Polónia anuncia fim do fornecimento de armas à Ucrânia

por Cristina Sambado - RTP
O primeiro-ministro polaco esteve com o presidente ucraniano a 24 de fevereiro de 2023, um ano depois da invasão russa à Ucrânia Viacheslav Ratynskyi - Reuters

É uma mudança radical na política de Varsóvia em relação ao conflito em curso no leste da Europa. O fim do apoio militar a Kiev está a ser encarado como um ato de retaliação por parte do governo polaco, depois das críticas de Volodymyr Zelensky em relação à questão dos cereais.

A Polónia boicotou a importação de cereais vindos da Ucrânia, para proteger os interesses dos agricultores polacos. Uma decisão contestada pelo presidente ucraniano, que nas Nações Unidas, sugeriu que a solidariedade de alguns países europeus é apenas teatro político, e que, em relação aos cereais, certas decisões estão a favorecer a Rússia.

"É preocupante que alguns na Europa estejam a desempenhar o papel de solidariedade num teatro político, transformando (a questão dos) cereais num thriller. Parece que estão a desempenhar os seus próprios papéis. Mas o que estão a fazer é ajudar a definir o palco para um ator de Moscovo", afirmou Zelensky em Nova Iorque.

As palavras do presidente ucraniano suscitaram um protesto em Varsóvia, que chamou o embaixador ucraniano, Vasil Zvarich. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros frisou que colocar a Polónia “sob pressão em fóruns multilaterais ou enviar queixas a tribunais internacionais não são métodos apropriados para resolver crises entre os nossos países”.

Na quarta-feira, a Polónia anunciou o fim do fornecimento de armas à Ucrânia.


“Já não transferimos armas para a Ucrânia, porque nos armamos com as armas mais modernas”, frisou Mateusz Morawiecki, questionado por um jornalista sobre o apoio militar e humanitário da Polónia à Ucrânia, apesar do conflito sobre os cereais.

O primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki justifica a decisão com a necessidade de o país se concentrar no reforço do próprio armamento, para melhorar as capacidades de defesa do país.

No entanto, o primeiro-ministro polaco não revelou quando é que o seu país, um dos maiores fornecedores de armas à Ucrânia, o deixou de fazer.

“Estamos principalmente concentrados na modernização e no armamento rápido do Exército polaco, para que se torne um dos Exércitos mais poderosos da Europa, num espaço de tempo muito curto”, realçou.



Morawiecki destacou ainda que o centro militar localizado na cidade de Rzeszow, no sudeste do país, por onde passam equipamentos ocidentais destinados à Ucrânia, está a funcionar normalmente.

A Polónia enviou para a Ucrânia 320 tanques da era soviética e 14 caças MiG-29.


Com a transferência de armas para a Ucrânia, a Polónia esgotou as suas próprias Forças Armadas em cerca de um terço. Varsóvia está agora num processo de substituição dos equipamentos militares por mais modernos produzidos no ocidente.

As exportações de armas para a Ucrânia não vão ser totalmente suspensas, uma vez que o fabricante polaco PGZ deverá enviar, para Kiev, cerca de 60 armas de artilharia Krab nos próximos meses.

O chefe do executivo polaco publicou ainda um vídeo nas suas redes sociais em que recordou que o seu país “foi o primeiro a fazer muito pela Ucrânia” e por isso espera que os seus interesses sejam compreendidos e promete defendê-los “com toda a determinação”.

Em declarações ao canal televisivo Polsat News, Morawiecki acrescentou ainda que estava a “alertar a Ucrânia".

"Quiseram agravar o conflito desta forma, vamos adicionar mais produtos à proibição de importações para a Polónia. As autoridades ucranianas não compreendem até que ponto a indústria agrícola da Polónia foi desestabilizada. Estamos a proteger os nossos agricultores”. A Polónia vai a votos no dia 15 de outubro, e o partido nacionalista Lei e Justiça (PiS) no poder, tem sido alvo de críticas da extrema-direita que acusa o governo de Mateusz Morawiecki de ter uma atitude subserviente com a Ucrânia.

Mais tarde, o Presidente polaco Andrzej Duda também respondeu às declarações de Zelensky, dizendo à imprensa que "qualquer pessoa que já tenha participado no resgate de uma pessoa que se afoga sabe que é extremamente perigoso e pode arrastá-la até às profundezas".

Duda acrescentou que ninguém pode culpar a Ucrânia, na sua difícil situação, por “agarrar-se a tudo o que pode”, mas, continuando a comparação, acrescentou que é legítimo proteger-se do perigo enquanto resgata alguém que se afoga.

Na quarta-feira, a diplomacia ucraniana apelou à Polónia para “deixar a emoção de lado” e adotar uma abordagem construtiva na disputa sobre as exportações de cereais entre os dois vizinhos que são aliados na guerra contra a Rússia desde a invasão da Ucrânia em fevereiro do ano passado.




“Apelamos aos nossos amigos polacos para que deixem as emoções de lado”, escreveu o porta-voz diplomático ucraniano, Oleg Nikolenko, no Facebook.
Exportação de cereais foi a gota de água
A Polónia tem sido um dos maiores aliados da Ucrânia desde que a Rússia invadiu o país, em fevereiro de 2022. No entanto, os países desentenderam-se sobre as exportações de cereais ucranianos, depois de Varsóvia ter prorrogado a proibição de importação.

Além da Polónia, também a Hungria e a Eslováquia proibiram a importação de cereais ucranianos na passada sexta-feira, depois da Comissão Europeia ter decido não alargar a proibição de vendas a cinco Estados da União Europeia, incluindo a Bulgária e a Roménia.

Bruxelas argumentou que “as distorções do mercado nos cinco Estados-membros que fazem fronteira com a Ucrânia desapareceram” e afirmou que não cabe individualmente aos 27 definir a política comercial para o bloco. A invasão da Ucrânia pela Rússia fechou as rotas marítimas do Mar Negro utilizadas antes da guerra, fazendo com que a União Europeia se tornasse uma importante rota de trânsito e destino de exportação para os cereais ucranianos.

Em maio, a União Europeia concordou em restringir as importações para a Bulgária, Hungria, Polónia, Roménia e Eslováquia, procurando proteger os agricultores desses países que culpavam as importações pela queda dos preços nos mercados locais.

No início desta semana, a Ucrânia apresentou ações judiciais à Organização Mundial do Comércio (OMC)
contra esses países por causa das proibições, que considerou serem uma violação das obrigações internacionais.

A ministra ucraniana da Economia, Yulia Svyrydenko, considerou que era "crucialmente importante para a Ucrânia provar que os Estados membros individuais não podem proibir as importações de produtos ucranianos".

Mas a Polónia disse que manteria a proibição e uma “queixa perante a OMC não nos impressiona”.

A ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, Catherina Colonna, afirmou na quarta-feira que um estudo da União Europeia revelou que as importações de cereais da Ucrânia não prejudicariam os agricultores europeus e descreveu as tensões como "lamentáveis".

(com agências)
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