Robotização. 1,8 milhões de trabalhadores terão de melhorar competências ou mudar de emprego até 2030

por Ana Sofia Rodrigues e Sara Piteira (grafismo) - RTP
Rebecca Cook - Reuters

Metade do tempo despendido em Portugal nas atuais atividades laborais pode ser automatizado, valor que aumentará até 2030. A conclusão é de um estudo da CIP e aponta consequências. Até essa data, a robotização pode levar à perda do equivalente a 1,1 milhões de empregos, mas deverá criar entre 600 mil e 1,1 milhões de novos postos de trabalho, noutras áreas. Para isso, cerca de 1,8 milhões de portugueses terão de melhorar as suas competências ou mudar de emprego, lançando desafios a Estado e empresas para a requalificação dos trabalhadores.

Os números elevados parecem uma ameaça, mas de acordo com o estudo da CIP, Confederação Empresarial de Portugal, a transformação digital da sociedade e economia nacionais representam “uma enorme oportunidade”.

O relativamente alto potencial de automação resulta do peso da indústria transformadora e das tarefas repetitivas.

“Calcula-se que cerca de 50% do tempo despendido nas atuais atividades laborais poderia ser automatizado com as tecnologias atualmente existentes, o que representa um elevado potencial de automação, quando comparado com outros países. Em 2030, essa percentagem de tempo crescerá para 67%”.

Os valores em 2030 significariam a perda de empregos existentes, mas ao mesmo tempo, a possibilidade a criação de outros.

“No cenário de cerca de 26% (do potencial total de 67%) do tempo de trabalho ser automatizado, a adoção da automação poderá levar à perda do equivalente a 1,1 milhões de postos de trabalho até 2030, com maior incidência nos sectores da indústria transformadora e do comércio”, avança o estudo.


Em sentido inverso, a automação e o crescimento económico poderão vir a criar “600 mil a 1,1 milhões de novos postos de trabalho até 2030, com especial incidência nos setores da saúde, assistência social, ciência, profissões técnicas e construção".

Ou seja, em última instância, a automação pode não implicar a perda do total de postos de trabalho. Gera, no entanto, desafios aos trabalhadores e à economia.
Desafio: Requalificar ou mudar
O estudo estima que “cerca de 1,8 milhões de trabalhadores necessitarão de melhorar as suas competências ou mudar de emprego até 2030”. E isso implica “desafios significativos que exigirão um papel ativo tanto pelo governo e setor privado no processo de reconversão da força de trabalho”, conclui o estudo. 

“Para que se minimizem os desafios decorrentes desta transição e para que se potenciam as imensas oportunidades, impõe-se uma avaliação de novas políticas públicas e um eficaz plano de requalificação da sociedade, num esforço conjunto entre setor público, empresas e instituições de educação e formação”, aconselha o estudo elaborado em parceria com o McKinsey Global Institute (MGI) e a Nova School of Business and Economics.

Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico da CIP para a economia digital, diz que estão em risco os setores com tarefas mais repetitivas. "Se não houver capacidade de transformação da economia portuguesa, eu diria, uma transformação digital no sentido de a modernizar e tornar mais adaptada aos novos tempos, teremos bastantes dificuldades, porque há muitos empregos que tendem para o desaparecimento, em função da robótica, da automação e da digitalização".

Pedro Duarte realça, no entanto, que o estudo aponta também para uma "enorme oportunidade".
Indústria e comércio desafiados
O estudo aponta para o impacto substancial da automação na Indústria transformadora e no Comércio. Nesses setores, a estimativa de perda de postos de trabalho ascende a 40 por cento do total no cenário intermédio das previsões do estudo. Incluem ocupações com atividades repetitivas como operação de maquinarias, atividades de apoio de escritório e interação com clientes.


Indústria, exploração mineira, transporte e armazenagem são as três áreas onde o potencial de automação é mais elevado, já que os trabalhadores passam longas horas com atividades repetitivas. Estes três setores representam cerca de um quinto de toda a força laboral em Portugal e geram uma elevada concentração de horas trabalhadas no todo da economia.

No extremo oposto, o sector com menor potencial de automação é o dos serviços educativos, que representam cerca de 8 por cento do emprego português. Ainda assim, mesmo neste setor, as estimativas apontam para um potencial de automação de 28 por cento do total de horas trabalhadas.

O estudo elabora vários cenários consoante a velocidade e “agressividade” da automação a ser efetuada. De acordo com as previsões dos autores, em 2030, 26 por cento do tempo de trabalho dos portugueses vai ser, de facto, automatizado nessa altura, de um potencial total de 67 por cento.
No cenário mais “agressivo”, o estudo aponta ser possível automatizar 51% do tempo de trabalho em 2030, de um potencial de 84% de automação.
Os autores acreditam, aliás, que o potencial de robotização não vai ser atingido devido a vários obstáculos, devido a questões técnicas, custo de desenvolvimento de tecnologias e fatores sociais e regulatórios que vão desacelerar o processo. Entram em conta questões como a possibilidade de ser mais barato o pagamento de trabalhadores em comparação com o custo de implementar a automação.

“As nossas conclusões apontam para uma incerteza quanto à quantidade de automação que vai ter lugar no futuro próximo em Portugal, mas há pouca dúvida de que o nível de automatização vai ser qualitativamente significativo e disruptivo”, afiança o estudo.

Poucos trabalhos em Portugal são 100% “automatizáveis” – limitam-se a cerca de 2 por cento do total. No entanto, 60 por cento dos postos de trabalho têm pelo menos 30 por cento das tarefas “automatizáveis”.


O estudo mostra que cerca de 52 por cento do tempo de trabalho dos portugueses consiste em tarefas repetitivas que têm potencial de ser automatizadas, com a possibilidade de “robotizar” mais de 70 por cento do tempo gasto em cada atividade. Atividades como trabalhos físicos “previsíveis”, como trabalhadores da produção, operadores de máquinas; ou até aqueles que se dedicam ao tratamento de dados (funcionários que se ocupam do processamento de salários, transações, etc).

As atividades de gestão são as que têm menos potencial de automação, com modestos 9 por cento. No entanto, são também as tarefas em que os portugueses usam menos tempo: apenas 6 por cento do total.
Fosso salarial crescente
Com este processo de automação, o estudo aponta para uma outra consequência: a intensificação da polarização salarial. Ou seja, uns a ganhar cada vez mais e outros a ganhar cada vez menos.

Apesar de não ter sido feito um estudo exaustivo das implicações deste cenário em 2030, os autores consideram que, com base no que agora acontece, “os trabalhos com um salário médio podem vir a declinar como resultado das mudanças na procura de trabalho devido à automação”.

“As ocupações em crescimento em Portugal vão ser aquelas que tendem a ser menos remuneradas, por exemplo, trabalhadores da saúde ou de cuidados infantis, ou exatamente o oposto: trabalhos muito bem pagos, como engenheiros de software”.

Apesar dos desafios, as oportunidades que a automação gera podem ser notórias, sobretudo porque Portugal tem um relativamente elevado potencial de automação, a nível mundial. Acima de Portugal, apenas o Japão.


Adoptando apenas a tecnologia existente, Portugal tem o potencial de automatização de 50 por cento de todas as atividades laborais.

O estudo analisou cerca de 800 ocupações e cerca de 2.000 tarefas desempenhadas em diversos setores, tendo ainda sido identificadas 18 competências de base necessárias para o desempenho de qualquer posição e qual a capacidade de automação de cada uma delas.
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