Na Rússia, o impacto das sanções ocidentais já se sente no quotidiano

Na terceira semana da ofensiva russa contra a Ucrânia, a Rússia continua a limitar a informação e a tentar manter a normalidade no país. E embora a população pouco saiba sobre a invasão ao país vizinho, dificilmente as sanções do Ocidente passam despercebidas. Com centenas de empresas a suspender atividade, os preços sobem e alguns produtos a escasseiam.

Inês Moreira Santos - RTP /
EPA

Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) admitiu a possibilidade de a Rússia entrar em bancarrota devido às sanções económicas impostas pela invasão da Ucrânia e alertou que a economia russa está a contrair e a entrar em recessão.

Esta segunda-feira, o ministro russo das Finanças acusou o Ocidente de querer provocar uma “falência artificial” ao país com as sanções. E, de facto, por muito que o Kremlin tente ocultar e desinformar a população quanto à invasão à Ucrânia, as consequências do conflito não passam despercebidas e já se fazem sentir.

A nível económico o impacto já é visível: o valor do rublo está em queda, os bancos estão com regras mais rígidas, a classe alta está desesperada a tentar vender ativos no exterior e as classes mais baixas já sentem o aumento dos preços. E, com o encerramento de centenas de empresas ocidentais, muitos receiam ficar sem emprego.

A McDonald’s, por exemplo, tem cerca de 840 filiais na Rússia e, na semana passada, anunciou que as ia encerrar, pondo em risco o emprego dos funcionários e até dos funcionários.

Mas não foi a única. Outras grandes marcas ocidentais, incluindo IKEA, H&M, Coca-Cola e Starbucks, decidiram também suspender atividade no país e a Pepsi decidiu deixar de vender alguns dos seus produtos, incluindo a Pepsi Cola e a 7-Up.

Para além das óbvias consequências económicas para a Rússia, a suspensão de atividade destas marcas condiciona a população russa, novamente, ao isolamento como na Guerra Fria.
Nova “Cortina de Ferro”?
Depois da II Guerra Mundial, a Europa Ocidental e a Europa Oriental estavam dividias, ideológica e economicamente, pela chamada “Cortina de Ferro”. No final da década de 1980, e início da de 1990, essa barreira foi simbolicamente derrubada e começou uma era de ocidentalização da Europa Oriental, muito marcada pela entrada de grandes marcas estrangeiras na antiga União Soviética.

Agora, com o encerramento de várias lojas e a suspensão de atividades de várias empresas ocidentais, os especialistas consideram que já se sente, na Rússia, o crescente isolamento e uma nova separação da Europa

“A Coca-Cola, a Pepsi e a McDonald’s eram símbolos da ocidentalização da Rússia, de quando a Rússia se abriu para o mundo. E o facto de essas empresas estarem a sair mostra até que ponto a Rússia se está a isolar”
, explicou à CNN Internacional Gulnaz Sharafutdinova, professor de política no King’s College London’s Russia Institute.

Quando anunciou o encerramento das centenas de restaurantes na Rússia, a McDonald’s explicou que os seus “valores significam que não podemos ignorar o sofrimento humano desnecessário que se vive na Ucrânia” e acrescentou que era “impossível prever” até quando terias as filiais russas fechadas e os funcionários sem trabalho.

“Se é o fim de uma era ou não, é difícil dizer agora, muitos especialistas temem que possa ser, e isso vai depender de quanto tempo vai levar a Rússia a ultrapassar o difícil, sombrio e tóxico regime autoritário atual”
, disse ainda Sharafutdinova. “Também consideramos que sair disto exigirá muito esforço – social, político, económico e de liderança”.

Quanto aos funcionários, a cadeia de fast food garantiu que, para já, iam continuar a ser pagos, uma vez que “trabalharam de alma e coração para servir as comunidades” russas. Mas o impacto abrange os fornecedores e os parceiros locais que “produzem alimentos para as nossas ementas e que apoiam a marca”.

Além disso, o simbolismo da retirada das empresas ocidentais da Rússia terá um impacto emocional e psicológico, afirmou também o psicólogo organizacional Thomas Chamorro-Premuzic.

"Não se trata realmente da perda funcional de pagar mais por móveis ou não ter o seu hambúrguer ou café favorito, mas o facto de se tornarem o inimigo público número um. Com um mau líder, são os cidadãos do país que mais sofrem"
.
Desemprego e menos poder de compra
O aumento do desemprego na Rússia será uma das maiores consequências das sanções devido à ofensiva na Ucrânia, principalmente se as empresas decidirem encerrar e não apenas suspender atividade.

"Estes são grandes empregadores e, assim como criaram muitos empregos quando chegaram, os empregos desaparecerão se saírem", disse Chamorro-Premuzic, acrescentando que não significa que as marcas ocidentais vão fechar na Rússia de forma permanente. “Podem retomar atividade se houver mudanças políticas significativas, mudanças de governo, mudanças de reputação.

"Claro que é um grande mercado para as empresas, então terão o mesmo incentivo para voltar do que tinham para ir da primeira vez. Então, se não houver impedimento moral ou de reputação da marca, voltarão"
.

Contudo, o presidente russo considera que tanto a Rússia como a Bielorrússia vão ultrapassar estas dificuldades e “adquirir mais competências, mais oportunidades para serem independentes e autossuficientes e, em última análise, beneficiar [com as sanções], como aconteceu anteriormente”.

Paralelamente ao crescente receio de aumento de desemprego, os preços dos bens-essenciais na Rússia já estão a subir.

Só na primeira semana da invasão russa à Ucrânia, os preços ao consumidor subiram 2,2 por cento, com os produtos alimentares a registar os maiores aumentos. O preço do leite, por exemplo, aumentou quase para o dobro nas últimas duas semanas. E, com o receio que haja açambarcamento, algumas lojas estão já a limitar a venda de alimentos básicos.

"A comida não vai desaparecer, mas vai ficar mais cara"
, disse à BBC uma comerciante. "Quanto mais caro, não consigo calcular — e estou com medo até de pensar".

"A 20 de fevereiro, encomendei mantimentos por 5.500 rublos e agora os mesmos produtos custam 8.000"
, disse ainda.

Os preços do açúcar e dos cereais já estavam cerca de 20 por cento mais elevados em fevereiro do que há um ano e a tendência é que continue a aumentar.

Para agravar a situação da população russa, embora a venda de medicamentos não esteja sujeita a sanções, receia-se que esgotem os stocks e demore a reposição com as suspenções do transportes.

Mas não só os bens de primeira necessidade aumentaram. O setor das tecnologias não escapou às sanções, tendo o preço de smartphones e de televisões aumentado 10 por cento nos últimos dias.
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