Hamas garante procurar "retirar todos os obstáculos" a acordo com Israel
O movimento islamita palestiniano Hamas garantiu hoje estar a tentar "retirar todos os obstáculos" a um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, após o início de contactos indiretos com Israel no Egito.
As delegações do Hamas e de Israel estão a negociar o plano de paz de 20 pontos apresentado pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na semana passada, depois de receber na Casa Branca o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
"A delegação do movimento no Egito está a tentar retirar todos os obstáculos para chegar a um acordo que satisfaça as aspirações do nosso povo", afirmou Fauzi Barhum, alto responsável do braço político do Hamas, indicando que se pretende que o acordo "garanta um cessar-fogo, a retirada total do Exército de ocupação, a entrada de ajuda humanitária e o regresso dos deslocados às suas casas".
"Queremos um acordo que garanta o início imediato da reconstrução sob a supervisão de um organismo palestiniano de tecnocratas", prosseguiu, antes de alertar contra as tentativas do "criminoso" primeiro-ministro de Israel de "obstruir e minar a atual ronda de negociações, tal como fez com as anteriores".
Fauzi Barhum afirmou que o Hamas "acredita na justiça da causa e no projeto de luta" e salientou que a delegação negocial "está confiante na capacidade de impedir todos os planos para liquidar a causa [palestiniana] e fazer avançar as agendas do inimigo sionista", noticiou o diário palestiniano Filastin.
"Os planos do inimigo sionista demonstraram que os seus dois anos de guerra não eram dirigidos apenas contra o Hamas e as fações da resistência, mas que se tratava de uma guerra abrangente contra a existência palestiniana e uma tentativa frenética de quebrar a vontade popular, destruir a sua causa e eliminar o seu direito inerente à libertação e ao regresso", sublinhou.
"A verdadeira natureza das intenções expansionistas e coloniais do inimigo, a expensas das terras, da soberania, da segurança e da estabilidade dos países árabes e islâmicos, foi exposta através das declarações e dos sonhos dos seus líderes criminosos relativamente ao `Grande Israel`", afirmou Barhum, apelando para "medidas práticas para dissuadir a entidade sionista".
Segundo o alto responsável político do Hamas, tanto Israel como os Estados Unidos têm "total responsabilidade política, jurídica, moral e histórica pelos crimes de guerra e genocídio cometidos em Gaza", antes de salientar que o ataque de 07 de outubro de 2023 foi "uma resposta histórica às conspirações para liquidar a causa palestiniana".
"Não se tratou de uma batalha para quebrar a fragilidade da ocupação [israelita], mas de um ponto de viragem que revelou e isolou a ocupação, marcando o início de uma verdadeira contagem decrescente para acabar com a ocupação no terreno", declarou Barhum, sublinhando que a Cisjordânia e Jerusalém Oriental "não ficaram imunes à agenda fascista do Governo de ocupação, que pretende a anexação [do território], a deslocação [da população palestiniana] e o roubo de terras".
Reiterou que a "prioridade" do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) é "o fim da agressão sionista e da guerra de extermínio contra Gaza", antes de "renovar o compromisso de respeitar todos os direitos nacionais estabelecidos do povo palestiniano e as suas aspirações de libertação, reforma e independência".
"O nosso resistente povo de Gaza sofreu durante dois anos uma guerra de extermínio, de fome sistemática e de destruição total. No entanto, a ocupação fracassou estrepitosamente em atingir os seus objetivos agressivos, apesar dos vergonhosos massacres", afirmou.
Barhum insistiu que "o inimigo fracassou em todas as suas tentativas de deslocação forçada, de recuperação forçada de prisioneiros - referindo-se aos sequestrados no ataque de 07 de outubro de 2023 - ou de infiltração de agentes, apesar da suspeita incapacidade do sistema internacional para deter a agressão a Gaza".
Pouco antes das declarações de Barhum, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Qatar, Mayed al-Ansari, confirmou que ainda faltam acordos entre Israel e o Hamas sobre "muitos pormenores" da proposta de Trump para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, depois de se terem iniciado na segunda-feira os contactos indiretos no Egito para concluir um acordo.
Assim, indicou que as "delicadas negociações" de segunda-feira na cidade de Sharm el-Sheikh serão hoje retomadas com o "compromisso de trabalhar para aplicar o plano de Trump e pôr fim à guerra em Gaza", incluindo "o fim da ocupação israelita e a entrega de ajuda humanitária".
"Agradecemos o empenho dos Estados Unidos em acabar com a guerra e estamos a trabalhar com eles para alcançar um acordo sobre a execução do plano de Trump para que não seja temporário", afirmou, antes de sublinhar que "todas as partes" concordaram com a proposta, pelo que "os obstáculos estão agora na sua aplicação".
A proposta de Trump foi publicamente apoiada por Netanyahu que, no entanto, esclareceu horas depois que não apoiará a criação de um Estado palestiniano e que as tropas israelitas permanecerão estacionadas "na maior parte" da Faixa de Gaza, o que suscitou dúvidas quanto à viabilidade da aplicação do plano norte-americano.
A guerra declarada por Israel a 07 de outubro de 2023 em Gaza para "erradicar" o Hamas -- horas após um ataque a território israelita com cerca de 1.200 mortos e 251 reféns - fez, até agora, pelo menos 67.173 mortos -- incluindo mais de 20.000 crianças - e 169.780 feridos, na maioria civis, segundo números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Fez igualmente milhares de desaparecidos, soterrados nos escombros e espalhados pelas ruas, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções e fome, causada por mais de dois meses de bloqueio de ajuda humanitária e pela posterior entrada a conta-gotas de mantimentos, distribuídos em pontos considerados "seguros" pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis famintos, tendo até agora matado pelo menos 2.600 e ferido mais de 19.000.
Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" e "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo, mas a 22 de agosto emitiu uma declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.
Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU acusara Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça, e uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais de defesa dos direitos humanos.