O dia da venda: o que já sabemos sobre a nova fase do Novo Banco

por Christopher Marques - RTP
Rafael Marchante - Reuters

Quase 32 meses depois, o Novo Banco prepara-se para começar a ser vendido. Mário Centeno explica esta sexta-feira aos portugueses os contornos do negócio que passará parte do sucessor do BES para o fundo norte-americano Lone Star. O custo para os portugueses e para o setor bancário permanece desconhecido. Certo é que o Estado português emprestou 3,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução e não está perto de receber o dinheiro de volta.

A conferência de imprensa está confirmada e alguns dos dados já vão sendo divulgados pela imprensa. Tudo indica que, quase 32 meses depois, o Novo Banco chegará a mãos privadas, mas não da forma como tudo foi inicialmente pensado.

Os pormenores e algumas certezas serão revelados esta sexta-feira por Mário Centeno. O anúncio partiu da ministra da Presidência, na conferência de imprensa do Conselho de Ministros desta quinta-feira.

“O senhor ministro das Finanças dará todas as explicações relativas ao processo de venda do Novo Banco”, disse Maria Manuel Leitão Marques. E nada mais acrescentou de relevante, nem sequer se o contrato com o fundo norte-americano Lone Star já estava assinado.

Os detalhes ficam esta sexta-feira para Mário Centeno, mas já há muitos dados que vão sendo avançados pela imprensa. A venda do Novo Banco está a ser negociada em exclusivo com o Lone Star desde fevereiro. Já esta semana António Costa informou que o processo deveria ficar concluído esta semana. A marcação da conferência de Centeno confirma a pista.

A proposta do Lone Star já não é a mesma que era quando o Banco de Portugal convidou o fundo para negociações exclusivas. O fundo norte-americano propunha-se mobilizar 1.500 milhões de euros na compra do Novo Banco. Desse bolo global, 750 milhões seriam usados na compra da instituição.

Os restantes 750 milhões seriam injetados no Novo Banco para reforçar a sua solidez. Mas o fundo exigia uma garantia pública para o caso da venda de alguns ativos da instituição renderem menos do que o expectável. Uma exigência que poderia ter consequências nas contas públicas e que o Governo deixava desde logo de parte.

O negócio é agora diferente. Em vez da garantia pública, o Estado vai manter uma percentagem do Novo Banco. O Lone Star comprará apenas 75 por cento, com um quarto da instituição a permanecer em mãos públicas.

Também não haverá encaixe financeiro para o vendedor, com o banco a ser vendido por um valor simbólico. O Lone Star terá no entanto que injetar 750 milhões de euros no Novo Banco. Fica ainda comprometido a uma nova injeção de 250 milhões de euros até 2020.

Não há portanto encaixe financeiro para o Fundo de Resolução que lhe permita, no curto prazo, devolver o empréstimo feito pelo Estado. Afinal, o Fundo de Resolução injetou 4,9 mil milhões de euros no Novo Banco em agosto de 2014, data em que o Banco de Portugal tomou o controlo do então Banco Espírito Santo. O Estado colocou 3,9 mil milhões de euros no Fundo de Resolução a título de empréstimo.

O custo deverá ser assumido pelo setor financeiro - podendo acabar por ser repercutido aos clientes - mas serão necessárias décadas até que o Estado reveja o capital que emprestou. Soma-se a isto o impacto na Caixa Geral de Depósitos, banco público e que também faz parte do Fundo de Resolução.
Quem manda no Novo Banco?
No início da semana, a Comissão Europeia admitiu viabilizar que o Estado mantivesse 25 por cento do capital do banco público, mas referiu serem necessárias contrapartidas. A imprensa tem avançado desde já que o Estado não poderá interferir na gestão do banco, apesar de manter parte do capital.

A hipótese mereceu desde logo críticas da esquerda. “Somos contra uma entrega a privados do Novo Banco numa situação em que os contribuintes ficam a pagar as perdas e o Estado português não tem uma palavra a dizer sobre a gestão dos ativos”, afirmou Catarina Martins.

Em entrevista ao Público e à TSF, Mário Centeno garantiu já que o Estado vai continuar a ter poder sobre a instituição mas não especificou como.

Centeno não detalha, mas sabe-se já que os novos donos não vão poder vender ativos do banco sem a autorização do Estado. Uma espécie de veto dourado que ficará sob alçada de um novo órgão a ser criado no Novo Banco e que responderá perante o Banco de Portugal e o Governo.
Venda fora do Parlamento
A venda do Novo Banco apresenta-se como prova de fogo na maioria de esquerda. A direita deu já sinal de não pretender aprovar uma eventual venda no Parlamento, sublinhando que não faz parte da maioria. O PCP e o Bloco de Esquerda apresentam-se contra a privatização do banco e dificilmente viabilizariam o processo.

Tudo parece atualmente pronto para que a venda não seja votada na Assembleia da República. O presidente do PS afastou na quarta-feira a possibilidade de a venda ser feita por decreto-lei do Governo, alegando que se trata de um negócio entre o fundo de resolução e o comprador.

Carlos César rejeitou, no entanto, que se trate de uma forma de evitar problemas no Parlamento e no seio da maioria de esquerda. A verdade é que, depois de algumas posições mais intransigentes, a própria esquerda da maioria tem apresentado posturas mais construtivas.Depois de algumas posições mais intransigentes, a própria esquerda da maioria tem apresentado posturas mais construtivas quanto à venda do Novo Banco.

Na noite de quarta-feira, Jerónimo de Sousa manteve que o PCP defende a integração do Novo Banco na esfera pública, mas deixou em aberto a viabilização da venda.

O secretário-geral indicou que a venda apenas deveria ser bloqueada “se for para integrar o banco no sector público”.

“O bloqueio pelo bloqueio significaria a falência do banco”, acentuou Jerónimo de Sousa. Também Catarina Martins moderou o discurso. Apesar de considerar que a venda é um “erro”, assinalou que a liquidação do Novo Banco é “impensável”.

“Agora, o mais importante é o país compreender quais os termos da venda acertados com o Governo e com a Comissão Europeia”, explicou a coordenadora do BE. Catarina Martins alega que é hora de debater “o essencial” e não “estarmos sempre a discutir aquilo que toda a gente já sabe constituir uma divergência”.

Do lado do PSD, exigem-se por agora esclarecimentos. “Que se possa saber com clareza, objetividade e transparência se os contribuintes vão ser chamados, direta ou indiretamente, a poder suportar algum custo associado a esta operação”, afirmou Luís Montenegro.
O princípio do fim

Mais do que o fim do processo, a venda torna-se o novo capítulo na novela Novo Banco. Uma história que chegou aos olhares do público em agosto de 2014, quando Carlos Costa anunciou a resolução do Banco Espírito Santo e a transferência dos bons ativos “para um banco novo, denominado de Novo Banco”.

O objetivo inicial era uma venda rápida, com Vítor Bento à frente da instituição. Em setembro de 2014, o economista anunciou a sua saída, alegando divergências com o plano que previa uma venda rápida da instituição. Foi substituído por Miguel Stock da Cunha.

O certo é que a venda do Novo Banco vai-se eternizando. Uma primeira tentativa ainda durante o Governo de Pedro Passos Coelho fracassou em setembro de 2015. O processo de venda é retomado em 2016, sob a liderança de Sérgio Monteiro.

Monteiro tinha sido secretário de Estado das Infraestruturas de Pedro Passos Coelho, tendo liderado o processo de privatização de empresas como a ANA Aeroportos, os CTT Correios e a TAP.

A venda afigura-se já um mal menor, tentando-se evitar a liquidação ou a nacionalização da instituição. Não haverá encaixe financeiro para o Estado, apenas a garantia de uma injeção de capital no Novo Banco.

Resta saber quais serão as contrapartidas do Governo e as garantias dadas pelo Lone Star para o futuro do banco. A venda a um fundo de investimento tem sido amplamente criticada.
"Flibusteiros" e "abutres"

O Lone Star apresenta-se como uma empresa de “private equity”, investindo em empresas não cotadas em bolsa e que apresentam necessidade de crescimento ou de serem recuperadas. Os fundos de investimento acabam frequentemente por vender as suas participações a médio prazo, com mais-valias superiores às que se verificam no mercado de capitais.

O ex-administrador do BES Investimento José Maria Ricciardi chegou mesmo a falar em “investidores abutres”. Em janeiro, Francisco Louçã classificava os vários fundos que estavam na corrida de "flibusteiros, ou aventureiros provados no mar alto da finança mundial".

Reportagem do Jornal da Tarde de 5 de janeiro de 2017

O fundo norte-americano assume desde já que o objetivo é valorizar o banco para o vender nos próximos cinco a sete anos. Se isso acontecer há a expectativa de o Fundo de Resolução poder vir a lucrar pelo menos 500 milhões.

Na quinta-feira os presidentes dos principais bancos portugueses já foram informados do negócio pelo Banco de Portugal. Esta sexta-feira, Mário Centeno presta os esclarecimentos sobre os contornos financeiros da venda.

Para lá dos milhões, restam os custos que a reestruturação do Novo Banco significará. A venda do Novo Banco deve implicar o fecho de meia centena de balcões e a saída de 500 trabalhadores.
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