JMJ. Quinze encontros globais num mundo em mudança acelerada

Trinta e oito anos separam a primeira edição da Jornada Mundial da Juventude na cidade de Roma, em 1985, da de Lisboa no início do mês de agosto. Décadas de mudanças profundas no mundo. Desde o fim da Guerra Fria à globalização, digital e económica. Desde a explosão das redes sociais à preocupação crescente com as alterações climáticas e a poluição ou à difusão e aceitação dos ideais LGBT. Incluindo três Papas e a exposição de um dos maiores escândalos a abalar a Igreja Católica, o dos abusos sexuais ao longo de décadas, sobretudo por parte de sacerdotes.

Se há algo a sublinhar ao longo de todo este turbilhão é a atratividade de cada JMJ, que nada parece afetar.

Desde as primeiras edições, com alguns milhares de aderentes, os peregrinos raramente desceram abaixo dos 600 mil e superaram diversas vezes o milhão. Em Manila, nas Filipinas, chegaram a ser quatro milhões.
Números que batem recordes, se a eles juntarmos as audiências que acompanham o evento através dos órgãos de comunicação social.

Juntando tantos de tantos cantos do mundo, ao longo de tantos anos e em tempos e locais tão diversos, a experiência de quem vive uma Jornada Mundial da Juventude tem de necessariamente sofrer impacto.

Madalena Fontoura, psicóloga, que participou em várias das primeiras edições, tanto como peregrina como mentora de grupos, e se mantém ligada à JMJ, agora incluída num Comité de Organização Local da edição de Lisboa, sente que a experiência que cada grupo de peregrinos traz consigo marca o comportamento e a maturidade com que cada um vive a experiência da Jornada.

Aos 60 anos, depois de ter vivido ela mesma de forma diversa as diferentes edições da JMJ em que participou, Madalena frisa que encontrou sempre mais exemplos de unidade do que dissemelhanças entre os participantes. E assistiu a reações de espanto e a grandes mudanças de vida.
Os primórdios

"Laboratório de fé" e "lugar de transformação da Igreja" são algumas das expressões usadas pelos próprios promotores para descrever a JMJ. "A mais bela invenção de João Paulo II" é outra.

A ideia começou a germinar em 1984. Terminava o Ano Santo da Redenção iniciado em 1983 e "o Papa quis organizar um encontro no Domingo de Ramos, em Roma, para celebrar o jubileu dos jovens".

A participação superou quatro vezes o esperado. Em vez de 60.000 peregrinos foram a Roma 250.000, oriundos de muitos países.Karol Wojtyla tinha sido eleito Papa em 1978, com apenas 58 anos, um dos mais jovens pontífices em 150 anos. Vinte anos antes de se tornar Papa também tinha sido consagrado precisamente como o bispo mais novo da Polónia. Era desportista e durante todo o seu sacerdócio tinha sido muito popular entre os jovens polacos. Talvez, desde que se tornara o principal inquilino do Vaticano, sentisse falta desse convívio. Procurava-o amiúde nas suas viagens apostólicas, como sucedeu na sua primeira visita a Portugal, em 1983.

O texto oficial da JMJ de Lisboa nota que "a experiência" do jubileu dos jovens em 1984 foi "de tal modo significativa para toda a Igreja, que o Santo Padre resolveu repeti-la no ano seguinte", 1985, que as Nações Unidas haviam proclamado Ano Mundial da Juventude.

A 31 de março desse ano, a assinalar aquela que é considerada a primeira JMJ, João Paulo II escreveu uma extensa Carta Apostólica endereçada "à juventude do mundo", por ocasião desse segundo encontro, no qual participaram 300.000 peregrinos.

A Igreja e o Papa entenderam que a adesão dos jovens significava um desejo de encontro diferente e próprio dos jovens com Deus e com Jesus Cristo e, a 20 de dezembro, foi instituída a Jornada Mundial da Juventude, anunciada numa carta ao Colégio Cardinalício e à Cúria Romana.

A segunda edição ocorreu a 23 de março de 1986, Domingo de Ramos. João Paulo I I chamou-lhe um “dia de esperança”. “A Jornada Mundial da Juventude significa precisamente isto: sair ao encontro de Deus, que entrou da história do Homem através do Mistério Pascal de Jesus Cristo”, explicou a 350.000 peregrinos de 60 países.

O fio condutor para todas as edições seguintes estava dado. E apesar das diferenças há traços comuns a todas, lembra Madalena Fontoura.

"Tendo os jovens como protagonistas", a JMJ pretende "promover a paz, a união e a fraternidade entre os povos e as nações de todo o mundo" lê-se nos textos oficiais sobre a edição de Lisboa.

A mensagem não é contudo entendida da mesma forma pelos que assistem à realização da JMJ. O êxito desta ocorre mesmo muitas vezes ao arrepio de um clima de contestação ao catolicismo e à influência pública da Igreja Católica. E esta tem de se adaptar e tentar dar uma resposta positiva. 

Madalena Fontoura lembrou, a exemplo, o que ocorreu em Paris, em 1997, quando o uso do arco-íris foi mal interpretado pela comunidade LGBT.
A crítica à Igreja Católica não é o único desafio que se coloca, sobretudo aos jovens a quem se destina cada JMJ.

Um pormenor curioso é a contabilidade oficial da participação em cada Jornada. Geralmente, os peregrinos que se inscrevem rondam os 300 a 400 mil. Mas por cada um oficialmente presente, há mais dois ou três, engrossando a multidão.

Madalena Fontoura sublinha que cada país que recebe uma JMJ sofre um impacto profundo e acredita que em Portugal não será diferente.
Símbolos da JMJ

O primeiro dos dois principais símbolos das Jornadas foi a Cruz, que é sempre passada à geração seguinte de organizadores desde que foi confiada aos jovens pela primeira vez por João Paulo II, logo em 1984.

Feita em madeira, com 3,8m de altura, a Cruz Peregrina, como também é conhecida, foi construída em 1983, para o Ano Santo. Presidiu às celebrações na Basílica de São Pedro, junto ao altar-mor.

No encerramento João Paulo II entregou-a a membros do Centro Juvenil Internacional São Lourenço, em Roma, que a receberam simbolicamente em nome da juventude mundial. "Carreguem-na pelo mundo como um símbolo do amor do Senhor Jesus pela humanidade", pediu o Papa.

Depressa a Cruz se transformou no símbolo mais viajado de cada JMJ, indo mesmo além da então Cortina de Ferro. Em 1994 tornou-se tradição ser levada pelas dioceses do país acolhedor anunciando a Jornada que se irá realizar e chamando as comunidades a participar como um todo, sobretudo pela oração e pelo voluntariado.
Cruz Peregrina da JMJ Foto - João Matos JMJ 2023

Com a Cruz, desde 2003, vai igualmente uma cópia do ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani, introduzida por João Paulo II numa altura em que a sua saúde declinava, "num sinal da companhia de Maria" aos jovens. 

Com 1,20 metros de altura e 80 centímetros de largura, o ícone é uma das mais populares devoções marianas da cidade de Roma. O original encontra-se na Basílica de Santa Maria Maior, naquela cidade e, atualmente, o Papa Francisco enquanto bispo de Roma vai rezar junto dele e deixar um ramo de flores antes e depois de cada viagem apostólica.
O ícone da JMJ Salus Populi Romani Foto - Duarte Nunes JMJ 2023

Todos os anos ocorre uma Jornada Mundial da Juventude a nível das dioceses, inicialmente no Domingo de Ramos e atualmente na solenidade litúrgica de Cristo-Rei. Estas edições são intercaladas a cada dois ou três anos com a Jornada Mundial, celebrada numa cidade.

A edição deste ano é por isso a 38ª. Antes de Lisboa e depois da primeira edição em Roma, realizaram-se 15 encontros mundiais em cidades de quatro continentes.

Com oito encontros internacionais, incluindo dois em Roma, a Europa tem sido a região mais beneficiada, apesar da primeira fora do continente ter tido lugar em Buenos Aires, Argentina, logo em 1987. Logo em 1989, em Santiago de Compostela, Espanha, a Jornada realizou-se pela primeira vez durante o verão e não no Domingo de Ramos.

Nessa JMJ surgiu pela primeira vez o hino, outra das marcas distintivas de cada Jornada. Emmanuel, da XVª Jornada no ano 2000 em Roma, que coincidiu com o Ano do Jubileu dos 2000 anos do nascimento de Cristo, é por muitos considerado como "o hino de todas as jornadas". Uma das suas versões em língua portuguesa foi interpretada pela Canção Nova para a Jornada de 2013 no Rio de Janeiro.


Oiça aqui o hino das JMJ Lisboa 2023, Há pressa no ar, lançado há dois anos

À medida que as edições da Jornada se seguiram foram sendo adicionadas outras tradições e momentos marcantes, como a Via Sacra, celebrada pela primeira vez em Denver, nos Estados Unidos, em 1993.

O Festival da Juventude, um programa cultural e artístico dos jovens para os jovens, realiza-se por seu lado desde a Jornada de Paris, França, em 1997.

Em 2005, em Colónia, na Alemanha, foi apresentada pela primeira vez a Missa Mundi (Missa Mundial), e deu-se início igualmente ao período de Adoração ao Santíssimo.

Já num sinal dos tempos, foi na Austrália, em Sidney, no ano de 2008, que primeiro se difundiu uma JMJ nas redes sociais. E a edição de 2019 no Panamá ficou marcada pela primeira visita de uma imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima.
Três Papas

Em 15 edições internacionais da JMJ é impossível fugir à influência dos Papas que a elas presidiram e chamaram à reflexão, desafiando milhões de jovens, católicos e não só.

Para Madalena Fontoura, que os ouviu aos três, o estilo de cada um marcou naturalmente os encontros que celebraram.

A vida pessoal de cada um dos Papas das Jornadas e a sua influência no mundo e do mundo na Igreja, são contudo aspectos essenciais para contar a história de três décadas de uma das iniciativas religiosas mais mobilizadoras, diversas e agregadoras de sempre.
João Paulo II
A 22 de outubro de 1978, ao iniciar o seu pontificado, João Paulo II dirigiu-se especialmente a uma geração que, nos 10 anos anteriores, se tinha destacado nas exigências de mudança social, política, cultural e económica: "os jovens" afirmou então, "são a esperança da Igreja e do mundo."

A mesma mensagem, dita de outras formas, seria repetida ao longo de todo o pontificado.

Aquele Papa de apenas 58 anos, iria sempre procurar a companhia da juventude. Por isso a convocou para o Domingo de Ramos de 1984, um encontro em Roma que viria a tornar-se percursor de todas as edições da JMJ seguintes.
João Paulo II entrega a Cruz que viria a tornar-se um símbolo da JMJ Foto - Vaticano News
O pontífice tinha então somente 64 anos e nem o atentado sofrido em plena Praça de São Pedro, em 13 de maio de 1981, tinha conseguido diminuir a vitalidade do desportista de Deus, ou do Papa superstar, como lhe chamou a revista Time.
 
O Papa polaco, o primeiro não italiano desde 1522, representava na altura da sua eleição a Igreja nova que o Concílio do Vaticano II tinha anunciado e que parecia esbarrar em inúmeras dificuldades.

Era mais novo de que os nove Papas anteriores e tido como um conservador moderado, jovem, saudável, desportista, um intelectual brilhante que falava várias línguas, um bispo dinamizador, um outsider da Cúria, capaz de dotar a Igreja de uma liderança forte.

E logo nos primeiros anos rompeu com protocolos e abriu o pontificado ao mundo, prosseguindo uma intensa agenda diplomática e ecuménica, em múltiplas viagens "para anunciar o evangelho, para 'confirmar os seus irmãos' na fé, para consolidar a Igreja, para encontrar o Homem", como ele próprio afirmou em 1980.

O seu carisma atraíra jovens do mundo inteiro logo de início e a atração iria manter-se nas décadas seguintes, apesar do crescente coro de críticas, por parte de analistas e de comentadores, à sua oposição à ordenação das mulheres ou ao uso da pílula contracetiva. Milhões seguiam-no, atrás de um discurso moral que contradizia as tendências mundanas com apelos a uma enorme exigência de cada um consigo próprio e que ele mesmo exemplificava.

"Repito ante vós o que tenho dito desde o primeiro dia do meu pontificado: que vós sois a esperança do Papa, a esperança da Igreja", afirmou em Buenos Aires, na primeira JMJ fora de Roma, em 1987.

Para a história da JMJ com João Paulo II, fica a ocorrida no Santuário de Czestochowa, na Polónia, em 1991.

Pela primeira vez, reuniram-se mais de 1,5 milhão de peregrinos, de 75 países. Foi ainda um regresso a casa emocionado para o Papa e que misturou, pela primeira vez em mais de 40 anos, milhares de jovens oriundos do bloco ocidental e do bloco comunista do Pacto de Varsóvia, no qual João Paulo II crescera e se fizera sacerdote, bispo e cardeal, precisamente na Polónia. Ainda não se tinham completado dois anos desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o mundo parecia à beira de uma nova era de conciliação e de cooperação mútua. O Papa falou em esperanto, tanto na abertura como no encerramento da Jornada.

Em 1995, em Manila, nas Filipinas, o Papa agregou a si quatro milhões de peregrinos, uma das maiores assembleias jamais realizadas na história da humanidade.

A aura de João Paulo II junto dos jovens era tal que se manteve até ao fim do pontificado, mesmo quando, como em Toronto, no Canadá, aos 82 anos e uma sombra de si próprio, já tinha dificuldade em soletrar as suas mensagens e surgia velho, curvado sobre si mesmo, trôpego e doente, perante adolescentes e jovens que, na sua maioria, tinham crescido a conhece-lo somente a ele como Papa. Corria o ano de 2002 e seria a sua última Jornada Mundial da Juventude.

Em 2003, num último legado, aquele que confiara a Nossa Senhora o próprio pontificado, como ficou refletido no seu lema, Totus Tuus, "Todo Teu", iria entregar-lhe também os jovens, simbolizando tal gesto no ícone Salus Populi Romani.
Bento XVI
João Paulo II morreu em abril de 2005, escassos meses antes da Jornada Mundial da Juventude marcada para Colónia.

Esta foi por isso a primeira celebrada pelo seu sucessor, Bento XVI, que, para ela, regressou ao país natal, a Alemanha, pela primeira vez desde a eleição. Ficou dessa forma também para a história como a primeira Jornada dos Dois Papas, pois a mensagem para a JMJ já tinha sido escrita por João Paulo II.

Depois da atratividade do Papa polaco ao longo de 26 anos, o impacto que o Papa alemão teria junto dos jovens era uma incógnita. Até porque, sob múltiplos aspetos, congregava a contracorrente às tendências ideológicas do novo milénio, sobretudo a nível cultural e sexual.

Joseph Ratzinger tinha então 78 anos e um legado impressionante como um dos maiores teólogos de sempre do catolicismo. Desde 1981 que dirigira a Congregação para a Doutrina da Fé, sendo um dos pilares do pontificado de João Paulo II na defesa intransigente da ortodoxia católica, pelo que era conhecido na Cúria como Panzerkardinal e causando mesmo a vulgarização do trocadilho entre o seu apelido, Ratzinger, e o nome Rotweiler, de uma raça canina de grande ferocidade.

Ratzinger denunciava o marxismo e a Teologia da Libertação, e reafirmava a doutrina católica em temas como o controlo de natalidade ou a homossexualidade. Ao longo da sua carreira à frente da Congregação tinha censurado múltiplos escritos de outros teólogos e autores cristãos indicando que relativizavam o cerne do cristianismo, que afirma que a Fé em Jesus Cristo é o único caminho de felicidade para a humanidade. Considerava ainda as igrejas protestantes como 'comunidades eclesiais'.
 
O seu legado mais controverso prendia-se contudo com os casos de abusos sexuais por parte de sacerdotes, que era acusado de ter encoberto.

Contudo, a partir do ano 2001 e enquanto responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger seria o responsável por importantes alterações na lei canónica, de forma a garantir a plena proteção de crianças até aos 18 anos e estabelecendo regras para a renúncia, caso a caso, ao estatuto de limitação e para acelerar a demissão do estado clerical dos infratores.

É reconhecida nos meios eclesiásticos a sua determinação em limpar a sujidade, como o próprio se referia aos abusos, que encontrara no seio da Igreja ao congregar, a partir de 2001, todos os processos que decorriam nas diversas dioceses do mundo inteiro por acusações de abusos de menores. Foi ainda sob o seu impulso que milhares de sacerdotes condenados foram afastados ou mesmo expulsos nos anos subsequentes.

Nas palavras de um bispo que tratava diretamente estes processos, Ratzinger enfrentou "com grande coragem alguns dos casos mais difíceis e espinhosos, sem olhar a pessoas", como no caso do cardeal austríaco Gröer, amigo pessoal de João Paulo II, que acabou afastado. A mesma testemunha considerou publicamente que acusa-lo de encobrimento era "falso e calunioso". Também segundo o cardeal Chistoph Schönborn, Ratzinger "fez esforços absolutamente claros não para encobrir as coisas, mas para as enfrentar e investigar. Isto nem sempre foi aprovado no Vaticano".

A forma discreta como tudo aconteceu, muitas vezes longe dos olhares e escrutínio dos jornalistas, seria típica da personalidade do futuro Papa, que se sentia mais à vontade no seu gabinete de trabalho e em círculos intelectuais académicos ou numa sala de aula.
 
Ao contrário de João Paulo II, um comunicador físico de excelência, Joseph Ratzinger era sobretudo um pensador, fluente em seis idiomas vivos, incluindo o hebraico, além de em latim e em grego antigo, e que tocava piano, sobretudo Mozart e Bach. Era acima de tudo um homem de consensos, reservado e tímido perante multidões. Ambicionava renunciar às políticas da Cúria e aposentar-se para se dedicar à escrita nos seus últimos anos. Contou depois que, ao perceber, no Consistório de 2005, que poderia ser eleito Papa, rezou e pediu a Deus "por favor não me faças isto". "Evidentemente, Ele não me ouviu", acrescentou.
Papa Bento XVI a 19 de abril de 2005 após ser eleito Papa, Vaticano Foto - Alrturo Mari. Reuters

Dias antes da eleição, em abril de 2005, a revista Time tinha-o reconhecido como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Ele revelou sê-lo também junto dos jovens católicos. Apesar de todas as acusações e críticas, a discrição e a humildade de Bento XVI poderão mesmo ter sido o seu maior trunfo, a par dos seus escritos.

Os lamentos de muitos observadores face ao reforço de uma Igreja conservadora sob o sucessor de João Paulo II não tiveram aparentemente grande eco, já que os jovens acorreram a acolher o Papa alemão em Colónia, tal como depois em Sidney, em 2008, e em Madrid, as edições seguintes.

Nesta última Jornada presidida por Bento XVI, em 2011, a relação especial entre ele e a juventude católica que se tinha estabelecido em escassos seis anos, ficou evidenciada na tempestade que assolou o aeroporto de Quatro Vientos.

Quase levado pela intempérie, o Papa, então com 84 anos, recusou por três vezes abandonar o altar. "Se eles ficarem", acabou por dizer, referindo-se aos peregrinos que enchiam o recinto e que não arredaram pé, "eu ficarei também."

Quando a chuva parou Bento XVI agradeceu aos jovens por terem permanecido. "Queridos jovens, vivemos uma aventura juntos. Firmes na Fé em Cristo resististes à chuva". "Obrigado, obrigado por essa alegria. Obrigado por essa alegria e resistência. A nossa força é maior que a chuva, obrigado. O Senhor, com a chuva, manda-nos muitas bênçãos. Vocês são um exemplo", saudou ainda o pontífice.

Outro tipo de tempestade que, apesar de todos os esforços do Papa, continuava a abater-se sobre a Igreja devido aos abusos sexuais sobre menores, o crescimento de igrejas protestantes e de novas espiritualidades, assim como a normalização da indiferença pela moral católica tradicional, evidenciada na adoção de leis a descriminalizar o aborto, a eutanásia e a disseminação das famílias plurais e das tendências LGBTQ, acabaram por marcar fortemente o pontificado.

Era tempo para algo novo. Bento XVI acabaria por renunciar, surpreendendo a Igreja e o mundo, em fevereiro de 2013, sendo o primeiro sumo pontífice a fazê-lo em quase 600 anos.

Um dos seus últimos atos enquanto Papa foi deixar uma mensagem aos peregrinos da JMJ seguinte, marcada para o Rio de Janeiro, no Brasil, dali a poucos meses. Nela apelou aos jovens que se mantivessem na Igreja, juntos. "É sempre como membros da comunidade cristã que prestamos o nosso testemunho, e a nossa missão torna-se fecunda pela comunhão que vivemos na Igreja: seremos reconhecidos como discípulos de Cristo pela unidade e pelo amor que tivermos uns com os outros".
Francisco
A JMJ do Rio de Janeiro, no Brasil, atraiu 3,7 milhões de pessoas, foi o maior evento religioso da história do Brasil e a segunda mais concorrida nas edições da Jornada. Foi também a primeira celebrada pelo Papa Francisco, eleito em março de 2013.

Segunda Jornada de Dois Papas, foi igualmente, à semelhança da de Colónia com Bento XVI, o primeiro grande evento internacional do novo Papa.

Desde o início, Francisco marcara a diferença face aos antecessores e o seu estilo descontraído no Brasil confirmou isso mesmo.

Perante a multidão reunida na praia de Copacabana, dizendo em língua portuguesa que gostaria de entrar “em cada casa” para “tomar um cafezinho… não um copo de cachaça”, Francisco viu-se catapultado instantaneamente para a popularidade. Iria usa-la para apelar os jovens a lutar, sem violência, pela mudança e por sociedades mais justas, libertando-se “da apatia”.

Jorge Maria Bergoglio vinha da Argentina, sendo o primeiro Papa da história oriundo do continente americano e o primeiro de fora da Europa em 1200 anos. Era também o primeiro membro da Ordem dos Jesuítas e o nome escolhido como pontífice era igualmente original. Francisco recusou ainda ocupar os aposentos papais e instalou-se na Casa de Santa Marta no Vaticano, para se manter "próximo".

O pontificado de Francisco foi também desde o início marcado por um discurso mais liberal. O Papa lembrou desde logo que considerava a Igreja "um hospital" que devia abrir-se "às periferias", apoiando-se na misericórdia.

Logo na JMJ do Rio de Janeiro, Francisco lembrara a necessidade daquele comportamento, ao visitar o Hospital de São Francisco de Assis para jovens toxicodependentes.

"A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da inteira sociedade um ato de coragem", afirmou na ocasião. "Somente abraçar não é suficiente, mas é necessário estender a mão a quem vive em dificuldade, a quem caiu na escuridão da dependência", acrescentou, citando a sua primeira Encíclica, Lumen Fidei.

Em Cracóvia, na Polónia de 2016, terra natal de João Paulo II entretanto considerado Santo, Francisco convidou a juventude católica a centrar-se na bem-aventurança da misericórdia, lembrando o seu próprio lema, Miserando atque eligendo, "olhou-o com misercórdia e escolheu-o". Nela, os jovens foram ensinados a rezar o Terço da Divina Misericórdia, revelado por Santa Faustina Kowalska.

A mesma ideia marcou a mais recente Jornada, que decorreu na Cidade do Panamá, em 2019, a primeira num país da América Central.
O Papa Francisco na JMJ da Cidade do Panamá Foto - Alessandro Bianchi Reuters

Ali, o Papa voltou a deixar apelos à mudança e à resistência ao mundo. "Também nós, amigos do Senhor, nos deixamos levar pela apatia e inatividade. Tantas vezes nos derrotou e paralisou o conformismo. Foi difícil reconhecer o Senhor no irmão sofredor: desviamos o olhar, para não ver, refugiamo-nos no barulho, para não ouvir, tapamos a boca, para não gritar" reconheceu perante milhares de jovens reunidos para celebrar a Via Sacra.

"Queremos ser uma Igreja que apoia e acompanha, que sabe dizer: estou aqui, na vida e nas cruzes de tantos cristos que caminham ao nosso lado", concluiu Francisco.

Dias depois, na Missa de encerramento da Jornada "com sabor caribenho", como lhe chamou, o Papa deixou aos jovens um conselho para a vida.

"Nem sempre acreditamos que Deus possa ser tão concreto no dia-a-dia, tão próximo e real, e menos ainda que Se faça assim presente agindo através de alguém conhecido, como um vizinho, um amigo, um parente. Não é raro comportarmo-nos como os vizinhos de Nazaré, preferindo um Deus à distância: magnífico, bom, generoso mas distante e que não incomode", afirmou Francisco.

"Porque um Deus próximo no dia-a-dia, amigo e irmão pede-nos para aprendermos proximidade, presença diária e, sobretudo, fraternidade", acrescentou. "Deus é real, porque o amor é real, Deus é concreto, porque o amor é concreto".

Seguindo-se ao tema do Panamá, [Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra], centrado no 'Sim' de Nossa Senhora à proposta feita pelo Anjo São Gabriel para ser Mãe de Jesus, filho do Altíssimo, a JMJ de Lisboa, que irá realizar-se com um ano de atraso devido à pandemia de Covid-19, propõe como reflexão "Maria levantou-se e partiu apressadamente", referindo-se ao serviço prestado por Nossa Senhora à prima, Santa Isabel, que o Anjo lhe revelara estar grávida de seis meses.

"Experimentar na própria vida a presença de Cristo ressuscitado, encontrá-Lo vivo, é a maior alegria espiritual, uma explosão de luz que não pode deixar ninguém parado", escreveu o Papa na sua mensagem sobre a Jornada que se aproxima. "Imediatamente põe em movimento impelindo a levar aos outros esta notícia, a testemunhar a alegria deste encontro", acrescentou, antecipando aquilo que poderá ser vivido na capital portuguesa.