Ahmed Nasser Al-Raisi. Novo presidente da Interpol acusado de tortura

por RTP
Reuters

O advogado de um defensor dos Direitos humanos, preso nos Emirados Árabes Unidos, apresentou na terça-feira, em Paris, uma nova queixa por "tortura" e "atos de barbárie", na secção de Crimes contra a Humanidade da procuradoria antiterrorista (PNAT), contra o novo presidente da Interpol, Ahmed Nasser Al-Raisi, dos Emirados Árabes Unidos. Não é a primeira acusação contra o major-general, mas esta nova queixa acontece quando Al-Raisi está em solo francês, de visita à sede da Interpol.

Eleito no final de novembro para a liderança da organização internacional de cooperação policial, Al-Raisi já tinha sido visado por duas queixas, mas que foram arquivadas pela PNAT, por falta de competência, uma vez que o visado não residia em França e não se encontrava em solo francês. Mas desta vez Al-Raisi encontra-se em França, avança a imprensa local, o que levou a tentativa de nova queixa, dando competências à justiça francesa para investigar o caso.

Uma das primeiras acusações, apresentada a 7 de junho pela organização não-governamental (ONG) Centro do Golfo para os Direitos Humanos (GCHR, na sigla em Inglês), referia-se ao caso do opositor Ahmed Mansoor, detido em Abou Dhabi "em condições constitutivas de atos de tortura". Agora, a mesma ONG voltou a apresentar queixa contra Al-Raisi.

William Bourdon, advogado do defensor de Direitos Humanos e blogger dos Emirados Árabes Unidos Ahmed Mansoor – condenado a dez anos de prisão nos EAU por acusações de “insulto” ao “prestígio” do país e aos seus líderes nas redes socias -, informou a comunicação social que apresentou a queixa contra Al-Raisi num tribunal de Paris sob o princípio da jurisdição universal.

A ONG excluiu ainda da sua eventual imunidade o facto de o general dos EAU continuar a exercer funções policiais em Abou Dhabi, onde Ahmed Mansoor continuaria detido em condições constitutivas de "tortura", segundo os queixosos.
Eleição contestada

Al-Raisi seria, segundo a ONG que fez a queixa, é um dos responsáveis pelas torturas, um motivo de retirada da imunidade diplomática da qual beneficia conforme o acordo de 2008 que rege as relações entre a França e a Interpol, organização da qual acolhe a sede.

"Proceder à sua interpelação imediatamente é uma obrigação imperativa da França, nos termos das convenções internacionais que assinou", declarou William Bourdon, também advogado da ONG.

A segunda queixa, antes desta mais recente, foi apresentada no início de outubro por Rodney Dixon, advogado de dois queixosos britânicos, Matthew Hedges e Ali Issa Ahmad, que relataram, em Lyon, factos de detenção arbitrária e tortura em 2018 e 2019. E, também na terça-feira, e de forma independente, Dixon apresentou uma queixa aos juízes de investigação da unidade judiciária especializada para Crimes contra a Humanidade e crimes de guerra do Tribunal de Paris.

Desde o início que a escolha de Al-Raisi, em Istanbul, aconteceu com grande pesar e contestação dos defensores dos Direitos Humanos e responsáveis políticos, que consideraram que prejudicava a missão da Interpol, face ao seu alegado envolvimento em atos de tortura e detenções arbitrárias nos Emirados Árabes Unidos.

Contudo, a função de presidente é essencialmente honorária, uma vez que o verdadeiro dirigente é o secretário-geral.

Até agora, os Emirados Árabes Unidos negaram todas acusações contra al-Raisi. E, na terça-feira à noite, a Interpol reagiu informando que "as acusações contra o Al-Raisi eram um assunto entre as partes envolvidas".

Foi o próprio Al-Raisi que anunciou a viagem à sede de Lyon numa publicação no Twitter, na segunda-feira.

"Com o início do novo ano, começo hoje a minha primeira visita a Lyon, em França, como presidente da Interpol", escreveu.



"A presença de Al-Raisi em território francês desencadeia a jurisdição universal dos tribunais franceses e a imunidade não pode ser invocada", disse Rodney Dixon, advogado dos britânicos Matthew Hedges e Ali Issa Ahmad.

Hedges, um estudante de doutoramento que foi detido nos Emirados Árabes Unidos quase sete meses em 2018, acusado de espionagem, afirma ter sido submetido a tortura e a meses de confinamento solitário. Já Ahmad, treinador de futebol, disse ter sido torturado pela agência de segurança dos Emirados Árabes Unidos durante a Taça da Ásia 2019.

Ambos os britânicos apresentaram queixa contra Al-Raisi aos promotores do Tribunal de Paris em outubro, queixa essa que ainda está pendente.

Agora, a queixa criminal apresentada na terça-feira diretamente aos juízes do tribunal – com Al-Raisi em território francês – significa que os juízes franceses "devem abrir imediatamente uma investigação sobre as acusações contra ele", explicou o advogado.

"De acordo com a lei francesa, uma investigação aberta pode levar à detenção de Al-Raisi para interrogatório enquanto estiver em território francês, agora ou sempre que regressar", disse Dixon.
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