Admirador de Trump. Demitiu-se o ministro das Relações Exteriores do Brasil

por Cristina Sambado - RTP
Amanda Perobelli - Reuters

O ministro das Relações Exteriores de Jair Bolsonaro renunciou ao cargo depois de ter sido fortemente criticado por diplomatas e deputados, que o acusaram de demolir a reputação internacional do Brasil e de colocar a vida de milhares de brasileiros em risco. Ernesto Araújo tornou-se famoso por criticar a China e defender os Estados Unidos no início da pandemia de Covid-19.

Para os críticos do Governo de Bolsonaro, esta demissão representa o ponto final no capítulo mais desastroso da história da diplomacia do Brasil.

“Uma coisa é certa, ele é o pior ministro das Relações Exteriores que o Brasil já teve”, afirmou Celso Amorim, que ocupou o cargo entre 2003 e 2011, ao jornal britânico The Guardian.

Ernesto Araújo foi escolhido para ministro das Relações Exteriores em novembro de 2018, quinze dias depois da vitória de Bolsonaro, apesar de nunca ter servido o país como embaixador.

Durante a sua supervisão, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil – internacionalmente respeitado – adotou uma abordagem de extrema-direita em questões como os direitos reprodutivos e o meio ambiente. Durante esse período o país colocou-se ao lado de nacionalistas de direita como o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e abandonou a sua posição como líder global contra as alterações climáticas. Ernesto Araújo e outros bolsonaristas, incluindo o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, destruíram os laços com a China.
Jair Bolsonaro fez uma reforma ministerial e alterou os titulares de seis pastas num só dia. Além do ministro das Relações Exteriores, o presidente alterou a titularidade das pastas da Justiça, Casa Civil, da Defesa, da Secretaria de Governo e da Advocacia-Geral da União.
Araújo – que declarou Trump como “o salvador do ocidente” – atacou vários responsáveis do Partido Comunista chinês e chegou a chamar o novo coronavírus de “comunavírus”.

Além disso, teve um atrito direto com o embaixador da China no Brasil por comentários que questionavam a eficácia da produção de vacinas produzidas naquele país e aludiam à origem do vírus, detetado pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan.

Recentemente classificou os extremistas pós-Trump que invadiram o Capitólio de “cidadãos íntegros”.

Ernesto Araújo orientou ainda mudanças de posições históricas do gigante sul-americano em instituições multilaterais e promoveu embates com importantes parceiros comerciais do país, nomeadamente a China.

A oposição ao mandato de 27 meses de Araújo como inquilino do Itamaraty – a sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em Brasília – explodiu este mês com a propagação da pandemia de SARS-CoV-2 no país, que provocou a morte a mais de 312 mil cidadãos. Muitos dos seus opositores acusaram-no de má gestão das relações com a China, Índia e Estados Unidos e pelo fracasso do país em garantir quantidades suficientes de vacinas.

Na passada semana, durante uma audiência parlamentar, os senadores repreenderam o ministro das Relações Exteriores, dizendo-lhe: “Saia, você vai salvar vidas”.


Alguns dias depois, alguns diplomatas romperam a hierarquia e numa carta aberta denunciaram o “grave dano” que Araújo estava a provocar nos interesses brasileiros.

Um diplomata afirmou ao jornal brasileiro Folha de São Paulo que Ernesto Araújo, antes considerado como um “maluco excêntrico” era agora visto como uma “personagem nefasta e criminosa”.

Já Celso Amorim, que ocupou a pasta durante o Governo de Lula da Silva tem pouca esperança numa mudança na política externa do Brasil enquanto Bolsonaro estiver no poder. “Na melhor hipótese, passamos de péssimos a muito maus. O Brasil está totalmente isolado. Vai demorar muito tempo para recuperar a nossa credibilidade”.
Leilão do 5GNo domingo, Ernesto Araújo provocou uma nova onda de críticas ao insinuar nas redes sociais que parlamentares pressionavam a sua demissão para fazer lobby em favor da participação de empresas chinesas no leilão do 5G, que deverá acontecer no meio do ano, citando diretamente a presidente da Comissão das Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu.

"Desconsiderei a sugestão inclusive porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio Presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria", acrescentou o ministro demissionário.

Após a publicação, a senadora Kátia Abreu divulgou uma nota frisando que "o Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos factos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições."

A senadora acrescentou que, "se um chanceler [ministro das Relações Exteriores] age dessa forma marginal com a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República de seu próprio país, com explícita compulsão belicosa, isso prova definitivamente que ele está à margem de qualquer possibilidade de liderar a diplomacia brasileira".

"Temos de livrar a diplomacia do Brasil de seu desvio marginal", concluiu Kátia Abreu.
As justificações na carta de demissão Na segunda-feira, Araújo partilhou na rede social Twitter a carta de demissão que apresentou a Jair Bolsonaro - a quem o ex-ministro das Relações Exteriores se referiu como “querido chefe”.

No texto, afirma que lutou contra “correntes frontalmente adversas” no Itamaraty, e que nas últimas semanas foi submetido a uma “situação impossível: ergueu-se perante mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual a minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas”.

“A verdade não importa para as correntes que querem de volta o poder - esse poder que, durante as décadas que o exerceram, só trouxe ao Brasil corrupção e desgraça”, acrescenta.

O diplomata frisa ainda que colocou o lugar à disposição em prol do “projeto de transformação nacional” liderado por Bolsonaro, por quem tem “respeito, admiração e afeto”.
Carlos Alberto Franco França sucede a Ernesto Araújo
Jair Bolsonaro escolheu para ministro das Relações Exteriores o embaixador Carlos Alberto Franco França, diplomata de carreira que estava na assessoria especial da Presidência da República.

Carlos Alberto Franco França, de 57 anos e ex-chefe do Cerimonial do Palácio do Planalto, é tido por vários diplomatas como "conciliador", mas pouco experiente por nunca ter chefiado uma missão diplomática no exterior.


Durante a sua carreira, Franco França atuou nas embaixadas em Washington (Estados Unidos), Assunção (Paraguai) e La Paz (Bolívia), segundo a imprensa local.

É sob a alçada do Ministério das Relações Exteriores que decorrem as negociações para a ratificação do acordo entre União Europeia (UE) e o bloco sul-americano Mercosul, o que deverá implicar a redação de uma side letter [carta lateral, em português], com compromissos de sustentabilidade por parte do Brasil.

Questionado sobre um eventual impacto nas negociações após esta alteração no Ministério, o embaixador de Portugal em Brasília, Luís Faro Ramos, disse à Lusa que espera "continuidade".

"O que me parece é que este Governo é muito aberto a considerar os tais assuntos para a side letter e esperamos que o próximo ministro das Relações Exteriores prossiga essa linha de abertura", disse à lusa o diplomata português, frisando que espera "continuidade" do lado brasileiro.

C/Agências
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