Abdullah Abdullah desiste das presidenciais afegãs

O adversário do Presidente Hamid Karzai no processo eleitoral afegão pôs termo à candidatura, acusando o Governo de ignorar as suas exigências para um escrutínio justo. A uma semana da segunda volta das presidenciais, Abdullah Abdullah abandona a corrida em prol dos "interesses da nação", mas a candidatura de Karzai quer manter o acto eleitoral.

RTP /
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Abdullah Abdullah apelou aos seus apoiantes para que "não saiam à rua" S. Sabawoon, EPA

"Não vou participar nas eleições. Não foi fácil tomar esta decisão". Foi com estas palavras que Abdullah Abdullah selou este domingo o fim da sua candidatura à Presidência afegã, a escassos seis dias da segunda volta do processo eleitoral. Perante uma loya jirga (grande assembleia) com apoiantes e líderes tribais, em Cabul, o médico oftalmologista, que geriu a pasta dos Negócios Estrangeiros no Executivo de Karzai até 2006, adensou o caldo de incerteza que se abate desde Agosto sobre a frágil arquitectura institucional do Afeganistão pós-regime taliban. Cronologia das eleições afegãs

20 de Agosto: realiza-se a primeira volta das eleições presidenciais; a votação decorre sob apertadas medidas de segurança, depois de a guerrilha taliban ter ameaçado desencadear ataques para minar o escrutínio; o número de eleitores é estimado em 17 milhões. A participação fica-se pelos 38,7 por cento.

21 de Agosto: as candidaturas de Hamid Karzai e de Abdullah Abdullah reclamam, em simultâneo, a liderança no escrutínio; o adversário do Presidente começa a denunciar fraudes em massa.

25 de Agosto: são publicados os primeiros resultados parciais; Hamid Karzai surge na liderança com 40,6 por cento dos votos, contra 38,6 por cento atribuídos a Abdullah Abdullah.

6 de Setembro: a Comissão Eleitoral Independente anuncia a anulação dos resultados de 447 assembleias de voto, num total de 200 mil sufrágios; a maior parte dos boletins adulterados é detectada nas zonas de influência de Hamid Karzai.

14 de Setembro: Abdullah Abdullah exige a realização de uma segunda volta.

16 de Setembro: novos resultados preliminares dão 54,6 por cento dos votos a Hamid Karzai. Abdullah Abdullah não vai além dos 27,8 por cento; os observadores da União Europeia enviados ao Afeganistão acreditam que pelo menos um quarto dos votos levanta suspeitas.

11 de Outubro: a missão das Nações Unidas em Cabul admite a existência de "fraudes consideráveis".

20 de Outubro: segundo os resultados finais publicados pela Comissão Eleitoral Independente, Hamid Karzai reúne 49,67 por cento dos votos, ficando aquém da fasquia necessária para evitar uma segunda volta; o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Abdullah Abdullah conquista 30,59 por cento dos votos.

26 de Outubro: a candidatura de Abdullah Abdullah exige o afastamento do número um da Comissão Eleitoral Independente, Azizullah Lodin, uma figura tida como próxima do Presidente afegão; a exigência é prontamente rejeitada.

1 de Novembro:
Abdullah Abdullah deixa cair a sua candidatura; a equipa de Hamid Karzai afirma que a segunda volta, marcada para 7 de Novembro, deve ser realizada.

A decisão de abandonar as presidenciais, afiançou Abdullah, foi tomada tendo em linha de conta "os interesses da nação". Mas não deve ser lida como um apelo ao boicote da segunda volta do processo eleitoral: "Não fiz esse apelo".

Na base da desistência está a ausência de uma resposta do Governo e da Comissão Eleitoral Independente às exigências da candidatura de Abdullah Abdullah. A começar pela demissão do número um da autoridade eleitoral do país, responsabilizado pelas situações de fraude constatadas após a votação de 20 de Agosto.

Cenário de negociações

A Constituição afegã é praticamente omissa quanto às consequências da decisão agora adoptada por Abdullah Abdullah. A candidatura do actual Presidente, Hamid Karzai, já manifestou a intenção de levar a segunda volta por diante, mas sublinha que a renovação do mandato por cinco anos terá de ser confirmada pelo Supremo Tribunal do Afeganistão.

Alguns diplomatas ocidentais acreditam que o fim da candidatura de Abdullah pode fazer parte de um processo negocial entre os adversários políticos para um acordo de partilha de poder, o que contribuiria para atenuar a tensão no país. Outros adivinham em Hamid Karzai uma forte relutância em entregar um cargo de relevo num futuro governo de unidade a Abdullah Abdullah. Oficialmente, o director de campanha do rival de Karzai, Abdulsattar Murad, assegura que por ora o cenário de conversações está fora de questão.

A Comissão Eleitoral Independente já veio anunciar, por seu turno, que "haverá uma segunda volta" das presidenciais sem Abdullah Abdullah.

Indefinição dificulta decisões

Em Washington, o Presidente dos Estados Unidos aguarda há várias semanas por uma clarificação do impasse político no Afeganistão, numa altura em que as chefias militares norte-americanas instam a Casa Branca a reforçar em 40 mil soldados o dispositivo destacado para o combate à guerrilha taliban.

Se Barack Obama optar pelo aumento do contingente, terá pela frente dificuldades acrescidas na tarefa de justificar um redobrar do esforço de guerra e o apoio a um Governo já desgastado por uma nebulosa de corrupção e fragilidade política - a legitimidade da Presidência de Hamid Karzai ficará ainda mais minada por uma segunda volta com uma candidatura única.

Na véspera do anúncio de Abdullah Abdullah, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, desvalorizava a possibilidade de uma desistência, sustentando que uma tal decisão não retiraria legitimidade às eleições presidenciais: "Penso que não tem nada a ver com a legitimidade da eleição. Trata-se de uma escolha pessoal". 

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