ONU questiona proveniência de armas que mataram centenas de trabalhadores humanitários

O subsecretário-geral para Assuntos Humanitários da ONU, Tom Fletcher, questionou hoje a proveniência das armas usadas nas mortes de centenas de trabalhadores humanitários ao redor do mundo, mas com especial incidência em Gaza. 

Lusa /

"Estamos sob ataque. No ano passado, foram mortos mais de 380 trabalhadores humanitários, o maior número de sempre, e já são 270 este ano. É um recorde que temo que seja novamente batido. E esta violência contra nós - em locais como Iémen, por exemplo, e, claro, os Territórios Palestinianos Ocupados, Gaza, - está de alguma forma a ser normalizada", disse Fletcher, numa conferência de imprensa em Nova Iorque.

"É uma era de impunidade. E há uma pergunta que gostaria que fosse feita com mais frequência: de onde vêm estas armas que nos estão a matar e a matar aqueles a quem servimos?", questionou, observando: "Elas não surgem do nada".

A Faixa de Gaza é de longe o local onde mais trabalhadores humanitários têm sido mortos nos últimos dois anos.

Fletcher defendeu hoje a necessidade de uma "conversa mais aprofundada" não só sobre os obstáculos legais que devem ser colocados perante os ataques contra trabalhadores humanitários, mas também sobre a "impunidade" que reina e os danos físicos que estão a ser causados às equipas e civis no terreno.

"Gaza, claro, é onde a maioria [dos trabalhadores humanitários mortos] estava. Mas também vimos isso a acontecer nas últimas semanas na Ucrânia, (...) Iémen e Haiti. Em todas estas crises, estamos a enfrentar riscos crescentes. E estas armas não vêm do nada", insistiu Fletcher, frisando que o armamento está a ser direcionado a pessoas que tentam salvar vidas.

Questionado se defende uma maior pressão para um embargo de armas a Israel, o líder humanitário da ONU remeteu essa resposta para os especialistas políticos, mas ressaltou que os trabalhadores humanitários e civis "estão a ser mortos de formas cada vez mais sofisticadas".

"Esta é uma das coisas realmente alarmantes (...): o uso crescente de armas autónomas letais, drones, e assim por diante, que estão a visar as nossas instalações e o nosso pessoal", lamentou.

No seu `briefing` aos jornalistas, o subsecretário-geral refletiu ainda sobre os grandes cortes de financiamento aplicados por países como os Estados Unidos à ONU, explicando que o setor humanitário das Nações Unidas está "subfinanciado, sobrecarregado e sob ataque".

Este ano, o departamento chefiado por Fletcher só recebeu 19% do financiamento necessário, o que representa uma quebra de 40% em relação ao ano passado, disse.

"Estamos numa situação agora em que muitos gostariam de ver a ONU enfraquecida, o que, claro, é um ato imprudente de automutilação", defendeu, sem apontar nomes.

A sede da ONU acolhe na próxima semana o Debate da Alto Nível da Assembleia-Geral, onde são esperados dezenas de chefes de Estado e de Governo.

Os líderes deverão refletir sobre as conquistas das últimas oito décadas e o caminho a seguir para um sistema multilateral mais inclusivo e responsivo, esperando-se que apresentem posições e prioridades no contexto dos desafios globais.

Entre os líderes esperados para este debate estão os Presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, ou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov.

De acordo com o calendário provisório cedido pela ONU, Portugal estará representado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Tendo em conta o cenário de grave crise financeira que a ONU atravessa, à qual se junta uma crise de legitimidade e de confiança, Tom Fletcher anteviu que a edição deste ano da Assembleia-Geral terá a "semana de alto nível mais significativa em muito tempo e que realmente definirá a ação da ONU daqui em diante".

Neste momento, as Nações Unidas têm em marcha a "Iniciativa ONU80" - um projeto que visa mudanças estruturais na própria organização multilateral devido à grave crise de financiamento que atravessa.

A "Iniciativa ONU80", promovida pelo secretário-geral, António Guterres, defende a urgência de fundir unidades, eliminar duplicações funcionais e estruturais, e cortar nas funções que são desempenhadas noutras partes do sistema, incluindo nas Operações de Manutenção da Paz.

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