Pacto entre Passos e Portas vai aos alicerces do Estado

por RTP
Pedro Passos Coelho e Paulo Portas no momento da assinatura do acordo político intitulado "Maioria para a Mudança" Miguel A. Lopes, Lusa

Reformar os sistemas político e judicial do país, a par dos seus “órgãos de regulação”, é a tarefa que PSD e CDS-PP vão inscrever num projeto comum de revisão constitucional. O compromisso, que abrange também a “limitação do endividamento público”, está consagrado no acordo político assinado esta quinta-feira por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Mas a primeira das missões é mesmo “resolver a grave situação financeira”.

É no capítulo da “colaboração no plano parlamentar” que as lideranças dos social-democratas e dos democratas-cristãos se comprometem a “apresentar, em termos e prazos a definir, um projeto conjunto de revisão constitucional”, embora “sem prejuízo da existência de anteprojetos próprios”. No acordo político intitulado “Maioria para a Mudança”, agora selado pelas chancelas de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, lê-se que o projeto de revisão da Lei Fundamental deverá dar “especial atenção” aos “temas relacionados com a reforma do sistema político, do sistema judicial e dos órgãos de regulação, bem como, ainda, a problemática da limitação do endividamento público”.
“Mais resultados do que palavras”

Após a assinatura do acordo político, coube a Paulo Portas fazer a primeira declaração. Sem direito a perguntas dos jornalistas, tal como aconteceria, depois, com Pedro Passos Coelho.

O presidente do CDS-PP escolheu as palavras “coragem, mudança e moderação” para descrever o entendimento firmado com os social-democratas.

Elegendo a economia como uma “questão central”, Portas fez a defesa de “uma mudança com ética social” em “tempos difíceis e de austeridade”. E disse ser também necessário empreender uma mudança nos “princípios essenciais”, destacando o “trabalho, mérito, esforço, brio e iniciativa”.

O Governo de coligação, disse o líder do CDS-PP, terá cumprido o seu “dever” se conseguir que “esta tenha sido a última vez que uma nação tão antiga e com uma história tão grande tenha sido sujeita a este pedido de ajuda externa”.

Por sua vez, Passos Coelho garantiu que o seu Executivo nunca usará o que herdou “como uma desculpa”: “Daremos, por uma vez, um bom exemplo de poupar ao país durante meses o exercício de evocar a circunstância que herdámos. O país conhece-a e conhece-a suficientemente bem para não ter tido nenhuma dúvida quanto à necessidade de mudar e de mudar profundamente”.

No que toca ao resgate financeiro, o primeiro-ministro indigitado prometeu diligência no cumprimento das contrapartidas negociadas com a troika do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu.

“Mas, como tenho dito, precisaremos de surpreender, apostando na transparência, apostando na abertura total do país a uma economia que é global e, ao mesmo tempo, apresentando mais resultados do que palavras”, enfatizou Pedro Passos Coelho, para alertar que o país vai “viver com grandes dificuldades nos próximos anos”.

A componente política do entendimento entre PSD e CDS-PP define, à partida, um conjunto alargado de regras para a coabitação das duas forças partidárias em sede parlamentar.

Para acautelar “a coerência e o projeto político que o Governo de coligação corporiza”, os partidos comprometem-se a “acordar previamente e votar solidariamente” o programa do Governo, moções de confiança ou de censura, orçamentos, grandes opções do plano e “iniciativas de suporte ao Programa de Estabilidade e Crescimento”, medidas relativas aos “entendimentos celebrados com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional”, propostas de lei com génese no Governo, “atos parlamentares que requeiram maioria absoluta ou qualificada” – caso da revisão constitucional -, propostas de referendo e “eleições dos órgãos internos da Assembleia da República.

A exceção vai para as eleições “do Presidente da Assembleia, em que os partidos têm compromissos prévios, ou dos órgãos a ela externos em que deva fazer representar-se”.

O documento sublinha que a lista é apenas “exemplificativa”, dado que “a concertação entre ambos os partidos” deve “estender-se a outras matérias ou questões, sempre que tal for considerado conveniente, após consultas prévias entre as direções dos respetivos Grupos Parlamentares”.

Para além de “garantir a informação e consulta prévias em todas as iniciativas legislativas”, o PSD e o CDS-PP comprometem-se ainda a “abster-se de apresentar qualquer iniciativa parlamentar que colida com a atividade do Governo”.

Já no domínio da “colaboração política extraparlamentar”, prevê-se, “no respeito pela identidade própria de cada partido, a cooperação e a mobilização das respetivas estruturas e responsáveis, em todos os escalões da sua organização interna”.

Assim como “a troca de informações e a consulta mútua no que respeita a atos eleitorais que venham a ocorrer no decurso da vigência” do acordo político. O que abarca as eleições autárquicas de 2013.

“Projeto político de legislatura”

“Governar de forma diferente” e “melhor” é aquilo que os signatários do acordo político se propõem fazer “pelo período da XII Legislatura da Assembleia da República”. Para tal, lê-se no preâmbulo, “é indispensável delinear uma solução política que não se traduza num mero arranjo de conveniência, preocupado apenas com a ocupação de lugares no poder”. Essa solução política deve, antes, traduzir “um projeto coerente para mudar Portugal” e colocar o país “numa rota de convergência com os nossos parceiros europeus, de cooperação estreita com os Países de Língua Oficial Portuguesa e de renovado prestígio na comunidade internacional”.

A abrir o primeiro capítulo, dedicado à “formação e orientação programática do Governo”, os dois partidos aludem à “absoluta necessidade de dotar Portugal de um Governo maioritário de coligação” como “condição primeira para fazer sair o País da crise atual e para criar as condições indispensáveis ao cumprimento dos compromissos estabelecidos com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional”.

“Embora sustentado no apoio parlamentar dos dois partidos subscritores, o Governo terá a preocupação de alargar a sua base de apoio, para isso estabelecendo o indispensável diálogo com personalidades, organizações e instituições da sociedade civil, que se revejam no propósito de mudança que aquele visa protagonizar”, estabelece o acordo político.

Para criar “condições de confiança”, quer “junto dos portugueses”, quer junto dos “parceiros internacionais”, impõe-se, segundo o texto, que o país “tenha um Governo de legislatura”. Como tal, PSD e CDS-PP “comprometem-se, através das respetivas direções políticas e dos seus órgãos próprios, a empreender todos os esforços com vista a garantir a estabilidade e a continuidade desse Governo”.

Resposta a “grave situação financeira”
“Gerir e resolver a grave situação financeira” do país, “assumindo os custos e as condicionantes”, é o primeiro dos objetivos enunciados no acordo político “Maioria para a Mudança”. PSD e CDS-PP comprometem-se, desde já, a pôr em marcha um Plano de Estabilização Financeira e um Plano de Emergência Social “que proteja os mais vulneráveis”. Também no curto prazo, comprometem-se “com o cumprimento dos termos do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras acordado entre o Governo Português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional”.

Entre os objetivos inscritos no primeiro capítulo do documento estão ainda a aceleração da retoma da economia e da “geração de emprego” e “garantir o Estado Social através da criação de condições para a sua sustentabilidade económica, financeira e inter-geracional, evitando a exclusão social, assegurando uma mais justa repartição dos sacrifícios, mediante uma ética social na austeridade que proteja em particular os grupos mais frágeis da sociedade, nomeadamente os pensionistas com pensões mais degradadas”.

É igualmente assumido o compromisso de “travar e reduzir o endividamento do Estado e diminuir a sua despesa”. O que passará pela “redução de estruturas e dirigentes em todos os níveis do Estado e seu setor empresarial”. A que se soma “o reforço da independência e da autoridade do Estado, garantindo a não partidarização das estruturas e empresas da Administração e assegurando uma cultura de mérito, excelência e rigor em todas, com enfoque na qualidade dos serviços prestados ao cidadão”.

Adiante, as lideranças do PSD e do CDS-PP definem como missões a levar por diante “aumentar a poupança, reduzir o endividamento externo, exportar mais e melhor e depender menos das importações, através de políticas adequadas de ajustamento macroeconómico e reforçando a inovação, o empreendedorismo, a ação externa coerente e uma nova política energética”. “Acreditamos no papel insubstituível da iniciativa privada, pelo que daremos atenção especial às PME e adotaremos políticas que contribuam para o aumento da sua produtividade e competitividade”, declaram os partidos.

“Remover bloqueios e constrangimentos à recuperação económica” é, na letra do acordo político, uma meta que dependerá das reformas “da concorrência e dos respetivos reguladores”, do mercado de trabalho, do mercado de arrendamento, do sistema fiscal, “valorizando nomeadamente o trabalho, a família e a poupança” e da Segurança Social, “garantindo a sua sustentabilidade, a solidariedade inter-geracional e a progressiva liberdade de escolha”. O Governo de coligação, estatui ainda o documento, “defenderá a humanização da prestação de cuidados de saúde e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”.

Por conhecer ficam, para já, as disposições do “Acordo relativo à Bases Programáticas do Governo de Coligação”. Pedro Passos Coelho explicou que a divulgação não acontecerá antes da constituição do Executivo. O texto do acordo programático servirá de base ao programa que o Executivo irá submeter ao Parlamento.
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