Portugal e Bruxelas unidos nas críticas à Moody`s
A decisão da Moody's de cortar o rating da dívida de Portugal de Aa2 para A1 mereceu críticas de vários quadrantes. O Presidente Cavaco Silva sugere mesmo um certo sentido de "injustiça" e o próprio comissário europeu Olli Rehn deixa uma crítica às agências, defendendo a actuação do Governo português. Já o ministro das Finanças aponta a decisão como esperada, enquanto que a Oposição vê neste corte um teste para as opções do Executivo.
A agência de notação financeira aponta a "deterioração crescente dos números da dívida do país, como a dívida em percentagem do PIB e a dívida em relação às receitas" para sublinhar que "as perspectivas de crescimento da economia portuguesa permanecem fracas, a menos que as recentes reformas estruturais comecem a dar frutos a médio ou a longo prazo".
As reacções de desagrado não se fizeram esperar e regressaram mesmo acusações às agências de notação de estarem comungadas com os grandes especuladores. Em Abril era o próprio ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a apontar o dedo ao que apelidava de "ataque" concertado dos mercados financeiros internacionais.
Mais brando nas suas apreciações, interpelado à entrada para uma reunião dos ministros das Finanças da União Europeia, Teixeira dos Santos declarou que esta reclassificação da dívida portuguesa "não surpreende" e "já era esperada", depois de a Moody's ter estado 12 anos sem rever o rating português.
"Creio que é uma decisão um pouco mais tardia do que outras agências de rating, mas que no fundo veio constatar aquilo que essas outras agências já tinham constatado e, por isso, não tem nada de surpreendente", sustentou em Bruxelas o governante português.
Já Olli Rehn, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Monetários, também ouvido em Bruxelas, lamentava que "as agências de crédito muitas vezes tenham tendência a ampliar as tendências" da evolução da economia "em vez de as antecipar".
Deixando uma palavra positiva sobre Portugal, Olli Rehn considerou os novos objectivos orçamentais portugueses "apropriados e ambiciosos" com vista ao controle do défice, sublinhando que, "este ano, as medidas concretas anunciadas até agora pelo Governo português serão suficientes".
Cavaco desafia Governo a combater a dependência do exterior
Em Portugal, o Presidente da República não deixou de assinalar um sentimento de "injustiça" em relação à decisão da Moody's, advertindo contudo que não é tempo de recriminar as agências de rating, mas antes trabalhar no sentido de diminuir a dependência externa do país.
"Não vale a pena recriminar as agências de rating, o que nós devemos fazer é o nosso trabalho para depender cada vez menos das necessidades de financiamento externo", considerou o Presidente quando instado a comentar a decisão da Moody's, para sublinhar que "devemos sim fazer aquilo que nos compete fazer para que não sejam os outros vindos de fora a impor que façamos isto ou façamos aquilo".
"Mesmo que possamos sentir que há uma certa injustiça nessa decisão", ressalvou Cavaco Silva durante uma visita a estabelecimentos escolares da Serra das Minas, no concelho de Sintra.
O Presidente aproveitou para justificar os seus recentes apelos para que haja um maior investimento na capacidade exportadora portuguesa e de bens que concorrem com a produção estrangeira: "Quando nós não precisarmos de pedir dinheiro no estrangeiro não temos que nos preocupar com agências de rating ou até outras pressões que nos chegam do estrangeiro".
Cavaco Silva daria ainda mostras de forte solidariedade para com o Executivo Sócrates ao declarar que a governação está a trabalhar para reduzir a dependência de financiamento externo e inverter a situação do país.
Lembrando as medidas que têm indo a ser implementadas por Governo e Parlamento, o Presidente afirmou que, "felizmente, agora há uma consciência em todos os agentes políticos de que é preciso tomar medidas para inverter uma situação que não podia continuar".
Líder da Oposição insiste no trabalho que há para fazer
A revisão em baixa da Moody's é vista por Pedro Passos Coelho como um aviso para que Portugal não esqueça o trabalho que ainda tem pela frente.
"Vale, digamos, como um incentivo para não nos esquecermos do que ainda temos para fazer", afirmou o líder do PSD à margem das jornadas parlamentares dos sociais-democratas.
Passos Coelho disse ainda que "se esperava que houvesse essa desqualificação e julgo, portanto, que ela não nos deve tornar mais pessimistas, porque nós fomos assumindo as medidas que eram necessárias para inverter esta situação.
O líder da Oposição disse ainda que não basta saber que o desempenho da economia "vai ser melhor" com a implementação das medidas de correcção: "É importante que ele seja melhor em permanência. Para que nos próximos anos nós não voltemos a cair na situação em que estamos".
CDS-PP reitera aviso sobre grandes obras públicas
Os democratas-cristãos não querem ver desvalorizadas as posições das agências de rating e lembram as suas posições no sentido da suspensão das grandes obras, bem como a crítica reiterada ao aumento de impostos decidido pelo Governo.
"Independentemente da opinião que possamos ter sobre as agências de rating, é um erro desvalorizar o que dizem, porque isso tem uma consequência nos mercados", apontou o presidente parlamentar, Pedro Mota Soares.
Mota Soares sustentou que são dois os aspectos que estão na base desta descida do rating: "O endividamento é excessivo e o crescimento económico é fraco".
"O CDS já disse que Portugal devia suspender as grandes obras exactamente porque elas aumentam o endividamento. Na altura, não nos ouviram. O CDS também já disse que o aumento de impostos pode ter como consequência congelar o crescimento da economia. Na altura, não nos ouviram. O facto de não nos terem ouvido não quer dizer que não tivéssemos razão, como está agora à vista", acrescentou o deputado democrata-cristão.
BE não quer Executivo a governar com as agênciasO Bloco de Esquerda rejeita que as decisões das agências de notação financeira como a Moody's possam determinar as políticas a implementar pelo Governo.
O bloquista José Gusmão defende que a politica financeira não deve ser conduzida com base no que dizem as agências de rating.
"É um erro conduzir a política orçamental em Portugal com base nos pareceres que estas agências de rating dão porque, como se vê, por um motivo ou pelo outro, as decisões acabam por ser sempre as mesmas", assinala o deputado do Bloco.
"Pelo contrário o Governo deveria estar a trabalhar para ultrapassar aquelas que são as verdadeiras fragilidades da economia portuguesa", acrescentou José Gusmão, para assinalar a "ausência de crescimento e a falta de criação de emprego, que são as variáveis estratégicas e estruturantes de qualquer economia".
PCP rejeita medidas restritivas na esteira do corte da Moody's
Bernardino Soares já veio avisar que os comunistas não aceitarão que a decisão da Moody's venha a ser aproveitada pelo Governo para justificar novas medidas de austeridade.
"(Os comunistas) não aceitarão que o Governo venha a usar como justificação esta mudança da notação da dívida pública portuguesa para impor mais medidas restritivas, porque está provado que essas medidas restritivas nunca serão suficientes para quem quer só explorar os estados e extorquir dinheiros públicos", advertiu o líder da bancada parlamentar do PCP.
Em declarações à Agência Lusa, Bernardino Soares defendeu "estas agências estão intimamente ligadas aos capitais especulativos que têm atacado as dívidas soberanas dos países, em particular na Zona Euro. Todas as chantagens que têm sido feitas sobre os países têm aumentado de cada vez que os países cedem".
O comunista não deixou no entanto de reconhecer na perspectiva de um "fraco crescimento económico" a explicação para o baixar a notação portuguesa: "Ora, as medidas de diminuição do investimento público e da despesa, para além de terem efeitos sociais muito negativos, causam exactamente um fraco crescimento económico".
Foi neste sentido que o líder da bancada comunista apontou uma política diferente, "aumentando o investimento público, aumentando a despesa pública nas áreas essenciais, melhorando os salários e as reformas" para que seja viável o "crescimento público e, a prazo, contas públicas equilibradas".