Alterações climáticas. Eleições fomentam conflito de gerações nos EUA

Numa altura em que ainda se aguardam os resultados eleitorais, a futura liderança dos EUA não é o único tema a dividir famílias. As eleições presidenciais vieram estimular o sentimento de revolta e indignação dos mais jovens perante as alterações climáticas que, por sua vez, é recebido pelas gerações mais velhas com indiferença ou mesmo com negação.

Mariana Ribeiro Soares - RTP /
"Tornem o mundo verde outra vez", lê-se num cartaz durante um protesto contra as alterações climáticas Hannibal Hanschke - Reuters

Inspirados pela jovem ativista Greta Thunberg, cada vez mais jovens norte-americanos olham para as alterações climáticas como um grave problema que cada vez tem mais impacto no mundo atual, mas que também ameaça o futuro.

Para além disso, numa altura em que se aguardam os resultados eleitorais das presidenciais norte-americanas, a crise climática passou a estar ainda mais no centro das preocupações dos mais jovens que lutam por um novo rumo político e climático.

A crise climática foi um dos principais temas em debate durante a campanha eleitoral dos dois maiores partidos norte-americanos. Enquanto Trump deu um passo atrás em vários regulamentos sobre poluição, rejeitou a ciência, desvalorizou constantemente o papel das alterações climáticas e retirou os EUA do Acordo Climático de Paris, o candidato democrata Joe Biden afirmou que a crise climática é uma “emergência” e uma “ameaça existencial” para os EUA e está a promover um plano de dois biliões de dólares para criar uma rede de energia 100 por cento renovável num prazo de 15 anos.

Embora as sondagens mostrem que uma clara maioria dos americanos acredita que o clima está a mudar e exige uma resposta governamental às inúmeras ameaçadas, o debate foi atraído a níveis extremos nunca vistos em outras democracias. Durante a noite eleitoral de terça-feira que se prolongou para a madrugada, uma sondagem da CNN sublinhou que 66 por cento dos eleitores norte-americanos assumem estar preocupados com as alterações climáticas. Por outro lado, 31 por cento dos eleitores dizem que as alterações climáticas não são um problema sério.

Para além de uma divergência política, um conflito de gerações também está a emergir, à medida que a camada mais jovem da população – mesmo jovens conservadores – estão cada vez mais alarmados com o impacto do aquecimento global. Enquanto os mais jovens lutam por um sentimento de despertar e indignação, a ameaça do aquecimento global é recebida pelas gerações mais velhas com indiferença ou até mesmo negação.

Uma pesquisa realizada no início deste ano concluiu que 80 por cento dos eleitores com idades entre os 18 e 29 anos considera a crise climática “uma grande ameaça à vida na Terra”. Por sua vez, entre a população mais idosa, principalmente eleitores republicanos, a percentagem de preocupação perante esta ameaça é muito menor.

“Consigo ver uma divisão muito clara entre gerações”, diz Lily Jarosz, de 17 anos, residente em Pittsburgh. Em declarações a The Guardian, Jarosz diz que os seus pais são “apolíticos da Geração X”, enquanto a avó é bastante hostil ao tema. “Ela perguntou-me várias vezes ‘o que é que isso importa?’. Isso magoa-me muito, como se ela não se preocupasse comigo ou não percebesse a atualidade do problema”, admitiu a jovem.
Trump “é uma ameaça para tudo o que eu amo”
Na família de Gemma Gutierrez, uma jovem norte-americana de 16 anos, as alterações climáticas também vieram suscitar um conflito geracional. À adolescente, a crise climática provoca-lhe uma “sensação de pavor”. “Receio que na minha vida, a água limpa que tenho agora, ou os parques aonde tenho a sorte de poder ir, não existam mais. Isso pesa na minha consciência”, disse Gutierrez, admitindo uma preocupação que não é partilhada pelos seus avós.

“O clima sempre mudou e qual é o problema de ficar um bocado mais quente? Eu gosto de dias quentes”
, disse Dennis Miller, avô materno de Gemma Gutierrez, que se descreve como um conservador e elogia Trump por ter construído uma economia forte antes da chegada da pandemia de Covid-19.

Apesar de as alterações climáticas estarem comprovadas cientificamente e de a atividade humana ser apontada como a principal causa, Miller acredita que a sua neta foi iludida. “Os jovens são jovens”, diz Miller. “As crianças vão na direção da multidão e toda a gente está a falar sobre as alterações climáticas. Eles precisam de ganhar uns anos e aprender um pouco mais”, afirmou.

Gutierrez está a planear escrever uma carta aos avós para explicar a sua angústia, embora tenha consciência de que as conversas anteriores sobre este tema serviram apenas para gerar discórdia e não para chegar a um consenso.

“Eu até tentava falar com a minha avó, mas a conversa automaticamente torna-se muito intensa”, disse a jovem. “Ela vai ficar muito na defensiva e dirá coisas que me magoam. O que o presidente Trump diz é muito respeitável para ela”, acrescentou Gutierrez. “Sinto que [a população mais velha] está a votar contra os melhores interesses do nosso clima e quero que eles tenham uma perspetiva diferente. Eu acho que estaria a prestar um péssimo contributo ao mundo se não tentasse”, concluiu.

Anisa Nanavati, de 16 anos, aprendeu mais sobre as alterações climáticas na escola e ficou surpresa quando o seu tio admitiu que não acreditava nesta crise ao nível do clima. Depois de um debate de opiniões entre os dois, Anand Shah, o tio, aceitou finalmente as alterações climáticas, mas não acredita que as exigências dos mais jovens sejam realistas. “Anisa, por ser jovem, quer fazer mudanças drásticas agora, que não funcionarão a longo prazo. Num mundo realista, isso não acontece”, disse Shah a The Guardian.

Por sua vez, Nanavati defende que, “se apenas pensarmos que ‘não vou estar aqui nessa altura, por isso não me vou preocupar’, então estamos a ser muito egoístas”. Para a jovem, o presidente Trump “é uma ameaça para tudo o que eu amo e a todos os que me são próximos”.
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