orçamental que resulte numa trajetória menos favorável na dívida pública poderá levar a uma ação negativa sobre o rating"

“Os dados recentes não demonstram nenhuma melhoria notável nas taxas de crescimento e a expectativa de que o aumento da procura externa vai impulsionar as exportações pode vir a revelar-se otimista, dado o abrandamento das economias emergentes e o fraco crescimento da zona euro”, refletem os analistas da Fitch.

A agência de notação financeira nota ainda que o Governo de Costa prevê uma redução mais lenta do défice do que a prevista pelo anterior Executivo.

E termina a missiva com uma ameaça ao Governo: “Um relaxamento orçamental que resulte numa trajetória menos favorável na dívida pública poderá levar a uma ação negativa sobre o rating, do mesmo modo que um crescimento enfraquecido pode ter um impacto negativo nas finanças públicas”, conclui a Fitch.

Numa primeira resposta, o PS defendeu que a Fitch ignorou as medidas de estímulo à economia incluídas no Orçamento para 2016. João galamba, porta-voz do PS, acusa a agência de comparar "alhos com bugalhos”.
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