Socialismo teve "muita importância", mas foi política "ingénua" - economistas
Lisboa, 18 jun (Lusa) -- A adoção do socialismo, após a independência, teve "muita importância" para Moçambique, porque "significou uma rutura muito grande" em relação ao sistema económico colonial, mas foi "completamente ingénua e idiótica", embora "genuína", consideram economistas ouvidos pela Lusa.
"O socialismo teve muita importância, porque significou uma rutura muito grande em relação aos sistemas económico, político e social anterior, a forma de organização do Estado", diz o economista João Mosca, em entrevista à Lusa, sobre os 40 anos da independência de Moçambique.
"Na altura da independência, Moçambique era um país altamente subdesenvolvido: apenas 5% da população tinha escolaridade mínima, os serviços de saúde não cobriam minimamente o território nacional, o sistema colonial de desenvolvimento económico não tinha em vista o desenvolvimento do país, era altamente exploratório da força de trabalho", lembra, por seu turno, o economista Carlos Nuno Castel-Branco.
Contudo, o académico moçambicano assinala que, no período colonial, "a economia de Moçambique gerava riqueza para o capitalismo internacional, mas gerava pobreza para o povo moçambicano", pelo que "as respostas que um movimento de libertação encontra na altura são de tentar resolver estas questões".
A decisão tomada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), atual partido no poder, "não é só para tirar um poder exercido por estrangeiros, mas por causa da necessidade de enfrentar os problemas que as pessoas tinham e resolver o problema da pobreza que era entendido como produto de um sistema colonial que era capitalista e fascista", afirma.
Até porque, lembra Carlos Nuno Castel-Branco, "a própria potência colonizadora, Portugal, era um país pobre, com um povo triste, explorado, humilhado", daí que "a luta de libertação em Moçambique e a luta antifascista em Portugal eram parte da mesma luta contra um sistema que impedia a organização, desenvolvimento da sociedade e das pessoas pelo trabalho".
Para o docente universitário, "é, portanto, perfeitamente lógico que na altura da independência, as opções feitas pelo movimento de libertação perante os enormes desafios de desenvolvimento fossem de natureza socialista, porque eram entendidas, essas, como opções que iriam permitir mais profundamente tratar e resolver os problemas que havia de mobilizar as capacidades, libertar as pessoas de um sistema opressivo e criar oportunidades de desenvolvimento".
Quando Moçambique, então província de Portugal colonialista, alcançou a independência, a 25 de junho de 1975, aprovou a doutrina marxista-leninista, abraçando planos soviéticos, apesar de contraditórios com as tradições da sociedade africana.
"Embora a ideia fosse genuína, é completamente ingénua e idiótica. É uma conceção de desenvolvimento e transformação social em que existem fases como se estivéssemos a atravessar um deserto de um ponto para outro. Transformação social não é isso", observa Carlos Nuno Castel-Branco.
No entanto, à adoção desta medida seguiu-se uma guerra civil e Moçambique enfrentou uma situação absolutamente crítica, num contexto de crise internacional -- os países do Bloco Socialista estavam em colapso --, que levou o país a uma completa incapacidade de endividamento, forçando o Fundo Monetário Internacional (FMI) a suportar a economia.
"O FMI e o Banco Mundial tiveram um papel financeiramente importante nos finais dos anos 80. Neste aspeto, não se pode dizer que foi um mau momento. Mas depois, as políticas que estavam por detrás, naturalmente, provocaram muitos problemas e, hoje, estamos nesta toda transformação do sistema económico socialista para o neoliberal, que é fortemente influenciada pelo FMI e pelas forças internas", afiança João Mosca.
Volvidos quatro décadas do fim da dominação colonial portuguesa, o economista Carlos Nuno Castel-Branco questiona a opção seguida pelas forças libertadoras que, em 1975, tinham a visão da necessidade de recuperar para o país, via Estado, aquilo que seriam as grandes riquezas e capacidades a serem usadas para o desenvolvimento nacional.
"Fica claro que o modelo de socialismo que nós seguíamos -- ponho em causa o modelo -- nas condições específicas daquela época muito marcada pela guerra fria e pela expressão desta guerra fria na região estava e ia falhar politicamente, além de falhar economicamente", declara Carlos Nuno Castel-Branco.
Por isso, João Mosca defende a necessidade de "rutura do modelo económico moçambicano", que, entretanto, "não passa necessariamente pela saída do FMI, porque o "próprio FMI e o Banco Mundial, nos últimos 15/20 anos estão a mudar muito".
"Para o caso de Moçambique, estão a mudar para o bem, porque estão cada vez mais conscientes de que não são receitas vindas do exterior que resolvem problemas, que é preciso estudar as realidades e tomar medidas mais ajustadas às realidades políticas e económicas de cada caso", afirmou.
Carlos Nuno Castel-Branco lembra que "há um período inicial após a independência em que o Estado expropria o capital internacional a favor da recuperação de recursos e capacidades para o desenvolvimento do país e uma fase seguinte".
E, "12 anos mais tarde, a partir de 1987, este Estado passa a ser expropriado pelas forças emergentes candidatas a capitalistas nacionais que coincidentemente proveem deste movimento de libertação. E este processo de expropriação do Estado é contínuo", frisa.
Daí que, o processo "continua hoje numa outra escala, que é dos recursos naturais", onde "o Estado é o proprietário destes recursos naturais, da terra e está a abdicar disso a muito baixo custo para o capital nacional e internacional", refere académico, que a qualifica de "uma estratégia de expropriação do Estado para formar oligarquias financeiras nacionais".
"Portanto, o foco principal da política económica de Moçambique é formar oligarquias financeiras nacionais e é nessa perspetiva que as grandes decisões económicas de Moçambique são tomadas, inclusive as grandes decisões à volta dos recursos", afirma.
Aliás, nisso "está a conseguir fazer", acrescenta o Professor associado em Desenvolvimento Económico e Industrialização na Universidade Eduardo Mondlane.
Essa opção "não é má para estas oligarquias, nem é para os objetivos que estas oligarquias querem. É prejudicial para a maior da população de Moçambique e é prejudicial para o desenvolvimento de uma base alargada de produção, comércio e benefício", conclui Carlos Nuno Castel-Branco.