A fórmula diferente da Turquia para combater a Covid-19

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Umit Bektas - Reuters

Na Turquia estão a ser implementadas medidas diferentes de todos os outros países. Existem recolheres obrigatórios aos fins-de-semana, restrições específicas para cada grupo etário e a recomendação de medicamentos utilizados no tratamento da malária. Medidas que podem justificar a baixa taxa de mortalidade, tendo em conta que a Turquia está entre os 10 países com maior número de casos de infeção por Covid-19.

No fim-de-semana passado, a Turquia implementou um recolher obrigatório durante 48 horas em 31 províncias, colocando três quartos da população em isolamento.

A medida foi anunciada apenas duas horas antes de entrar em vigor, instalando o pânico e uma total desordem: grandes aglomerações nos supermercados e padarias e um desrespeito pelas medidas de distanciamento social.

Perante este cenário caótico, o presidente turco, Recep Tayip Erdogan, dirigiu-se ao país e advertiu a população de que devia permanecer em casa, classificando a Turquia como um país forte o suficiente para proteger os seus cidadãos. Erdogan anunciou também que irá voltar a ser imposto o recolher obrigatório no próximo fim-de-semana.

A Turquia está, assim, a delinear o seu próprio caminho na luta contra a Covid-19 ao aplicar medidas distintas daquelas que estão a ser implementadas nos restantes países afetados pelo novo coronavírus. Esta fórmula está a ser alvo de diferentes críticas: se há quem acredite que poderá ter bons resultados, outros defendem que não será assim tão eficaz.
Restrições diferentes para jovens e idosos
A Turquia está a adotar medidas de restrições que divergem consoante a faixa etária. Durante a semana, apenas é exigido que permaneçam em casa os menores de 20 anos ou pessoas com idade superior aos 65 anos, o que significa, em teoria, que as restantes pessoas estão autorizadas a sair de casa.

Muitas pequenas empresas estão fechadas, os restaurantes apenas estão abertos para take-away ou entregas ao domicílio, os bancos têm um horário específico e locais públicos, como parques, estão igualmente encerrados. No entanto, as empresas de construção estão em pleno funcionamento, assim como fábricas e outros negócios que se mantêm abertos.

“É uma estratégia alternativa”
, disse o virologista Muhammad Munir à CNN, defendendo que não representa qualquer ameaça as pessoas saudáveis saírem para compras de rotina:

“Oitenta por cento das pessoas infetadas recuperaram. Portanto, se são pessoas saudáveis que não têm causas subjacentes, então isso é absolutamente útil. O único benefício do isolamento é que a propagação da doença será mais lenta, a pressão sobre os hospitais será reduzida”.

Já Jeremy Rossman, professor de virologia na Universidade de Kent, em Inglaterra, defende que a decisão sobre a eficácia destas medidas não é assim tão simples. Rossman observa que o isolamento parcial adequa-se quando aplicado ainda no início da epidemia e o país ainda tem um baixo número de casos de infeção, ou quando já foi atingido o pico de casos e o país está a levantar as medidas de restrição. A Turquia não se enquadra em nenhuma destas situações e Rossman alerta que à velocidade que a Turquia está a avançar no número de infetados, o isolamento parcial poderá não ser suficiente. Até ao momento, a Turquia regista mais de 74 mil infetados e 1.643 mortes.

“Ao nível da Turquia, a maioria dos países está a adotar um confinamento total. Um isolamento parcial pode ser benéfico, pode equilibrar ao manter parte da economia a funcionar enquanto se tenta conter o surto”, explica Rossman. “Depende do quão bem a população está a aderir às orientações e como estão a ser implementadas medidas como o distanciamento físico e a higienização das mãos nos locais de trabalho”, acrescenta.
Incerteza quanto aos números
A Turquia apenas anunciou o primeiro caso de infeção por Covid-19 no país a 10 de março, quando a pandemia já tinha alastrado há muito para a europa e assolava o país vizinho, o Irão. A partir desse dia, os números multiplicaram-se e a Turquia foi acusada de não ter divulgado todos os casos inicialmente.

Atualmente, a Turquia está em nono lugar na lista de países do mundo com mais casos confirmados, com este número a aumentar em mais de quatro mil casos por dia. No entanto, a taxa de mortalidade permanece baixa em comparação com muitos países, pouco acima de dois por cento. Em relação ao Irão, por exemplo, que conta com um total de infetados próximo ao deste país (79.494), a Turquia regista menos 3.315 mortes. Qual a explicação?

Em primeiro lugar, o Governo turco justifica os bons resultados com o tempo de preparação que obteve. O país diz ter poucos doentes nos cuidados intensivos e os hospitais ainda têm uma grande capacidade.

Por sua vez, a Associação Médica da Turquia justifica esta discrepância de números com o facto de os dados oficiais de mortes por coronavírus na Turquia não incluírem aqueles que testaram negativo, mas que apresentavam fortes indícios e infeção por Covid-19.

“Os médicos que pertencem à nossa associação relataram que mesmo que a tomografia computorizada (TAC) e/ou relatórios clínicos indiquem a doença, se os resultados dos testes não forem positivos, no caso de o paciente morrer, eles não serão registados como Covid-19”, disse a Associação Médica da Turquia num relatório citado pela CNN.
Protocolo de tratamento diferente
Já o ministro da Saúde da Turquia, Fahrettin Koca, argumenta que a baixa taxa de mortalidade se deve à grande capacidade do sistema de cuidados de saúde e a um protocolo de tratamento diferente dos outros países.

Koca diz que o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina e favipiravir no tratamento da Covid-19 – utilizados, inicialmente, para a prevenção e tratamento de malária – começou a ser aplicado muito tempo antes do que nos restantes países. De acordo com o jornal turco Daily Sabah, o Ministério da Saúde da Turquia armazenou um milhão de unidades destes fármacos um mês e meio antes de o novo coronavírus tem chegado ao país.

A hidroxicloroquina ou cloroquina é utilizada por alguns países no tratamento da Covid-19 nas fases mais avançadas da doença. Em Portugal, nomeadamente, foi autorizado o seu recurso apenas em alguns casos graves. No entanto, também aqui a Turquia se distingue e exigiu que o medicamento fosse aplicado não apenas em doentes diagnosticados com a doença, mas também a pacientes que estão em acompanhamento médico rigoroso ou até mesmo em suspeitos de infeção.

A utilização destes fármacos também não é um ponto consensual. O médico especialista Munir opõe-se ao uso destes dois medicamentos, considerando que o risco de efeitos secundários sobrepõe-se a qualquer benefício que a cloroquina possa ter.

“Os tratamentos têm muito pouco impacto”, explicou Munir à CNN. “Quando se trata de hidroxicloroquina, os pacientes podem ter recuperado da Covid-19, mas ao fim de um ano podem voltar a ter problemas cardíacos. É por isso que não existem evidências suficientes para aprovar esses medicamentos a uma grande escala”, acrescentou.

Para além disso, ao contrário, por exemplo, da China, a Turquia está a seguir o método de entubação precoce, utilizando oxigénio de alto fluxo por um período mais longo. De acordo com o Ministério da Saúde turco, este sistema traduz-se num tratamento mais rápido e bem-sucedido.

A Covid-19 surgiu na China em novembro e multiplicou-se por todo o mundo nos últimos meses. Até ao momento, existem mais de dois milhões de infetados e o número de mortes é superior a 147 mil.
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