Acordo com direita ameaça endurecer lei da imigração em França

Regras de naturalização mais duras, expulsão de migrantes ilegais ou com cadastro, dificuldades acrescidas no acesso a assistência médica para os migrantes em situação irregular, poderão em breve tornar-se uma realidade em França.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Manifestação em Paris contra a nova lei de imigração francesa Sarah Meyssonnier

Assim o pretende a direita dos Les Republicains, LR, à boleia de uma proposta legislativa sobre a migração, muito menos dura, apresentada pelo ministro do Interior, Gérard Damanin, e cujo texto final final ameaça agora a presidência francesa. Na sua origem, este projeto-lei, o 30º em quatro décadas, pretendia equilibrar um lado repressivo, quanto à expulsão de estrangeiros, com promessas de regularização de trabalhadores, essenciais a alguns setores económicos, como a restauração.

Na semana passada, direita e esquerda uniram-se para chumbar o texto legislativo, após meses de debate entre senadores e deputados.

A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, liderou então uma nova tentativa de elaboração de um texto de compromisso, através de uma Comissão Mista Paritária, CMP, que se reuniu esta segunda-feira, apesar de alguns percalços, para rever o projeto-lei adotado pelos senadores, a 14 de novembro.

Em caso de luz verde, com uma maioria simples, de oito votos em 14, a bastar para o acordo, o texto será submetido já esta terça-feira a votação nas duas câmaras da Assembleia, sem possibilidade de emendas. Às 14h30 no Senado, de maioria de direita e de centro, e às 17h00 na câmara baixa, onde o partido da presidência detém maioria relativa.

Este fim-de-semana, o presidente francês prometera abandonar esta reforma, apesar de poder forçar a sua imposição, se a CMP não conseguisse um texto de acordo ou se a legislação fosse de novo chumbada pela Assembleia.

Macron disse contudo confiar num "compromisso inteligente".
"Mascarada"
As dificuldades de negociação que marcaram esta legislação desde o início, tornaram-se de novo evidentes esta segunda-feira, com o LR a exigir alterações de última hora ao texto proposto e que incluía afinal disposições com as quais discordava sobre apoios aos imigrantes. 

Os trabalhos da CMP ficaram suspensos durante quase quatro horas enquanto se procurava um acordo, levando a protestos da esquerda, que denunciou uma "mascarada", com os ecologistas a criticarem a "incapacidade" do executivo em conseguir acordos e os socialistas a proporem o adiamento do processo para janeiro, contrariando Emmanuel Macron, que queria a questão resolvida antes do Natal.

Jean-Luc Mélanchon, da França Insubmissa, denunciou "um entendimento secreto nojento" entre o campo presidencial e o LR.

O presidente francês joga aqui um dos pacotes legislativos mais importantes da sua segunda legislatura, mas as cedências necessárias às exigências da direita e da extrema-direita ameaçam dividir a maioria relativa que detém na Assembleia com custos políticos graves.

Mesmo com acordo de texto na CMP, existe a possibilidade de parte dos deputados da maioria relativa de Macron resolver faltar à chamada para a votação.

Ao mesmo tempo em que a CMP decidia se avançava ou não, em plena Praça da República de Paris, milhares de pessoas juntavam-se em defesa dos direitos dos migrantes, no dia que se comemorava precisamente o Dia Internacional dos Migrantes.
O que exige a direita

Numa tentativa de facilitar o acordo, ainda antes da reunião, a primeira-ministra Elisabeth Borne anunciara o compromisso de reformar, "no início do ano de 2024", a assistência médica estatal, AME, dada aos migrantes em situação irregular ao fim de três meses em França.

Era uma exigência da LR. O seu presidente parlamentar, Bruno Retailleau, tinha exigido este compromisso a Borne, "por carta até às 17h", sem o qual não haveria acordo.

Para o LR é essencial "diminuir a atratividade do sistema social" francês, de forma a reduzir a procura da imigração, explicou Retailleau. Nomeadamente, condicionar a cinco anos de presença em França a concessão a estrangeiros de prestações sociais não contributivas.

Apesar da cedência quanto ao AME, os republicanos perceberam que uma daquelas prestações, as ajudas personalizadas ao alojamento, APL, tinham sido "reintroduzidas na lista das prestações acessíveis aos estrangeiros", denunciou Retailleau, o que levou ao impasse na CMP, segunda-feira.

"Isso não estava conforme ao texto do Senado e aos compromissos que recebemos", acrescentou. "Para nós era uma linha vermelha", declarou à imprensa outro deputado, Ludovic Mendes, do partido Renaissance.

O LR exige ainda dificultar as regras para a naturalização, incluindo o prolongamento de cinco para 10 anos do período de permanência no país, ou a obrigatoriedade de estar casado com um cidadão de França durante cinco anos, em vez dos atuais quatro.

Tornar mais abrangentes e efetivas as medidas de expulsão de migrantes ilegais ou com registo criminal é outra proposta.

A ser aprovado, este pacote legislativo sobre a migração em França anuncia-se como um dos mais duros de sempre.
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