Zefanias sonha em alto mar com gás explorado a 100% por moçambicanos
Nas águas da bacia do Rovuma, a 2.500 quilómetros de casa, Zefanias trabalha na primeira plataforma de gás natural liquefeito de um país independente há meio século, alimentado pelo sonho de ver as abundantes reservas exploradas a 100% por moçambicanos.
"Cinquenta anos de independência não é pouco tempo, eu reconheço que há desafios (...). Mas com a maior inclusão de moçambicanos nestes primeiros projetos iniciais, é possível que num futuro não tão longínquo termos uma industria 100% moçambicana", diz à Lusa o moçambicano Zefanias Manhiça, engenheiro químico na plataforma Coral Sul, uma unidade flutuante de processamento, armazenamento e descarga de gás natural liquefeito a mais de 60 quilómetros da costa de Cabo Delgado, no norte do país.
Zefanias Manhiça, 32 anos, natural de Maputo, no extremo sul, trabalha naquela plataforma flutuante operada pela Mozambique Rovuma Venture (MRV) - consórcio detido pela Eni, que também a opera, pela ExxonMobil e China National Petroleum Corporation (CNPC) -, que tem uma participação de 70% no Contrato de Concessão para Pesquisa e Produção da Área 4.
Entre os poucos moçambicanos formados em engenharia química, Zefanias trabalha na primeira instalação flutuante do género no continente africano, com uma capacidade de liquefação de gás de 3,4 milhões de toneladas por ano (mtpa) e a previsão de colocar em produção 450 mil milhões de metros cúbicos de gás daquele reservatório, localizado na Bacia do Rovuma, que tem das maiores reservas de gás do mundo em águas ultraprofundas.
Longe da família, normalmente, Zefanias, responsável pelo sistema de produção que está no fundo do oceano, possa 28 dias por mês a trabalhar em alto mar. Admite que é difícil, mas o sonho de ver mais moçambicanos na indústria, ainda embrionária no país, perto de comemorar 50 anos de independência, conforta-o.
"Muita coisa acontece [em casa] enquanto eu estou aqui (...). Mas precisamos arriscar em novas áreas como estas. É preciso coragem", explica Zefanias.
O jovem moçambicano foi contratado para trabalhar na plataforma operada pela multinacional Eni - que já prepara a instalação de uma segunda, a Coral Norte, aprovada pelo Governo e com capacidade de 3,55 mtpa - através de um programa de estágio, após ser formado em engenharia química pela Universidade de Petronas, na Malásia.
"É verdade que o aprendizado é contínuo, mas nós aqui já estamos a produzir. Estamos a organizar-nos para os próximos projetos, de tal forma que um dia sejam 100% moçambicanos ", declara Zefanias.
Como Zefanias, há centenas de moçambicanos, maioritariamente jovens, na plataforma instalada em águas profundas do Rovuma.
"Temos mais de 300 moçambicanos que estão atentos ao desenvolvimento do projeto. Queremos adquirir conhecimento (...). A nossa empresa tem imposto treinamentos básicos e avançados para aquilo que é o desenvolvimento pessoal dos trabalhadores, com vista a deixar estes projetos nas mãos de moçambicanos", explica à Lusa Boaventura Jaime, engenheiro de higiene a segurança na mesma plataforma, desde 2020.
Apesar dos desafios de quem passa semanas em alto mar, longe de casa, promete não desistir, sobretudo porque sonha também em ver a indústria um dia dominada por moçambicanos: "O meu sonho é tornar-me uma referência nesta indústria e espero que em alguns anos eu consiga tornar-me um gestor na plataforma".
Só com o projeto da Coral sul, Moçambique arrecadou 206 milhões de dólares (183 milhões de euros), naquele que é primeiro projeto Gás Natural Liquefeito em águas ultraprofundas daquela bacia.
"Cinquenta anos de independência é uma conquista enorme e só estando aqui, tendo esta infraestrutura, são notáveis as conquistas que têm sido feitas de tempo em tempo. Naturalmente, vamos ganhando experiências, vamos descobrindo mais recursos e colocando jovens a formarem-se nesta área porque estamos a descobrir hidrocarbonetos não só aqui, mas em outras partes do país", disse à Lusa o ministro da Administração Estatal e Função Pública, porta-voz do Governo, Inocêncio Impissa.
Moçambique tem três projetos de desenvolvimento aprovados para exploração das reservas de gás natural da bacia do Rovuma, classificadas entre as maiores do mundo, ao largo da costa de Cabo Delgado, além do operado pela Eni, casos da Mozambique LNG (Área 1), operado pela TotalEnergies, até 43 mtpa, e Rovuma LNG (Área 4), operado pela ExxonMobil, com 18 mtpa.
Em 2024, um estudo da consultora Deloitte concluiu que as reservas de GNL de Moçambique representam receitas potenciais de 100 mil milhões de dólares (96,2 mil milhões de euros), destacando a importância internacional do país na transição energética.
Só este ano, ainda sem a entrada em funcionamento das restantes operações, a produção moçambicana estimada de gás é de 5,4 mil milhões de metros cúbicos, o sexto maior produtor em África.