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Trégua na guerra comercial? China conserva controlos sobre terras raras

por Cristina Sambado - RTP
Operário numa mina de metais de terras raras em Nancheng, província de Jiangxi, na China Stringer via Reuters

Apesar de uma trégua de 90 dias na guerra comercial com os Estados Unidos, a China parece manter um controlo apertado sobre as suas exportações de terras raras - preservando uma fonte fundamental de influência em futuras negociações, num contexto de intensificação da rivalidade estratégica com Washington.

A China comprometeu-se a suspender ou eliminar as medidas “não pautais” que impôs aos Estados Unidos desde 2 de abril, o que deixou as empresas na expectativa de saber se essa promessa se aplica aos controlos das exportações chinesas de sete minerais de terras raras e produtos associados, impostos a 4 de abril como parte da retaliação contra as tarifas “recíprocas” impostas pelo presidente Donald Trump aos produtos chineses.Os ímanes fabricados com estes elementos pesados de terras raras são uma parte essencial de tudo, desde iPhones e veículos elétricos a armas de grande porte, como os caças F-35 e os sistemas de mísseis. No entanto, o seu fornecimento é totalmente dominado pela China.

O representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, que participou, na passada semana, nas conversações comerciais em Genebra, tentou aliviar as preocupações em torno desta potencial vulnerabilidade.

“Sim, os chineses concordaram em remover essas contramedidas”, afirmou Jamieson Greer. "Se não o fizerem, voltaremos a uma situação diferente. Mas espero que eles as removam", afirmou em entrevista à Fox News.

No entanto, há poucos sinais que sugiram que a China esteja a remover o seu regime de controlo das exportações de terras raras recentemente imposto. Segundo a estação norte-americana CNN, que cita especialistas da indústria, “as autoridades chinesas parecem estar a reforçar a implementação e a aumentar a supervisão”.O presidente chinês Xi Jinping, também secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista da China e presidente da Comissão Militar Central, tomou conhecimento do processo de produção e do funcionamento da JL MAG Rare-Earth Co. Ltd., bem como o desenvolvimento da indústria de terras raras na cidade de Ganzhou, na província de Jiangxi, no leste da China, a 20 de maio de 2019.

O sistema, introduzido em abril, não proíbe totalmente as exportações, mas exige a aprovação do governo para cada remessa. Isso causou atrasos de semanas à medida que as empresas navegavam no novo regime, alimentando temores entre uma ampla gama de indústrias americanas, do automóvel à defesa.

“Não ficaria chocado se descobrisse que Jamieson Greer está a expressar o que espera que aconteça em vez do que foi realmente negociado”, frisou à CNN Jon Hykawy, presidente da empresa de consultoria industrial Stormcrow Capital, com sede em Toronto.

“Estes controlos destinam-se (...) a garantir que a China não fique sem alguns materiais que são necessários para as prioridades internas chinesas”, acrescentou Hykawy.

Já Gracelin Baskaran, diretora do Programa de Segurança de Minerais Críticos do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), explicou que o regime de licenças de exportação da China “veio para ficar” e “pode ficar por muito tempo”, permitindo a Pequim manter a sua influência em futuras negociações comerciais com os EUA.


“Se os EUA derem meia volta e renegarem a sua política tarifária, a China pode facilmente reter as licenças necessárias”, afirmou Gracelin Baskaran, acrescentando que “a política de licenças é dinâmica por definição, dando a Pequim o poder de decidir quais as empresas ou países que podem aceder aos seus minerais e ímanes de terras raras em qualquer altura”.
Novas licenças de exportação
Na sequência das conversações de Genebra, o Ministério do Comércio da China retirou 28 empresas americanas da sua lista de controlo das exportações de dupla utilização e retirou 17 empresas americanas de outra lista de comércio e investimento. Mas o Ministério não mencionou quaisquer alterações ao controlo das exportações de minerais de terras raras e ímanes.

Uma porta-voz do Ministério disse que “não tinha informações para partilhar” sobre se a China estava a levantar os controlos de exportação numa conferência de imprensa regular na passada sexta-feira passada.

Em vez disso, as autoridades chinesas lançaram uma ação repressiva contra o contrabando de minerais estratégicos - uma categoria mais vasta de recursos que inclui os elementos de terras raras. A 12 de maio, no dia em que os EUA e a China anunciaram a redução dos direitos aduaneiros, as autoridades chinesas responsáveis pelas exportações convocaram uma reunião com as autoridades de várias províncias ricas em minerais com o objetivo de “impedir a saída ilegal de minerais estratégicos” e “reforçar a supervisão em todos os elos da cadeia de produção e de abastecimento”.

No mesmo dia, a Yuyuan Tantian, uma conta de uma rede social afiliada à emissora estatal CCTV, afirmou numa publicação nas redes sociais que “os controlos das exportações de terras raras da China continuam”.

Entretanto, após semanas de atraso, a China começou a emitir licenças de exportação para ímanes de terras raras - um desenvolvimento que, segundo os especialistas, mostra que o novo sistema de licenciamento está a funcionar e não que as restrições estão a ser atenuadas.

As autorizações são concedidas ao abrigo da regra “um lote, uma licença”, o que significa que é necessária uma nova autorização para cada remessa e não pode ser reutilizada, segundo as empresas.Dois produtores chineses de ímanes de terras raras disseram à CNN que tinham recebido recentemente licenças para exportar produtos que contêm disprósio e térbio - elementos que são frequentemente adicionados para criar maior resistência ao calor em ímanes de alto desempenho habitualmente utilizados nas indústrias automóvel, aeroespacial e militar.

Uma das empresas recebeu a primeira licença de exportação para um carregamento destinado ao Sudeste Asiático. Desde então, foram-lhe concedidas várias outras licenças de exportação para a Europa, incluindo o fabricante de automóveis Volkswagen na Alemanha.

“Não recebemos qualquer indicação de que o sistema (de controlo das exportações) esteja a ser facilitado”, revelou uma pessoa próxima da empresa.

Em comunicado, a Volkswagen garantiu que os seus fornecedores receberam indicações de que “foi concedido um número limitado de licenças de exportação”.
Incógnita sobre empresas de defesa
Gracelin Baskaran, do CSIS, considerou que, em vez de levantar o controlo das exportações de terras raras, Pequim retirou 28 empresas norte-americanas da sua lista de controlo das exportações.

Isso significa que essas empresas, na sua maioria aeroespaciais e de defesa, já não estão proibidas de aceder a materiais de dupla utilização provenientes da China e que os seus fornecedores chineses podem agora solicitar licenças de exportação para ímanes de terras raras.

Mas ainda não se sabe se Pequim acabará por conceder licenças a empresas de defesa americanas.

Os controlos de exportação de terras raras da China foram “especificamente concebidos para atingir a indústria de defesa dos EUA, e não consigo imaginar a China a recuar”, disse Thomas Kruemmer, diretor da empresa de cadeia de fornecimento de minerais e metais Ginger International Trade and Investment, com sede em Singapura.De acordo com as novas regras, os exportadores devem incluir informações sobre os utilizadores finais nos seus pedidos, que demoram até 45 dias úteis a serem aprovados.

“Estou certo de que, no caso dos contratantes do sector da defesa, o Ministério chinês do Comércio levantará questões incómodas, às quais os americanos poderão não estar dispostos a responder ou poderão necessitar da autorização do Pentágono para responder”, acrescentou Thomas Kruemmer.

Segundo o responsável da Ginger International Trade and Investment, "desta forma, podem atrasar convenientemente a emissão de licenças de exportação de produtos de dupla utilização para além do prazo de 45 dias estabelecido, talvez mesmo para além desta janela de 90 dias (tréguas). E ainda tem a opção de rejeitar os pedidos de licença de qualquer forma".

As regras de licenciamento também podem dar à China visibilidade sobre o destino dos ímanes de terras raras.

"Ainda se pode obter o material, mas é preciso preencher a papelada, descrever à China quem é o utilizador final. Vai dar toda esta informação e depois (a China) pode ver a sua base de clientes a jusante, utilizá-la e procurar outras vulnerabilidades", explicou James Kennedy, presidente da Three Consulting, uma empresa de consultoria em terras raras sediada em St Louis, Missouri.

"Portanto, é muito inteligente. Eles têm uma visão do que estamos a fazer".
“Arma geopolítica”

Há décadas que os EUA e outros países dependem do fornecimento à China de minerais de terras raras, cuja extração e transformação são difíceis, dispendiosas e poluentes do ponto de vista ambiental.
A China é responsável por 61 por cento da produção mundial de terras raras extraídas, mas o seu controlo sobre a fase de transformação é muito mais elevado, com 92 por cento da produção mundial, de acordo com a Agência Internacional da Energia.


Os controlos das exportações de abril estão longe de ser a primeira vez que Pequim exerce o seu domínio no sector. Em 2010, a China suspendeu os envios de terras raras para o Japão durante quase dois meses devido a uma disputa territorial. No final de 2023, impôs uma proibição das tecnologias de extração e separação de terras raras.

Pequim também restringiu as exportações de outros minerais críticos que são vitais para a economia e para as cadeias de abastecimento globais - incluindo a proibição total de envio de gálio, germânio, antimónio e os chamados materiais superduros para os EUA.

“O controlo da China sobre as terras raras, o cobalto, o gálio e todos estes materiais críticos é uma arma geopolítica de efeito nunca antes medido e visto”, realçou James Kennedy. "E, no final do dia, o que isto faz é criar muita incerteza. E isso, por si só, é uma arma poderosa".

Segundo a diretora do Programa de Segurança de Minerais Críticos do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, “ao conceder algumas das suas primeiras licenças de exportação de ímanes de terras raras à Volkswagen, a China está a enviar uma mensagem geopolítica incisiva”.

"A Alemanha está no auge do fogo cruzado geopolítico. Os Estados Unidos não estão satisfeitos com o facto de a Alemanha ser abertamente muito amiga da China. Por isso, ao conceder-lhe uma das primeiras licenças, a China está a enviar um sinal muito positivo na relação sino-alemã", acrescentou

A diretora do CSIS considera ainda que, “nesta era de tensão crescente entre as duas superpotências geopolíticas mundiais, o sistema de licenças pode manter-se como uma forma de poder mais alargada”.
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