A culpa é nossa. Aumento de vírus zoonóticos relacionado com o impacto dos humanos na vida animal

por Alexandre Brito - RTP
Imagem de arquivo Reuters

A caça, a pastorícia e a ocupação humana, com a criação constante de cidades, levou a uma quebra substancial da biodiversidade. Já se sabia. Um estudo agora publicado revela que essa ocupação humana do espaço animal levou a que tenhamos aumentado o número de vírus que partilhamos. Alguns de extrema gravidade como o novo coronavírus.

Neste trabalho publicado, na revista digital da sociedade de pesquisa biológica Royal Society, os cientistas identificaram os animais que ao longo dos últimos anos mais vírus transmitiram para os seres humanos.
 
E chegaram à conclusão que – olhando para 142 vírus conhecidos por terem sido transmitidos de animais para humanos – as espécies domesticadas, como as vacas, as ovelhas, os cães, as cabras, os porcos ou os gatos são quem mais partilha vírus com os humanos. Oito vezes mais em comparação com os animais selvagens.

As espécies domesticadas alojam em média 19.3 vírus zoonóticos. Muito mais do que os 0.23 identificados nas espécies selvagens. Zoonótico: São doenças, vírus, que podem ser transmitidas ao ser humano por animais

No top 10 dos animais que mais vírus partilham com os humanos estão oito espécies domesticadas: porcos, vacas, cavalos, ovelhas, cães, cabras, gatos e camelos.

Os únicos animais selvagens neste top 10 são os ratos de laboratório (Mus musculus) e o rato preto (Rattus rattus). Apesar de selvagens, são conhecidos por estarem e entrarem com frequência em zonas onde vivem seres humanos. Ou seja, estão muitas vezes no mesmo espaço.
Primatas e morcegos também partilham vírus com os humanos
Os mesmos cientistas revelaram que espécies de primatas e morcegos são igualmente muito capazes de transmitirem vírus para os humanos. Isto porque foram domesticados ou porque se ajustaram à vida com humanos, partilhando o mesmo espaço.

No artigo agora publicado é ainda destacado que os morcegos são hospedeiros de significativamente mais vírus zoonóticos do que qualquer outras espécies selvagens. Os morcegos têm aliás sido implicados como a fonte de infeções recentes,  com a SARS.
O que se pode fazer no futuro?
Sobre as conclusões deste estudo, os cientistas são muito claros ao afirmarem que os animais em extinção, com uma população reduzida, representam um risco muito menor para os humanos, quando comparado com os animais que têm uma grande ligação ou interação connosco.

Dizem ainda que habitações e ambientes agrícolas são os locais com maior risco de transmissão viral zoonótica, uma vez que aqui os humanos estão mais em contacto com os animais.
 
De acordo com estes cientistas, até hoje a vigilância de doenças tem sido muito limitada para várias espécies de animais. Nesse sentido, afirmam de forma muito clara que “são necessários esforços de vigilância em larga escala para identificar animais epidemiologicamente relevantes para vírus zoonóticos”.

Afirmam ainda que “os hospedeiros de animais selvagens para vírus zoonóticos têm sido amplamente sub-reconhecidos porque a maioria das espécies não foi amostrada no nível necessário para detectar vírus zoonóticos e muitas regiões geográficas carecem de dados adequados para modelagem“.

Para estes cientistas, não há dúvida de que a exploração da vida selvagem está a potenciar o risco de contaminação humana por vírus zoonóticos. Os cientistas argumentam ainda que essa contaminação está a acontecer mais vezes do que sabemos. Apenas uma pequena percentagem é detetada.

A vigilância de doenças febris agudas entre pessoas que estejam envolvidas com animais, principalmente animais selvagens, deve ser uma prioridade para permitir uma deteção mais rápida de doenças infecciosas emergentes e reemergentes. 

São necessárias também abordagens de vigilância que integrem a saúde animal e humana na monitorização de doenças infecciosas emergentes e considerem as mudanças ambientais que vão aumentar as interações animal-humano num futuro próximo.
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