Reintegração, despedimentos e serviços mínimos levantam dúvidas constitucionais

Oposição à reintegração dos trabalhadores, alargamento dos serviços mínimos das greves, contratação coletiva e simplificação dos despedimentos são as alterações da reforma laboral do Governo que suscitam dúvidas sobre a sua constitucionalidade a especialistas em Direito do Trabalho.

Lusa /

César Sá Esteves, sócio da SRS Legal e especialista em Direito do Trabalho e Segurança Social, considera que a alteração "mais controversa" do anteprojeto de reforma laboral apresentado pelo Governo é a oposição à reintegração do trabalhador despedido ilicitamente, já que prevê que o empregador pode pedir ao tribunal que "exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa", de acordo com o texto do diploma.

Embora a lei atual já admita a não reintegração quando estão em causa microempresas (até 09 trabalhadores), ou quando o trabalhador a reintegrar tenha exercido um cargo diretivo, o alargamento da medida a todas as empresas, independentemente da sua dimensão, levanta dúvidas sobre a constitucionalidade da medida.

"Se há um despedimento injusto, a consequência natural deveria ser `apagar` o ato ilícito e permitir a reintegração do trabalhador na empresa que o despediu sem justa causa", explica César Sá Esteves à agência Lusa, recordando que a Constituição proíbe o despedimento sem causa provada.

O advogado ressalva, no entanto, que quando o tribunal conclui pela ilegalidade de um despedimento, "o trabalhador, na maioria das vezes, opta por receber a indemnização acrescida dos salários a que tem direito, e nem pretende voltar à empresa".

Apesar de ser assim, "esta é talvez a alteração mais sensível, do ponto de vista constitucional", segundo afirmou.

O jurista sublinha ainda que "muitas das alterações desta reforma laboral, concorde-se ou não com elas, são um regresso a medidas que já estiveram em vigor", dando como exemplo o restabelecimento do banco de horas individual, o fim das restrições ao `outsourcing` após despedimentos ou o alargamento da duração dos contratos a termo.

Para Madalena Januário, sócia da sociedade de advogados RBMS e especialista em Direito do Trabalho e Direito Civil, as duas novas medidas que mais dúvidas levantam, do ponto de vista da constitucionalidade, são as alterações à lei da greve, com a extensão prevista dos serviços mínimos aos lares, creches, abastecimento alimentar e segurança privada de bens ou equipamentos essenciais, a par da revisão das convenções coletivas de trabalho (CCT).

"O alargamento dos serviços mínimos a setores de atividade onde não são essenciais é limitar o direito à greve previsto na Constituição", diz a jurista.

Sobre a revisão da contratação coletiva, a jurista considera que as alterações põem em causa "a possibilidade de negociação e inibem as arbitragens", tanto no caso da apreciação da fundamentação da denúncia como no caso da suspensão do período de sobrevigência das convenções.

A redução dos prazos, assim como a redefinição dos critérios de aplicação e extensão das convenções, apontam para uma reformulação profunda do quadro da contratação coletiva, o que, na opinião de juristas e dirigentes sindicais, pode levar a um aumento da conflitualidade laboral.

Diogo Orvalho, sócio contratado da Abreu Advogados, especializado em assuntos laborais, segurança social e pensões, admitiu a existência de dúvidas sobre a constitucionalidade de medidas como a simplificação dos despedimentos por justa causa nas micro e pequenas empresas, e no alargamento dos serviços mínimos obrigatórios durante as greves.

O advogado referiu que um procedimento semelhante à dispensa da apresentação das provas requeridas pelo trabalhador, que o Governo quer introduzir no código laboral para simplificar os despedimentos por justa causa, foi já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional em 2009, tendo os juízes do Palácio Ratton alegado uma violação do princípio do contraditório e do direito de defesa do trabalhador, e decidido pela inconstitucionalidade da norma.

Tanto assim é que o Governo, nas alterações ao anteprojeto de reforma laboral apresentadas à UGT a seguir ao anúncio da greve geral, alargou a restrição às pequenas empresas (até 49 trabalhadores), quando antes era aplicada apenas às micro empresas (até 09 trabalhadores).

"Com o recuo do Governo, vejo uma maior probabilidade de a alteração passar pelo crivo do Tribunal Constitucional. Caso contrário, dificilmente passaria".

O alargamento dos serviços mínimos a novos setores de atividade, para além dos considerados "estritamente essenciais" é, para Diogo Orvalho, "a matéria mais complicada" quanto à sua conformidade com a Constituição. "Pode configurar uma limitação parcial, e um esvaziamento, do direito dos trabalhadores à greve", acredita.

A greve geral contra o anteprojeto do Governo de reforma da legislação laboral será a primeira paralisação a juntar as duas centrais sindicais, CGTP e UGT, desde junho de 2013, altura em que Portugal estava sob intervenção da `troika`.

Tópicos
PUB