Advogados moçambicanos criticam falta de respostas um ano após duplo homícidio

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) criticou hoje a falta de avanços na investigação ao homicídio, há um ano, do advogado Elvino Dias, assumindo que sem respostas o sistema de justiça "será sempre questionável".

Lusa /

"Enquanto este crime não for desvendado, a nossa pureza moral, dentro do Sistema da Administração da Justiça, será sempre questionável, pois o nosso ilustre colega, doutor Elvino Bernardo António Dias, foi executado, pelo simples facto de exercer sem medo a sua nobre profissão. É tempo de acusar, julgar e condenar", lê-se num comunicado da OAM, assinado pelo bastonário, Carlos Martins.

Em causa está o homicídio, com dezenas de tiros, de Elvino Dias e também de Paulo Guambe, dois apoiantes do político e então candidato presidencial Venâncio Mondlane, na noite de 18 para 19 de outubro de 2024, logo após as eleições gerais, no centro de Maputo, crime que continua por explicar, e sem suspeitos conhecidos.

Dois dias depois, começou a contestação popular ao processo eleitoral, que se prolongou por mais de cinco meses em Moçambique.

"Precisamos de ter coragem e solidariedade dentro da classe, quando o autoritarismo tomou conta da sociedade. Podemos ser os próximos. Mas mesmo conscientes de podermos ser os próximos, se tivermos de cair, cairemos com a mesma verticalidade com que o nosso ilustre colega caiu", lê-se na mesma nota.

A Ordem lembrou que "os autores morais e materiais desde odiento assassinato", um ano depois, "ainda não foram identificados, não havendo avanços nas investigações, a não ser pelo facto das autoridades competentes", casos do Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) e da Procuradoria Geral da República (PGR), "fornecerem, de tempos a tempos, desculpas pela injustificável e inaceitável morosidade processual".

"Neste caso, não podemos confiar na sabedoria popular, `dando tempo ao tempo`, porque quanto mais tempo se der ao tempo mais ele apaga os vestígios, rastos e as memórias daqueles que ousaram cometer este abominável crime", apontou.

Elvino Dias, conhecido em Moçambique como "advogado do povo", pelas causas sociais e apoio que prestava sobretudo aos mais desfavorecidos, morreu na noite de 18 de outubro de 2024, numa emboscada, segundo a polícia, num crime desde então associado a motivações políticas.

Na altura era assessor jurídico de Venâncio Mondlane e o carro que conduzia foi intercetado por duas viaturas, de onde saíram homens armados que fizeram dezenas de disparos, atingindo mortalmente, além de Elvino Dias, de 45 anos, também Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiou aquele candidato nas eleições de há um ano.

A Ordem, que convocou para segunda-feira os advogados do país para uma homenagem no local do homicídio, lembrou a "comoção nacional e marés vivas de indignação" provocadas pelo crime, há um ano, "quanto mais não fosse por se tratar de um profissional comprometido e dedicado à liberdade, à democracia e aos direitos fundamentais", mas apontou que se assiste hoje "ao violento ataque às prerrogativas do exercício da advocacia, que preconiza que os profissionais do foro possam exercer as suas funções com independência, isenção e autonomia técnica e funcional".

A OAM disse que Elvino Dias "deixou profundos ensinamentos à classe", como sejam "não procurar impor" ideias "à força ou pela subversão, mas tão-só utilizando o caminho da lei e das instituições".

"Pois só pela Justiça se alcança os meios pacíficos de convivência harmoniosa, e que a identidade nacional se alcança através de um conjunto de valores, discutidos às claras, de forma transparente, ou seja, em cima da mesa e sem verdades absolutas e duradouras", referiu o comunicado, afirmando que Elvino Dias "nunca se curvou diante de qualquer tipo de ameaça, velada ou expressa, demonstrando sempre coragem, adicionada pela verticalidade".

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