Marine Presidente. O que acontece se Le Pen chegar ao Eliseu?

Este domingo, os franceses escolhem quem sucede a François Hollande no Eliseu. A extrema-direita está de regresso a uma segunda volta e promete ter um resultado bem mais expressivo do que em 2002, apesar de ser pouco provável que consiga vencer. Feitas as promessas e passados meses de campanha, olhamos para o que significaria a vitória de Marine Le Pen.

Domingo, 7 de maio de 2017. São 19h00 em Lisboa e as televisões francesas anunciam o que parecia anteriormente impensável. Nos ecrãs, junto à imagem do Palácio do Eliseu, surge Marine Le Pen, a face francesa da extrema-direita, a herdeira política daquele que é o seu próprio pai biológico, Jean-Marie Le Pen.

A notícia provoca estrondo, cria surpresa e causa apreensão nos diretórios europeus e um pouco por todo o globo. Depois da vitória do Brexit e da chegada de Donald Trump à Casa Branca, o populismo nacionalista conquista a terceira vitória e aquela que, por inerência do próprio sistema político e do lugar que a França ocupa no quadro europeu e global, mais consequências promete ter.

Afinal, o programa de Marine Le Pen apresenta propostas que configuram verdadeiras revoluções para os franceses e para a Europa, a começar pela saída do euro e uma profunda redução do projeto comunitária sob ameaça de Paris abandonar o mesmo.

A chegada de Marine Le Pen é a pedrada final na União Europeia que conhecemos hoje. Um ataque que, ao contrário do Brexit, parte diretamente de um dos dois motores do automóvel europeu.

Nos 144 compromissos presidenciais que assume, Marine Le Pen promete uma “verdadeira revolução de proximidade” com o objetivo de “devolver a liberdade à França e a voz ao povo”. A seu tempo, com Le Pen no Eliseu, nada promete ser como antes. Em França mas não só.


A Europa com Marine
Tem sido o principal cavalo de batalha da extrema-direita europeia, em especial da Frente Nacional. Marine Le Pen defende a saída da França da União Europeia. Apesar de alguma moderação no discurso – e de algumas confusões – é certo que Le Pen quer ver França fora da União Europeia como a conhecemos hoje.

No seu projeto, Le Pen pretende que Paris volte a ter competência exclusiva em quatro grandes áreas: moeda própria, competência legislativa (primado da lei francesa sobre a diretiva europeia), controlo das fronteiras e política económica.

Na entrevista à TF1 de terça-feira, a candidata garantiu que não quer o “caos” e que tudo será feito através de negociações e não de forma bruta. As negociações deverão começar com a chegada de Marine Le Pen ao Eliseu mas não é credível que cheguem a bom porto, atacando fortemente a própria génese do projeto europeu.

Com ou sem acordo, Marine Le Pen promete seguir para um referendo: perguntar aos franceses se querem ou não ficar na União Europeia – ou naquilo que resta dela depois das negociações que encadeou com os 26.

Marine Le Pen admite até defender o sim no referendo, caso consiga uma União Europeia à sua imagem. “Vou negociar, vou ganhar esta negociação e, se ganhar, vou dizer aos franceses que devemos porque é a Europa que eles querem”, explicou a candidata.

Mas é preciso ser claro: para Le Pen defender a manutenção, a Europa já não seria o projeto que hoje conhecemos. A candidata de extrema-direita chama-a “Aliança Europeia das Nações Livres e Soberanas”.

A rejeição de Le Pen à União Europeia não está só presente nos capítulos dedicados a esse tema. Esta presente um pouco por todo o programa, com várias medidas que são incompatíveis com o atual quadro comunitário.

Com a atual Europa, Le Pen não pode rejeitar a união bancária, não pode favorecer o consumo de produtos franceses, não pode regressar a uma moeda única e não pode retomar o controlo das fronteiras. Em março, a própria disse que 70 por cento do seu programa exigia a saída da União Europeia.


Um país com duas moedas?
O euro é o outro lado do antieuropeísmo de Marine Le Pen e aquele que mais confusão tem gerado nos últimos tempos. A candidata da Frente Nacional defende há vários anos que a França deve sair da moeda única e voltar a produzir moeda própria. Mas, durante a campanha, fez referência à possibilidade de existirem duas moedas.

A proposta tornou-se mais clara na entrevista dada à TF1 de quarta-feira. Marine Le Pen defendeu que os franceses devem ter uma moeda própria, controlada pelas autoridades gaulesas. Será esta a moeda utilizada no país, caso seja eleita e a sua vontade seja cumprida e aceite pelos franceses em referendo.

Para além deste “novo franco”, Le Pen pretende que haja uma moeda europeia para as trocas entre Estados-membros, que seria fundamentalmente usadas pelos Estados, banco centrais e multinacionais.


Fronteiras, imigração, terrorismo
É uma das primeiras medidas que Le Pen quer implementar: suspender a aplicação do acordo de Schengen e retomar o controlo das fronteiras francesas. A iniciativa passa ainda pelo recrutamento de seis mil agentes alfandegários. A candidata pretende assim combater o terrorismo e controlar a imigração ilegal.

Le Pen pretende permitir apenas um saldo migratório de dez mil pessoas por ano – dados oficiais estimam que tenha sido de 67 mil em 2016. A candidata fecha ainda a porta à regularização de imigrantes ilegais, pretendendo facilitar a sua expulsão. Le Pen pretende acabar com o direito de solo – direito concedido a quem nasce em França de obter a nacionalidade francesa.

A candidata cavalga no tema da ameaça terrorista. Marine pretende expulsar todos os estrangeiros que estão a ser investigados por terrorismo – os chamados ficheiros “S”. Uma medida com que a candidata fala de forma simples mas que não assim tão acessível.

Afinal, há milhares de pessoas sob investigação. Desses, uma boa parte tem nacionalidade francesa, não podendo ser expulsa. Mesmo nos restantes é preciso ter em conta o que é o ficheiro “S”. O jornal Le Monde recorda que estas são pessoas que estão a ser investigadas ou vigiadas por suspeitas de ataque à segurança do Estado. É um instrumento de alerta para as autoridades, não significando que os envolvidos sejam culpados.

No combate ao terrorismo, Marine pretende ainda encerrar todas as mesquitas que sejam consideradas extremistas e possibilitar a retirada da nacionalidade francesa aos binacionais que estejam ligados a grupos jihadistas.

No Eliseu, Marine Le Pen pretende avançar com o recrutamento de 15 mil polícias e criar 40 mil lugares nas cadeias francesas. A candidata da Frente Nacional aposta na “tolerância zero” com o que considera ser as “leis penais laxistas” aprovadas pelo Governo de François Hollande. Le Pen pretende ainda restabelecer a “expulsão automática dos criminosos e delinquentes estrangeiros”.


Reforma das instituições
Eleita Presidente, Marine Le Pen quer avançar para a reforma das instituições francesas. A Frente Nacional opta por uma revisão constitucional, que deverá ser aprovada em referendo a realizar já em setembro.

Esta mudança pretende precisamente aumentar o recurso a referendos, criando um “verdadeiro referendo de iniciativa popular”. Mediante 500 mil assinaturas, será possível aos cidadãos franceses apresentarem uma questão a consulta popular.

Le Pen aposta ainda na redução do número de deputados para quase metade, passando dos atuais 577 para 300. Também o número de senadores é fortemente reduzido: de 348 para 200. O método eleitoral também é alterado, passando a aplicar-se um método proporcional em todas as eleições.

Atualmente, os deputados são eleitos em círculos pequenos, em que cada círculo só elege um deputado numa votação a duas voltas. Este método tem penalizado a Frente Nacional. Nas legislativas de 2012, o partido de extrema-direita obteve 13,6 por cento dos votos na primeira volta mas elegeu apenas dois deputados (0,3 por cento dos deputados).

A revisão constitucional passa ainda pela inclusão do princípio da “prioridade nacional” e do primado das leis francesas sobre as diretivas europeias.


Economia e Finanças
A França de Marine Le Pen promete um grande alívio fiscal para os cidadãos e empresas francesas. De tal forma grande que muito duvidam que seja sequer aplicável. Le Monde fala em pelo menos 90 mil milhões de euros para as reduções de impostos e aumento das prestações sociais e despesas públicas que a candidata promete.

Entre as propostas contam-se a redução da idade de reforma de 62 para 60 anos, a redução do IRS para os primeiros escalões, redução da taxa de habitação e aumento das ajudas ao alojamento. Prevê-se ainda a redução do imposto sobre as empresas e a eliminação da carga fiscal sobre as horas de trabalho suplementar.

Marine Le Pen pretende ainda atribuir um subsídio para valorizar o poder de compra de quem menos ganha, que pretende ver financiada com uma taxa sobre as importações. Para contrabalançar o aumento de gastos, Marine conta com a taxa sobre as importações, a taxa sobre os assalariados estrangeiros, poupanças nos ministérios e no efeito que acredita que a melhoria das condições de vida dos franceses terá no crescimento da economia.


Sociedade

Le Pen assume uma posição conservadora no que diz respeito a sociedade francesa. A candidata da Frente Nacional pretende acabar com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, permitindo uma união de facto melhorada. Com Le Pen no Eliseu, fecha-se a porta à discussão da eutanásia, bem como à legalização do canábis.

Marine Le Pen abre a porta a uma política de incentivo à natalidade mas apenas reservada aos franceses. Nas escolas, Le Pen quer proibir o porte do véu nas universidades e instituir o uso do uniforme nas escolas.

A missão da candidata é ainda reverter as reformas escolares dos últimos anos, privilegiar o ensino da língua francesa nos primeiros anos, pretendendo que 50 por cento do tempo letivo lhe seja dedicado.