Floresta ardeu três vezes mais em 2015 face a 2014

"O ano de 2015 foi um ano 'bem conseguido' no combate a incêndios, apesar de a área ardida desde 1 de janeiro quase ter triplicado em relação a 2014". José Manuel Moura - Comandante operacional nacional da Proteção Civil.

A Liga de Bombeiros Profissionais pauta-se pela mesma conclusão, muito embora a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais não esteja totalmente de acordo devido à ainda presente e constante falta de formação, material adequado, apontando muitas das vezes a falta de coordenação como um fator a levar em conta.

A RTP confrontou o Comandante Operacional Nacional da Proteção Civil (CONPC), José Manuel Moura, que diz não compreender as críticas.

Afirma que este ano e principalmente no período mais crítico, na designada Fase Charlie, entre 1 de julho e 30 de setembro, viveu-se o melhor verão de sempre no combate aos fogos em Portugal.




Consumo de área florestal superior a 2014
A Proteção Civil faz assim um balanço muito positivo da fase mais complicada (Charlie) a nível de incêndios em Portugal. 

O país registou um maior número de ignições e incêndios florestais que deu origem à triplicação da área face ao ano de 2014, mas apesar disso a ANPC sublinha que este ano até houve sorte, porque se reuniu todas as condições para tudo correr muito mal.

Em declarações ao site da RTP, o Comandante Operacional Nacional da Proteção Civil explica que o número registado de incêndios ficou-se pelos 15.505, menos 15 por cento do que a média da década anterior. E a área ardida, face à média dos últimos dez anos, decresceu 37 por cento.

José Manuel Moura admite que a área florestal consumida praticamente triplicou quando comparada com 2014, mas defende que essa comparação "não é honesta", pois 2015 tinha todas as condições meteorológicas e hídricas para correr mal, à semelhança de anos que tiveram resultados muito mais negativos como 2003, 2005, 2010 e 2013.

"Nós estaremos a comparar qualquer ano com o melhor desde sempre. Qualquer dado estatístico duplicava ou triplicava a área ardida, razão pela qual nós fazemos a comparação com o último decénio, com o período dos últimos dez anos, onde é expurgado o melhor e o pior ano, para estatisticamente ter alguma validade".



Para o CONPC, os 60 mil hectares consumidos este ano são um valor pouco expressivo, perante o objetivo proposto pelo Plano Nacional de Defesa de Florestas (PNDF): "Portanto esta mesma área que se refere de 60 mil hectares, sendo que ficámos abaixo daquilo que o PNDF contra incêndios previa, como grande objectivo, macro objectivo nacional, que era ficar abaixo dos 25 mil hectares, que é 7,8 do total do coberto vegetal em Portugal, e ficámos com uma média de 22 mil hectares em povoamento (floresta). E portanto os restantes 30 mil, trinta e tal mil são de mato", refere José Manuel Moura.

“E também se explica por uma outra razão. Explica-se porque estamos na presença de um ano com uma severidade extrema, ou seja uma severidade que tem a ver com as variáveis meteorológicas. Condições de temperatura, vento e humidade relativa e portanto só comparável com os piores anos”, conclui.


Programação operacional anual (fases) 

Em Portugal o designado DECIF - Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais - organiza-se e funciona de forma distinta, em conformidade com as fases de perigo.

Fase ALFA: 1 de janeiro a 14 de maio

Fase BRAVO: 15 de maio a 30 junho

Fase CHARLIE: 1 de julho a 30 de setembro

Fase DELTA: 1 outubro a 31 outubro

Fase ECHO: 1 novembro a 31 dezembro

Períodos aos quais estão designados e alocados os meios de combate, sendo que o período de maior probabilidade de ocorrência de incêndios florestais continua a centrar-se entre os meses de julho e setembro.



No entanto, mesmo nos períodos previsíveis de menor perigo de incêndio, são cada vez mais recorrentes situações especiais, provenientes de condições meteorológicas adversas ou de outras circunstâncias agravantes do perigo.
De acordo com o 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN6, de fevereiro de 2013),verifica-se uma diminuição da área ocupada por floresta (4,6 por cento) que se deve sobretudo à sua conversão para a classe de usos matos e pastagens.
Foi o caso deste ano. Em março e abril, uma vaga de calor fez com que ocorresse uma série de ignições, principalmente na zona norte do país, originando mais de quatro mil ocorrências em Portugal Continental.

Para o Comandante Operacional Nacional de Proteção Civil, este ano de 2015 foi um tanto ao quanto anormal, logo no ínicio. 

"Mas este ano de facto, fora de época, tivemos num período, ainda na fase Alfa, no período da Páscoa, finais de março, princípios de abril, tivemos uma onda de calor que foi responsável, de facto ali, ainda sem dispositivo e tivemos um grande incêndio, dois grandes incêndios, se me é permitido a expressão, no distrito de Aveiro, em simultâneo, nesse período da Pascoa, em Sever do Vouga, com 1500 hectares de área ardida e em Arouca com 400", refere José Manuel Moura à RTP.

"E portanto foi um período, esse período da Páscoa, onde chegámos a ter 200 ações, 200 ignições por dia, o que foi crítico", explica.






Meios suficientes, diz Comandante da ANPC

O combate aos incêndios não se faz apenas através dos elementos humanos. Os meios artificiais, como viaturas de combate terrestres, helicópteros ligeiros e os mais musculados Kamov, bem como o reforço internacional com aviões de combate aos incêndios Canadair durante a fase Charlie, são imprescindíveis no apagar das chamas que todos os anos assolam o país.

Neste campo os consensos são praticamente inexistentes: uns criticam a escassez de meios no terreno, algumas vezes por falta de verbas e desadequação dos equipamentos, mas para a Autoridade Nacional de Proteção Civil os meios ao dispor são aqueles que existem e são geridos de acordo com as necessidades e épocas previamente estabelecidas, estando contudo salvaguardadas algumas exceções.

Durante o último decénio, muitos foram os fatores que levaram algumas entidades a apontar falhas no terreno devido à ausência de meios: falta de reforço nos pontos críticos, perda de equipamento em incêndios, envio tardio de meios aéreos para os palcos problemáticos ou de potencial risco, motivos que deram origem, em alguns cenários, à queima de milhares de hectares de zona verde, algumas edificações, bem como a perda de vidas humanas.

É neste cenário que em 2015 foi criado um auxiliar de bolso no sentido de entender como funciona todo o sistema baseado no Sistema de Gestão de Operações (SGO).

No Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 72/2013, de 31 de maio, o Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro (SIOPS) estabeleceu um sistema de gestão de operações e respetiva simbologia, cujo gestão é feita através da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).

Toda a organização dos teatros de operações e dos postos de comando, competências e doutrina operacional é feita a cargo desta entidade.

Paralelamente foi produzido um auxiliar de bolso para apoio a todos os agentes de Proteção Civil e entidades cooperantes, no âmbito do DECIF.

Desta forma pode ler-se no documento disponível na página eletrónica da Proteção Civil a consolidação dos dispositivos ao dispor pelas entidades do país.


Meios terrestres - Equipas comparticipadas

"Considerando que a fase de ataque inicial aos incêndios florestais é aquela que permite dominar, de forma mais rápida, qualquer ignição e assim impedir a propagação dos incêndios, originando a sua passagem à fase de ataque ampliado, o dispositivo manterá, na fase de maior perigo e em áreas de maior perigosidade florestal, o reforço das 50 equipas de combate constituídas em 2014, de forma a manter a capacidade de resposta instalada nesta fase de ataque inicial, estando igualmente estas equipas disponíveis para o reforço dos teatros de operações em missões de ataque ampliado fora da sua área de atuação, sendo o dispositivo reforçado em 2015 com mais 17 equipas de combate a incêndios florestais, atingindo a plenitude da capacidade de constituição de equipas em função dos recursos humanos e materiais disponíveis ao nível dos Corpos de Bombeiros".



Meios terrestres – Equipas de Intervenção Permanente (EIP)

"Considerando a necessidade de reforçar de forma permanente alguns áreas com elevada necessidade operacional é reforçado o programa de equipas de intervenção permanente com a constituição de 3 novas equipas no distrito de Viana do Castelo, passando este efetivo global a ser composto por 152 equipas e 760 bombeiros".

Meios aéreos de ataque ampliado

"A experiência de dispositivos anteriores, associada à cada vez maior intensidade e velocidade de propagação com que se desenvolvem alguns dos incêndios florestais, determinam a necessidade de um incremento da capacidade dos meios aéreos de ataque ampliado, em particular de aeronaves de asa fixa com capacidade anfíbia".

"Desta forma, o dispositivo aéreo de ataque ampliado contará este ano (2015) com a manutenção das quatro aeronaves anfíbias - Fireboss contratualizadas em 2014, sendo duas delas aeronaves anfíbias médias e duas aeronaves pesadas Canadair. Estas aeronaves foram contratualizadas por três anos, o que permitirá consolidar e dar continuidade ao dispositivo dos meios aéreos".




Medidas que visaram o reforço e a adequação dos meios que têm vindo a ser disponibilizados todos os anos e que o Comandante Operacional da ANPC, José Manuel Moura, diz gerir conforme pode.

Para o CONPC, o ideal era ter mais meios. Mas o responsável conforma-se com um reforço e uma boa gestão do que existe.
“Nos corpos de bombeiros (...) mesmo os voluntários são voluntários na sua dedicação, mas são profissionais na ação, naquilo que fazem, fazem com profissionalismo que a mim não me oferece qualquer outro tipo de comentário que não seja este" - Comandante Operacional ANPC.
Ao nível dos meios aéreos disponíveis para este ano, José Manuel Moura fala em alguns constrangimentos devido a questões contratuais, autorização e aprovação por parte do Tribunal de Contas, para quatro meios pesados, que dificultaram algumas atuações no terreno.

Dos 49 meios aéreos previstos, este ano apenas 47 estiveram ao serviço.

"Ao comandante nacional o que é pedido é que com os meios que têm é que faça o melhor possível. E eu fui confrontado, no início do ano, com a questão de não ter os meios aéreos disponíveis, nomeadamente os Kamov, mas tive que, com os meios que tinha, responder às necessidades que o país tinha. (…) Se perguntar a qualquer operacional, mais um meio é sempre bem-vindo", refere o comandante José Manuel Moura ao site da RTP.



No total, o Estado detêm oito meios aéreos, cinco helicópteros Kamov e três helicópteros ligeiros.

De recordar que, desde 2013, apenas cinco dos seis Kamov inicialmente existentes estão a operar devido à queda de um dos aparelhos, em setembro de 2012, no Parque de Merendas de Espite, em Ourém.

O Kamov teve uma falha repentina num dos motores. Até hoje está por reparar num hangar a cargo da Proteção Civil.

Estes aparelhos têm, contudo, sido alvo de várias críticas por causa de constantes avarias e do elevado custo de manutenção.


Melhor formação, mais equipamento
A área da formação é um dos pilares de que os bombeiros necessitam.

Nos últimos anos vários soldados da paz foram vítimas de violentos focos de incêndio que, segundo algumas associações de bombeiros, podiam ter sido evitadas se houvesse melhor formação e conhecimento, quer do terreno, quer da forma de operar e reagir perante cenários de adversidade.

Em muitos casos, bombeiros que saem em resposta a várias situações de fogo pelo país, não têm a noção da realidade no terreno.

Um fogo é um fogo, mas o desconhecimento, por parte das corporações, das condições orográficas de uma região e a comum falta de comunicação e de coordenação centralizadas leva a perdas de meios e, no limite, de vidas humanas.

Elementos essenciais que obrigam a uma constante atualização.

"Nos corpos de bombeiros, eu não faço nenhuma distinção se são voluntários ou profissionais, admito que a associação do setor o faça mas para mim, mesmo os voluntários, são voluntários na sua dedicação mas são profissionais na ação, naquilo que fazem, fazem com profissionalismo que a mim não me oferece qualquer outro tipo de comentário que não seja este".

Para José Manuel Moura, comandante operacional da ANPC, a competência na área da formação é da Escola Nacional de Bombeiros, apesar de os desenhos programáticos serem desenhados pelo comando nacional.

Cursos que a partir de 2013 - um ano calamitoso a nível de incêndios em que se registaram elevados danos, quer de meios materiais, quer de meios humanos, com registo de 12 bombeiros mortos, passaram a ser realizados e efetuados com maior rigor e cada vez maior número de formandos nas diversas áreas de combate.



O Comandante Operacional Nacional de Proteção Civil, José Manuel Moura refere que, apesar de haver melhorias na operacionalidade, existe sempre lições a aprender e tomar em conta dos cenários apresentados todos os anos.

Manutenção do empenho, formação e ação de treino operacional são assim pilares de base para a continuação do sucesso de combate, de todos, aos fogos em Portugal.

Para José Manuel Moura, a única variável em que não é possível mexer é a meteorologia, referindo mesmo: "É aquilo que cada dia nos der."