Cotrim Figueiredo fala em corrupção na Saúde, Jorge Pinto quer "mobilizar sociedade" para salvar SNS

Os dois candidatos a Belém estiveram em debate na RTP mostraram estar em lados opostos quanto ao papel do presidente da República e sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Inês Moreira Santos, Andreia Martins - RTP /
Foto: Pedro A. Pina - RTP

João Cotrim Figueiredo voltou a assinalar os vários casos de corrupção no SNS, enquanto Jorge Pinto quer "mobilizar a sociedade" para salvar a "mais bela das conquistas da democracia".

A primeira intervenção coube a Jorge Pinto, que não confirmou a declaração de que desistia da corrida a Belém se houvesse um candidato de esquerda na segunda volta das eleições.

“Venho para fazer diferente. Venho para dizer aos portugueses (…) que há uma candidatura nova, que é menos do mesmo, que há novos agentes políticos na vida política portuguesa”, começou por dizer o candidato apresentado pelo Livre. “Quero muito ser a voz da minha geração”.

O candidato, de 38 anos, promete "uma maneira diferente de fazer política, uma maneira diferente de estar na política”.

As primeiras palavras de João Cotrim de Figueiro, no debate na RTP, foram em resposta à questão sobre alegados apoiantes de Luís Marques Mendes o terem abordado para que não avançasse com a candidatura. Assunto que o candidato pelo IL diz estar resolvido.

“Era importante para mim que deixasse de haver aqueles contactos, aquelas tentativas de intimidar uma candidatura que apareceu e está a correr bem”
, afirmou, garantindo que esse "objetivo foi cumprido".
SNS está "corrupto"
Com a Saúde a abrir os temas do debate,Cotrim de Figueiredo foi questionado sobre declarações, que fez este fim de semana, sobre o Serviço Nacional de Saúde estar "corrupto".

“Quero dizer corrupção”, começou, explicando: “Corrupção não é só corrupção legal. (…) Há a corrupção moral, há a corrupção técnica, no sentido de coisas que se deterioram ao ponto de se tornarem perversas”.

No caso da corrupção legal, o candidato liberal referiu o caso das funcionárias em Cortegaça que inscreveram milhares de imigrantes “a troco de benefício próprio”. Corrupção moral, exemplificou o caso de médicos que “se aproveitam de incentivos que são perversos”. E à corrupção técnica ou “de desleixo”, quando “uma médica receita” medicamentos antidiabéticos para emagrecimento e lesando o Estado.

“Isto foram três exemplos no espaço de dias”, disse. “A questão é: quantos mais casos destes haverá? E que sistema está montado que deixou passar estes casos, alguns durante anos, e que está a deixar passar outros?”.

E esclareceu: “Corrupção no sentido estrito do termo é algo que fica pervertido na sua essência e deixa de servir para aquilo que foi criado”.
"Mobilizar a sociedade" para salvar SNS "ameaçado"
Jorge Pinto, por sua vez, não concorda que haja corrupção no SNS.

“Não concordo, de todo”, afirmou, considerando que os exemplos que o opositor mencionou são “episódicos”.

Além disso, “qualquer organização – certamente uma organização com a dimensão e alcance do SNS – tem alguns problemas” e “vai sempre tê-los”.

“Aquilo que está em causa é a mais bela das conquistas da Democracia”, frisou e deu o próprio exemplo, quando foi tripulante de ambulâncias e transportou “dezenas de doentes de todas as origens”.

“Nunca lhes perguntei se eram ricos ou se eram pobres. Nunca a nenhum perguntei se tinha um seguro de saúde ou não. E soube sempre, que todos eles, iam ser igualmente bem atendidos”, disse. “É isto que é o nosso SNS. E é isto que está a ser ameaçado e é precisamente a isto que nós temos de saber dar as condições para que se mantenha e continue a ser o SNS que nós todos tivemos ao longo dos anos”.

Enquanto candidato a Belém, Jorge Pinto acredita que um presidente da República pode ser claro sobre o que quer para o Serviço Nacional de Saúde. Se o Governo não for capaz de resolver as questões, o candidato do Livre admite que podia convocar “Estados gerais da Saúde para que toda a sociedade civil”, para que os profissionais, os políticos e todos “possam discutir aprofundadamente aquilo que é o SNS e como vamos corrigir os seus problemas”.

Se for eleito, Jorge Pinto promete que não vai deixar de falar de como quer “mobilizar a sociedade e todos os intervenientes do SNS para que os problemas que tem sejam resolvidos”.

“E eu não acho que resolvamos os problemas dizendo que o SNS é corrupto”, argumentou, indicando que também não se resolveriam com as propostas do Iniciativa Liberal.
IL critica ideias de "intervencionismo" 
Pelo contrário, Cotrim de Figueiredo critica as soluções do opositor do Livre, principalmente no que toca à convocação dos “estados gerais”.

“Isso é um tipo de intervencionismo do presidente da República”, apontou, acrescentando que isso “diminui a oposição” que Jorge Pinto “diz querer proteger”.

“Não acho que seja sequer possível olhar para o SNS sem dizer: se é para conseguir manter um serviço público que trate efetivamente os problemas das pessoas, temos de reformular e tirar os incentivos perversos que hoje existem”, afirmou Cotrim Figueiredo.

Já Jorge Pinto repetiu que “temos de reconhecer os problemas”, com grande destaque para a falta de médicos de família. 

“O que quero é que [os problemas] sejam resolvidos. Não sendo, sim, convocaria uns estados gerais para que a sociedade, toda ela, se mobilizasse para responder àquele que é, possivelmente, o problema que diariamente mais afeta os portugueses", apontou Jorge Pinto. 
Visões diferentes nas questões climáticas

Sobre as questões climáticas, Jorge Pinto considera que esse é possivelmente “o principal desafio da nossa era” em paralelo com a “emergência da afirmação da nossa economia”. 

O candidato considerou a “transição ecológica é a melhor oportunidade de negócio para o nosso país” mas também para a Europa, assinalando a concorrência chinesa, nomeadamente no setor automóvel e nas energias renováveis. 

Já Cotrim Figueiredo considera que “deve prevalecer o bem-estar humano” e que o partido de Jorge Pinto é “pós-produtivista”, ou seja, privilegia a questão das alterações climáticas. Reconhece, ainda assim, o papel “muito importante” da transição energética. 

Notou, por outro lado, as “contradições” quando o adversário cita “os avanços dos chineses” quando Pequim é o principal poluidor do mundo e alcançou as suas conquistas industriais “Conquistas industriais à custa dos maiores crimes ambientais”.

Jorge Pinto respondeu que não consegue “separar o bem-estar humano” do “bem-estar do planeta” e lembrou que essa preocupação é relevante até porque Portugal será um dos países da Europa “mais afetado pelas alterações climáticas”. 
Greve geral e lei laboral

A respeito do pacote laboral atualmente em discussão e à greve geral entretanto convocada, João Cotrim de Figueiredo sublinhou que o recurso à greve é um direito legítimo quando os parceiros sociais não chegam a acordo com o Governo. 

No entanto, defende que a legislação laboral “é um passo em frente para que Portugal se adapte ao que vem aí”. O antigo líder da Iniciativa Liberal considera que o pacote laboral vai permitir “ajustamentos mais pequenos nas relações laborais que evitem que os problemas das empresas”, impedindo que cheguem a um ponto em que a solução é a de despedimentos coletivos. 

No entanto, reconhece que este não é “o pacote laboral perfeito” e que as negociações ainda poderão conduzir a uma solução melhor. 

Ainda neste campo, apontou ao Estado como um dos “prevaricadores” no campo de precariedade e assinalou que os salários “só sobem se houver boa criação de emprego, mais empresas a serem criadas, mais empresas a crescer e a vingarem”. 

“Se a legislação laboral contribuir para isso, eu creio que o faz, está a contribuir para o bem-estar dos trabalhadores”, apontou.

Por seu lado, o candidato que foi um dos fundadores do Livre considera que há “três grandes problemas” em Portugal relativos ao mercado de trabalho: é um dos países da UE com mais trabalhadores precários, continua a apresentar um grande fosso entre salários de homens e de mulheres e apresenta menores taxas de natalidade, fruto da falta de condições laborais. 

Considera que o pacote laboral em discussão “só piora” estas três vertentes. 

“Esta direita quer transformar Portugal no Bangladesh, mas aquele Bangladesh do qual os próprios Bangladeshis fogem”, afirmou Jorge Pinto. Considerou que esta legislação dá luz verde a contratos informais, longas horas de trabalho, facilita o despedimento e dificulta o direito à greve.
Responsabilidades de Marcelo?

Questionados sobre o papel do atual Presidente da República na ascensão da extrema-direita, Jorge Pinto aponta o dedo a Marcelo Rebelo de Sousa por ter convocado um ato eleitoral após a demissão de António Costa.

"Colocou-se numa má posição negocial ao afirmar que dissolveria a Assembleia da República em determinadas condições", argumentou. 

"Será certamente o grande legado de Marcelo Rebelo de Sousa. Não ter sabido colocar-se a ele próprio numa boa posição negocial", acrescentou ainda Jorge Pinto, assinalando ainda que os portugueses estão "cansados com a vida política" com as eleições realizadas ao longo dos últimos anos. 

Cotrim de Figueiredo acusou Jorge Pinto de "sectarismo", algo que garante que não será seu apanágio.

"Tenho recebido muitas missivas de eleitores do Livre que estão com a minha candidatura", afirmou, acrescentando ainda que não se importaria de contar com o "apoio dos passistas" nesta eleição, uma referência a uma declaração recente de Jorge Pinto. 

No final do debate, os dois candidatos foram questionados sobre a forma como lidam com derrotas. Jorge Pinto considerou que há grandes exemplos de líderes mundiais que só singraram depois de perder eleições.

"Se conseguimos fazer passar a nossa mensagem nunca somos derrotados, somos sempre vencedores independentemente dos resultados", defendeu, afirmando ainda assim que acredita num bom resultado eleitoral. 

Por fim, Cotrim de Figueiredo realçou que tem "uma longa vida para já ter ganho e perdido muitas vezes". Considerou que é importante retirar ensinamentos e aprendizagens de cada momento. 

"Lido muito bem com isso", resumiu. 
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