Salazar rejeitou milhões de dólares para independência das colónias -livro

António Oliveira Salazar rejeitou uma proposta dos Estados Unidos para a independência das colónias portuguesas a troco de centenas de milhões de dólares, porque "Portugal não estava à venda", revela um ex-responsável norte-americano.

Agência LUSA /
António Salazar

O ex-presidente do Conselho português rejeitou a proposta, em 1963, durante um encontro com um enviado norte-americano, escreve no livro "Engaging Africa: Washington and the Fall of Portugal Colonial Empire" Witney Schneider, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos durante a administração Clinton.

O livro detalha minuciosamente e com base em documentos oficiais e entrevistas com personalidades norte-americanas e portuguesas as relações dos Estados Unidos com Portugal e com os movimentos independentistas das ex-colónias portuguesas, em particular Angola e Moçambique, desde o início dos anos 60 à independência de Angola, em 1975.

No livro refere-se que, em 1962, Paul Sakwa, assistente do vice-director de planeamento dos serviços de espionagem CIA elaborou um plano, o "Commonwealth Plan", que visava convencer as autoridades portuguesas a aceitar o que a CIA considerava ser a inevitabilidade da independência das colónias portuguesas.

O plano previa que Portugal concedesse a auto-determinação a Angola e Moçambique, após um período de transição de oito anos.

Enquanto isso, seria organizado um referendo nas duas colónias para se determinar que tipo de relacionamento seria mantido entre os dois territórios e Portugal após a independência.

Durante esse período, os dirigentes nacionalistas Holden Roberto (angolano) e Eduardo Mondlane (moçambicano) receberiam "o estatuto de consultores assalariados" e seriam preparados para serem os líderes dos novos países.

"Para ajudar Salazar a engolir a pílula amarga da descolonização, Sakwa propôs que a NATO oferecesse a Portugal 500 milhões de dólares para modernizar a sua economia", escreve Schneider no livro.

Um ano depois a proposta daquele funcionário da CIA foi ampliada pelo diplomata Chester Bowles, que duplicou a ajuda a oferecer a Portugal, propondo que os Estados Unidos concedessem mais 500 milhões de dólares de ajuda a Portugal durante um período de cinco anos, ou seja um total de mil milhões de dólares durante o período de transição.

Documentos oficiais mostram que Bowles argumentou que seria "um bom negócio diplomático" se os esforços norte-americanos conseguissem resolver "o feio dilema" de Portugal a um custo de cem milhões de dólares por ano.

O plano dos Estados Unidos esbarrou, contudo, com a inflexibilidade de António Salazar.

"Portugal não está a venda", foi a resposta do ditador português quando a proposta lhe foi apresentada em Agosto de 1963 pelo vice-secretário de Estado norte-americano George Ball.

O livro acrescenta que para o então ministro dos Negócios Estrangeiros português Franco Nogueira a proposta representava a "idiotice" americana de acreditar que os Estados Unidos poderiam determinar ou garantir acontecimentos a longo prazo.

Esse plano seria o primeiro passo para inevitabilidade do caos na África portuguesa, argumentou Nogueira.

Um dos aspectos mais curiosos do livro é a exactidão com que a CIA e vários diplomatas norte-americanos fazem, com muitos anos de antecedência e em documentos oficiais, a previsão da derrota militar portuguesa em África e do derrube da ditadura.

"Uma derrota militar portuguesa é uma conclusão inevitável se se permitir que a revolta em Angola ganhe velocidade e continuidade", adverte o documento da CIA com a proposta inicial elaborada por Paul Sakwa, pouco depois do começo da guerra em Angola.

Sakwa questiona-se mesmo se os Estados Unidos poderiam permitir que Portugal "cometesse suicídio arrastando os seus amigos na mesma via".

O embaixador dos Estados Unidos em Lisboa Burke Elbrick, considerado então em Washington como um simpatizante das autoridades portuguesas, enviou um telegrama às autoridades norte-americanas em 1963 em que dizia que Portugal estava perante "a espada de Dâmocles", pois não era "nem suficientemente grande nem suficientemente rico" para fazer frente a uma guerra de guerrilha em três frentes.

As guerras em África poderiam significar "o fim do império Lusitano" e do regime de Salazar, escreveu ainda o diplomata, advertindo que o fim do regime poderia resultar na subida ao poder de um governo "consideravelmente mais esquerdista ou neutral".

Em 1964, dez anos antes do golpe de Estado do 25 de Abril que pôs termo à ditadura, a CIA advertiu que as guerras em África levariam a um aumento do descontentamento interno e que esse "aumento do descontentamento poderá convencer os militares da necessidade de substituírem Salazar".

Nesse mesmo ano, o Conselho de Segurança Nacional advertiu o Presidente Johnson de que as perspectivas de Portugal em África eram péssimas.

"Já não se trata de uma questão de saber se Angola se tornará independente ou não, pois a única questão é saber quando e como, tal como aconteceu na Argélia. Do mesmo modo, é uma certeza que quanto mais a luta durar, mais violenta, racista e infiltrada pelos comunistas se tornará, mais grave será a crise final a que os Estados Unidos farão face e mais caótica, radical e anti-ocidental será Angola independente", diz o documento.

Durante os anos 60 e face a esses avisos, muitos funcionários norte-americanos referiram em documentos o seu desespero face à inflexibilidade do governo de Salazar em mudar a política colonial.

Paul Sakwa, o funcionário da CIA que elaborou o "Commonwealth Plan" manifestou dúvidas de que Salazar pudesse aceitar o plano "sem o benefício de uma lobotomia frontal".

Para o vice-secretário de Estado George Ball, Salazar elaborava a política externa de Portugal "como se o Infante D.

Henrique, Vasco da Gama e Fernando Magalhães fossem os seus conselheiros mais próximos".

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