Acidente com avião da GOL deixa feridas na alma de uma família portuguesa

O tempo parece ter outra dimensão para o irmã o e o filho do empresário português que morreu sexta-feira no maior acidente da história da aviação brasileira, em decorrência do choque entre um Boeing da GOL e um jacto Legacy.

Agência LUSA /

"Cheguei há um dia ao Brasil e parece que já se passou um mês, tantas s ão as coisas que estamos a viver. Isto não pode ser verdade. É mentira, é mentir a...", disse o irmão do empresário António Armindo, Dionísio, de 63 anos, num de poimento emocionado à agência Lusa.

"Eu estou em Brasília desde domingo. Parece uma eternidade", acrescento u Leandro, 33 anos, filho da vítima, que ainda não sabe quando poderá retornar a Portugal.

Hospedados num hotel juntamente com outras famílias das 155 vítimas do acidente, tio, sobrinho e também Janete, de 18 anos, filha mais nova do empresár io de Matosinhos, vivem a dor da perda associada à angústia do complexo resgate e difícil identificação dos corpos.

"As reuniões dos parentes das vítimas com autoridades brasileiras ainda hoje são sob base de suposições. A cada momento temos uma informação nova, que se contradiz com outra. Falaram inicialmente em 100 corpos que teriam sido encon trados, depois em 50, 39 e agora são só 19", disse Leandro.

O filho e o irmão de António Armindo mostraram-se também revoltados com o artigo de Joe Sharkey, o repórter do "The New York Times" que estava no Legac y, sobre a experiência que ele descreveu como uma "colisão com a morte".

"Os pilotos do Legacy foram tratados como heróis pelo `New York Times`.

Seriam heróis se fossem eles brasileiros e norte-americanas as vítimas do Boein g?", questionou Leandro.

"Esse senhor estava apenas preocupado com os americanos que ficaram det idos no Brasil. Não houve nenhuma palavra acerca das vítimas que estavam no voo da GOL, que possivelmente foram vítimas deles. Foi uma falta de respeito, de amo r com as pessoas", queixou-se Dionísio.

Em contrapartida, os dois portugueses agradeceram as manifestações de s olidariedade e a ajuda que estão a receber por parte de brasileiros, da companhi a aérea GOL e do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa.

Com a voz entrecortada, Dionísio contou à Lusa toda a dura vida do irmã o, cujo fim o impediu de conhecer o neto, que deverá nascer dentro de um mês.

Muito cedo, os irmãos Armindo perderam o pai, que era pescador, e pouco depois a mãe, que vendia peixes.

Os dois enfrentaram muitas dificuldades e até ordens de despejo no bair ro dos Pescadores, em Matosinhos, mas contaram com a ajuda de uma prima que foi para eles como uma segunda mãe.

Em 1968, António Armindo serviu como militar na Guiné-Bissau.

Casou-se por procuração quando acabou a tropa, mas continuou por mais u ns anos em Bissau trabalhando como electricista nos estaleiros navais.

O nascimento do primeiro filho, em 1973, não impediu o destemido portug uês de aventurar-se depois na Venezuela.

"Aquele gajo chegou sozinho a Caracas com um saco de roupa na mão, meia dúzia de tostões e sem conhecer ninguém", contou Dionísio, com lágrimas nos olh os ao lembrar-se, com orgulho, do irmão.

Após anos de trabalho, António Armindo conseguiu abrir uma empresa de p restação de serviços de electricidade, três padarias e um restaurante na Venezue la, mas a situação económica do país forçou o empresário a trocar todos os seus bens por um rés-de-chão em Faro, em finais dos anos 80.

"Meus pais e eu voltámos sem nada da Venezuela. Doía-me imenso ver o pa i deixar de tomar café e comprar cigarros para me dar dinheiro", afirmou Leandro , muito emocionado.

Em meio a essas dificuldades, nasceu Janete, a irmã de Leandro, em 1988 .

"Mas ele não desistia nunca. Foi sempre um lutador", referiu Dionísio, lembrando que o irmão abriu logo depois uma empresa de serviços no Pego, fregues ia do concelho de Abrantes, e logo depois aceitou trabalhar numa obra do Zaire, de onde voltou novamente sem nada para Portugal.

"Agora que ele estava mais tranquilo, acontece isso. António tinha cons eguido aumentar o património, tinha já 60 funcionários e estava a fazer empreita da para montar termoeléctricas no Brasil. As obras terminariam daqui a dois mese s", lamentou Dionísio.

E acrescentou: "A vida foi-lhe madrasta. Ele não merecia ter um fim ass im. António vai fazer-me muita falta, porque eu era também como um pai para ele. Não tenho agora com quem ralhar..."


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