Afeganistão. China faz vénia modesta aos taliban na mira do controlo do islamismo

A China convidou uma delegação taliban para reuniões, quando o vizinho Afeganistão vive tempos tumultuosos de conflito pelo controlo territorial, entre o exército regular leal ao Governo afegão e os combatentes do grupo islamita que tenta recuperar o poder perdido há 20 anos.

Graça Andrade Ramos - RTP /
O ministro chinês dos Negócios Estrangeiros e conselheiro de Estado Wang Yi, durante uma reunião em Tashkent, Uzbequistão,na Cimeira da Ásia central em 16 de julho de 2021 Reuters

Um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China sobre o resultado dos encontros desta semana ao mais alto nível foi elucidativo quanto às espectativas e ao respeito pelo grupo, tal como o local escolhido para as reuniões, a cidade costeira de Tianjin, no nordeste da China. Para os islamitas, o convite da diplomacia chinesa era irresistível e uma ocasião para cimentar a sua legitimidade internacional. A delegação de nove representantes, chefiada pelo Mullah Baradar Akhund, o principal negociador do movimento e vice do líder Mawlawi Hibatullah Akhundzada, ouviu o que queria e um aviso velado.

Os taliban, “uma força central política e militar”, deverão “desempenhar um papel importante no processo de reconciliação pacífica e reconstrução do Afeganistão”, aconselhou o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi.

Palavras que valorizaram o estatuto do movimento islamita afegão, cujos ganhos territoriais e militares recentes aproveitaram a retirada das forças norte-americanas e ocidentais, a qual deverá terminar em 31 de agosto.

A miragem do apoio de Pequim a um eventual regresso taliban ao poder terá um preço. Wang expressou a expectativa de que o movimento islamita afegão não apoie o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, que estará a agitar a região chinesa de Xinjiang e é considerado “uma ameaça direta à segurança nacional da China”.Ameaça islamita
O mês passado as forças taliban conquistaram grande parte da província afegã do Badaquexão, que faz fronteira com a província de Xinjiang no sudeste da China, no extremo de uma região estreita e montanhosa, com 150 quilómetros de extensão e entre 13 a 65 quilómetros de largura, conhecida como Corredor de Wakhan. Do lado chinês fica Xinjiang, lar da minoria islâmica Uigur, que tem estado a ser alvo de perseguições por parte de Pequim. Centenas de milhares de uigures foram detidos em campos de trabalho em nome da luta contra o terrorismo.

Pequim espera que, ao contrário do que sucedeu com a al Qaida, os islamitas afegãos não permitam ao Movimento Islâmico do Turquestão utilizar território afegão como base de ataques às áreas vizinhas chinesas na defesa dos uigures.

A desestabilização registada no Afeganistão desde maio não convém a Pequim, ainda menos do que a presença militar norte-americana. A sua maior vantagem é a paz e um acordo entre os poderes afegãos que afastem a possibilidade de nova intervenção internacional.

De acordo com o comunicado ministerial chinês, os taliban foram aconselhados por Wang a polir a sua imagem diplomática e a “erguer bem alto a bandeira das conversações de paz”.
Reação taliban
O porta-voz designado dos taliban, Mohammed Naeem, tweetou depois que durante os dois dias de reuniões foram debatidas questões de “política, economia e assuntos relacionados com a segurança de ambos os países e a atual situação do Afeganistão e o processo de paz”.

Os taliban anuíram às exigências de Pequim e obtiveram por seu lado garantias de apoio.

A “delegação garantiu à China que [os taliban] não irão autorizar ninguém a utilizar o território afegão contra a China”, afirmou Naeem.

A “China também reiterou o seu compromisso quanto à continuação de apoio aos afegãos e disse que não irá interferir em assuntos afegãos mas irá ajudar a resolver os problemas e o país a regressar à paz”, acrescentou porta-voz, revelando ainda que o grupo se reuniu igualmente com o enviado especial da China para o Afeganistão.
Silêncio em Cabul
Ao longo do último mês, os taliban não se têm limitado a ganhar terreno e a cimentar a sua influência interna. Têm apostado na diplomacia regional para cimentar a sua influência e poder dentro de Afeganistão.

Visitaram Teerão, Moscovo e Ashgabat, capitais do Irão, da Rússia e do vizinho Turquemenistão, para reuniões com responsáveis. O encontro com Wang foi a sua maior conquista diplomática até agora.

Todas estas iniciativas foram acolhidas em silêncio pelo Governo de Cabul e as reuniões com a China não foram exceção. Esta não foi a primeira vez que Pequim estendeu a mão aos taliban. Em 2019 realizaram-se reuniões em Pequim, mas não a tão alto nível nem de forma tão pública.

Sinal da simpatia intencional do poder chinês, Wang foi filmado a cumprimentar calorosamente o Mullah Abdul Ghani Baradar e posou com outros diplomatas chineses e todos os nove membros da delegação islamita.

O encontro sublinha a forma como os antigos senhores do Afeganistão, derrubados em 2001 após os ataques do 11 de Setembro, estão a conseguir modificar a sua imagem e a forma como são considerados pelos poderes regionais

Desde o anúncio da retirada dos Estados Unidos, em abril, os taliban lançaram uma ofensiva militar que lhes permitiu controlar grande parte do território rural e das fronteiras do Afeganistão. O exército regular mantém-se entrincheirado nas maiores cidades, incluindo Cabul. Os taliban preferem o cerco e a capitulação à ação militar ativa, que poderia fazer regressar as tropas estrangeiras e manchar a imagem de liderança capaz e pacífica em que estão a apostar.
Calma dos EUA
Em finais de 2020 representantes do Governo afegão apoiado pelo Ocidente e uma delegação taliban iniciaram um diálogo apadrinhado por Washington, em Doha, capital do Qatar. Os progressos têm sido quase nulos e a retirada militar dos Estados Unidos e seus aliados selou a inutilidade dos esforços.

Cabe aparentemente agora aos poderes regionais encontrar uma solução pacífica para o Afeganistão e os taliban estão cientes disso.

Ao optar pela retirada, a Administração do Presidente norte-americano Joe Biden preferiu manter a neutralidade. A estratégia foi confirmada pela reação calma perante a iniciativa chinesa.

Se Pequim estiver a promover uma resolução pacífica do conflito e “alguma forma de governo” afegão, “realmente representativo e inclusivo”, isso é “uma coisa positiva”, disse o secretário de Estado, Antony Blinken.

“Ninguém está interessado numa conquista militar por parte dos taliban e na restauração de um emirado islâmico”, afirmou ainda o chefe da diplomacia norte-americana, numa entrevista à televisão CNN-News18 durante uma visita a Nova Deli, na Índia.
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