Amnistia lamenta inação e cumplicidade do Ocidente no genocídio em Gaza

por Lusa

A secretária-geral da Amnistia Internacional (AI) lamentou hoje a "inação" de vários países ocidentais, que nada fizeram ou foram até cúmplices no que a organização descreve como "genocídio" perpetrado por Israel contra os palestinianos nos últimos 14 meses.

Agnès Callamard falava numa conferência de imprensa realizada em Haia para dar conta da investigação que levou ao relatório de mais de 300 páginas "escritas com sangue, com compromisso e com raiva", intitulado "Sente-se Como Se Fosse Sub-Humano: O Genocídio de Israel contra os Palestinianos em Gaza".

"Os resultados assustadores mostram que a comunidade internacional pouco ou nada fez nos últimos 14 meses para acabar com o genocídio [nos territórios palestinianos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia] e cumprir com as obrigações ligadas à lei internacional para o prevenir", sublinhou Callamard.

Para a secretária-geral da AI, alguns governos, "em primeiro lugar os Estados Unidos, mas também a Alemanha, o Reino Unido e outros países europeus" transferiram ou venderam armas para Israel, forneceram treino e outras ações militares e de segurança, vetaram resoluções da ONU, permitiram a impunidade e obstruiram os apelos para um cessar-fogo.

"Não podia ser mais claro. Estados que transferem armas para Israel violam as obrigações para prevenir o genocídio contidas na lei internacional e estão em risco de se tornarem cúmplices no crime de genocídio e homicídio por Israel. A maioria dos governos fez o certo, sim. Aprovou a resolução da Assembleia Geral [das Nações Unidas], denunciou os crimes. Mas é suficiente? Não é de esperar que os líderes se movam além da expressão de desespero ou das palavras?", questionou a responsável pela Amnistia.

Lembrando que se cumpre, no próximo domingo, o 76.º aniversário da aprovação da Convenção do Genocídio, Callamard defendeu que chegou a hora de o mundo "fazer o bem ao cumprir a promessa histórica de prevenir e punir o genocídio".

"Os governos devem parar de fingir que estão impunes para acabar com a ocupação, para acabar com o `apartheid` [sistema de segregação racial] e para parar o genocídio em Gaza. Nós, Amnistia Internacional, apelamos a outros líderes políticos, líderes morais, de todo o mundo para se juntarem, para se criar uma plataforma coletiva, para tomar uma ação forte, sustentada e coordenada para acabar com o genocídio", frisou. 

Realçando que, por todo o mundo, há marchas de protesto a apelar ao fim da violência israelita em Gaza, Callamard lembrou que a África do Sul apresentou uma queixa contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) por, "comprovadamente, quebrar a Convenção do Genocídio".

"É um passo importante para a justiça", notou. 

Por outro lado, acrescentou, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, contra o seu ex-ministro de Defesa, Yoav Gallant, e contra o chefe militar do Hamas, Mohamed Deif. 

"Foi uma medida histórica que oferece um passo material para a justiça em relação às vítimas. Ainda assim, em resposta, os senadores dos Estados Unidos exigiram ameaças contra o procurador do TPI e o Presidente francês [Emmanuel Macron] sugeriu que Netanyahu beneficiasse de imunidade", relevou.

"Os mesmos países que apoiaram vigorosamente o TIJ na sua perseguição ao Presidente [da Rússia, Vladimir] Putin pelo rapto de crianças ucranianas, tomaram uma postura muito diferente, até hostil, quando o mandado visava os seus aliados. As inconsistências só demonstram uma verdade fundamental: a fiscalização da justiça não pode ser selecionada para a substituição. A autoridade das instituições internacionais, os direitos internacionais, têm de ser preservados", acrescentou. 

Por isso, prosseguiu, a AI exige a todos os países que integram ou não o TIJ, incluindo os Estados Unidos e outros aliados de Israel, que demonstrem respeito pelos tribunais e pela lei internacional "para prender e exigir a condenação de quem for acusado e julgado pelo TIJ". 

"Também apelamos ao gabinete do procurador do TIJ para considerar adicionar o genocídio à lista de crimes que está a investigar na Palestina, e para considerar aplicar um mandado de prisão adicional contra indivíduos suspeitos de responsabilidade criminal por genocídio", afirmou Callamard. 

"As pessoas de todo o mundo exigem que o nosso governo, que o governo deles, no mundo árabe, na América Latina, na Ásia, na Europa, finalmente faça o suficiente para julgar os suspeitos de genocídio", acrescentou.

Para a secretária-geral da AI, a comunidade internacional tem os instrumentos necessários à sua disposição para parar o genocídio e para levar os suspeitos à justiça.

"Não é apenas o apoio ativo de alguns países que permitiu a carnificina dos últimos 14 meses. É também a inação, a indiferença e a impunidade que permitiu a carnificina dos últimos meses. E estamos aqui para dizer `basta`. Os palestinianos de Gaza não têm mais tempo para esperar por uma ação. A cada minuto que passa, há pessoas que desesperam com as hesitações e inação, permitindo a carnificina de mais crianças, de mais mães e de mais pais e de mais destruição", frisou.

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