Advogados moçambicanos apontam "falta de interesse" em esclarecer duplo homicídio

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) apontou hoje "falta de interesse" da Procuradoria em esclarecer o homicídio do advogado Elvino Dias, ataque que também Paulo Guambe, reiterando que há condições para que o crime seja resolvido.

Lusa /

"Assim como as outras forças sociais que têm reclamado, nós confessamos também que estamos bastante indignados pela morosidade processual", disse Nairo Moniques, vice-presidente da Comissão de Defesa e Reforço das Prerrogativas da OAM, durante uma mesa redonda, em Maputo.

Elvino Dias, conhecido em Moçambique como "advogado do povo", pelas causas sociais e apoio que prestava sobretudo aos mais desfavorecidos, morreu numa emboscada na noite de 18 para 19 de outubro de 2024, crime sem explicação e associado desde então a motivações políticas.

A OAM constitui-se assistente neste processo, que um ano depois continua em investigação sem suspeitos conhecidos.

Na altura, Elvino Dias era assessor jurídico do então candidato Venâncio Mondlane e o carro que conduzia, no centro de Maputo, foi intercetado por duas viaturas, de onde saíram homens armados que fizeram dezenas de disparos, atingindo mortalmente, além de Elvino Dias, de 45 anos, também Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiou aquele candidato presidencial nas eleições de 09 de outubro de 2024.

Segundo Moniques, que falava no evento sobre as "Prerrogativas dos Advogados em Memória do Elvino Dias", até agora "parece não haver algum interesse por parte da Procuradoria [Geral da República] em querer esclarecer o que é que realmente aconteceu e o quem foi que cometeu o crime".

"Somos de opinião e porque, assim como os magistrados, nós somos advogados e entendemos quais são as diligências necessárias que devem ser levadas a cabo, entendemos que há condições para que esse crime bárbaro seja esclarecido", afirmou.

Para a OAM, o recurso a câmaras de segurança instaladas em infraestruturas próximas ao local do crime, que ocorreu na avenida Joaquim Chissano, podia ajudar a resolver o crime: "até então não vimos nada acontecer a respeito disso".

"Além do que estamos aqui a chamar a apelação, já vimos o CIP [Centro de Integridade Pública] a dizer que apresentou provas concretas de quem foram os autores, e isto está na posse da procuradoria, com certeza que ele pode fazer o uso para fazer a justiça", disse Nairo Moniques.

Para os advogados, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) e o Ministério público moçambicano, devem sentir-se "desafiados" a esclarecer este crime, "por incumbência legal" de serem quem detém "o poder para repor a legalidade".

"A demora na investigação e no julgamento não fere apenas a memória de Elvino Dias. Ela desacredita as instituições da justiça e transmite à sociedade a perigosa mensagem de que crimes contra advogados podem ficar impunes", afirmou Moniques.

Na ocasião, Carlos Martins, bastonário da Ordem, assinalou haver uma "nítida certeza" de que o assassínio daquele advogado representa um ataque à classe e suas prerrogativas.

"Elvino Dias acabou por ser assassinado por aquilo que ele fazia enquanto advogado e ele não usou armas, usou a caneta, não usou a força, usou a inteligência", acrescentou.

Há precisamente um ano, o crime deu origem, dois dias depois, à contestação popular ao processo eleitoral, que se prolongou, num cenário de violência e cerca de 400 mortos e mais de 800 baleados, por mais de cinco meses, segundo organizações da sociedade civil.

A polícia moçambicana disse na sexta-feira à Lusa ainda estar a investigar o duplo homicídio de Elvino Dias e Paulo Guambe, sem avançar mais informações por questões de segurança.

"Está a ser feito um trabalho com vista ao esclarecimento do processo", disse à Lusa João Adriano, porta-voz do Sernic em Maputo.

O Conselho Constitucional proclamou em 23 de dezembro de 2024, dois meses e meio após a votação, Daniel Chapo como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos nas eleições gerais de 09 de outubro, seguindo-se Venâncio Mondlane, com 24%, mas que nunca reconheceu os resultados.

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