Médicos afastam ligação entre vacina e mortes de fetos
Os dois casos de morte fetal ocorridos três dias após as mães terem sido vacinadas contra a Gripe A H1N1 estão a ser encarados pelos médicos da especialidade como uma coincidência temporal. O presidente do Colégio de Obstetrícia da Ordem dos Médicos condiciona a explicação da morte ocorrida em Lisboa à autópsia, mas acredita que os casos são "circunstanciais".
A autópsia realizada ao feto de Portalegre aponta para alterações na circulação sanguínea que provocaram um quadro de anóxia aguda (privação de oxigénio). Um comunicado do Hospital de Portalegre, emitido no início da semana, sublinhava, no entanto, que se desconhecia "a causa que esteve na origem dessas alterações". Luís Graça, director do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria e presidente do Colégio de Obstetrícia da Ordem dos Médicos, salienta que ainda não há dados da autópsia para o segundo caso. Ainda assim sustenta que "não há qualquer tipo de razão para não recomendar a vacinação das grávidas".
"Temos muitas centenas de milhares de grávidas vacinadas em todo o Mundo com a mesma vacina que é usada em Portugal e em nenhum país do Mundo foi feita essa conotação", argumentou à Antena 1 o especialista, acrescentando que "as famílias e o país tiveram o azar de estes dois casos terem ocorrido com um intervalo de tempo muito curto". A "conotação entre uma coisa e outra", insistiu Luís Graça, "é meramente circunstancial".
À agência Lusa, o médico obstetra ressalvou que "resta saber, com a evolução do que vamos conhecer no dia-a-dia, se teremos eventualmente alguma conotação entre a situação da vacinação e a morte do feto".
Hospital aguarda resultados da autópsiaAo início da tarde, em conferência de imprensa, o director clínico do Hospital da CUF Descobertas descreveu os acontecimentos da passada segunda-feira, remetendo mais explicações para o momento em que forem conhecidos os resultados da autópsia.
"Deu entrada no Hospital da CUF Descobertas, na noite de 16 de Novembro, uma grávida de 33 semanas e um dia por referir diminuição dos movimento fetais. A grávida foi observada e foi confirmada a ausência de batimentos cardíacos no exame clínico e ecográfico", relatou Jorge Mineiro.
"Neste contexto, foram iniciadas as medidas protocoladas para a indução do parto, que ocorreu na noite de 17 para 18 de Novembro", prosseguiu o responsável, adiantando que a mulher se encontra "estável". O feto, indicou, "foi enviado para autópsia conforme o protocolo" e com o consentimento da mãe.
Os responsáveis clínicos do Hospital afirmaram ainda aguardar os resultados da autópsia, que deverão ser conhecidos "dentro dos próximos dias". Quanto a uma possível relação entre a administração da vacina contra a Gripe A e a morte do feto, a directora do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Conceição Telhado, ressalva que "não se pode inferir nem negar nada", limitando-se a confirmar que a grávida "fez a vacina no dia 12, às 10h00, não teve qualquer reacção nos dias imediatos, nem síndrome febril nem mialgias" e que "a única coisa que referiu foi, na sexta-feira, a diminuição dos movimentos fetais".
Só depois da autópsia e do estudo da placenta, disse Conceição Telhado, é que se poderá apurar a causa da morte: "A autópsia vai ver se há alguma causa, mas pode até não se descobrir".
"Terrível coincidência"
Em entrevista à RTPN, o presidente do Conselho de Administração da Maternidade Alfredo da Costa, Jorge Branco, lembrou o número mortes fetais tardias em Portugal para desvalorizar a hipótese de uma relação entre os casos dos últimos dias e a vacinação contra a Gripe A: "cerca de 300 fetos" por ano.
"No ano passado foram um pouco menos, entre 280 a 290 mortes fetais. Isto equivale à perda de 23 a 25 fetos por cada mês. Portanto, quase todos os dias perdemos um feto já com trinta e muitas semanas. É natural que, quanto maior for o número de grávidas vacinadas, provavelmente, maior será a coincidência entre a perda fetal e uma grávida vacinada", afirmou Jorge Branco.
Para o responsável, o país está confrontado com a "terrível coincidência" de "dois casos próximos precisamente três dias depois da vacina": "O que está determinado e o que está escrito a nível internacional é que não há nenhum caso de morte fetal relacionado com o uso da vacina".
"Coincidência temporal"
Na segunda-feira, o director-geral da Saúde não quis alargar-se em comentários sobre o caso de Portalegre. Francisco George recordou que os números dos últimos cinco anos referem as mortes de 280 a 340 fetos por ano após as 28 semanas de gestação, "quase sempre sem explicação clínica".
"Pode acontecer que uma situação desta natureza tenha uma coincidência temporal associada à vacinação, mas não tenha uma relação causal. Todos os especialistas admitem que o mesmo problema teria acontecido independentemente da vacina", afirmou.
A uma questão sobre a possibilidade de as autoridades portuguesas acompanharem a prática seguida em Espanha, onde a vacinação das grávidas é feita sem adjuvante, o director-geral da Saúde respondeu: "Temos a vacina com o adjuvante que sabemos não representar qualquer risco acrescido".
Os possíveis efeitos secundários da vacina, frisava então Francisco George, "são muito ligeiros", ao passo que o risco de complicações associadas à Gripe A é dez vezes mais agudo nas grávidas.