Analistas apontam o dedo a Biden. Acordo militar entre EUA e Arábia Saudita contradiz política externa norte-americana

por RTP
Jim Lo Scalzo - EPA

O novo acordo militar, num valor de 500 milhões de dólares, entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita contradiz a política defendida pela Administração Biden de proibir a venda de armas "ofensivas" a Riade. Este acordo permitirá que os sauditas mantenham a sua frota de helicópteros de ataque para operações contra o Iémen.

A decisão de Washington de pôr fim à venda das chamadas armas "ofensivas" à Arábia Saudita foi uma das primeiras medidas de política externa anunciadas por Joe Biden. Na altura, o presidente norte-americano referiu mesmo que era o seu compromisso de "acabar com todo o apoio" a uma guerra que já tinha causado "uma catástrofe humanitária e estratégica".

Mas, agora, a Arábia Saudita, ao chegar a acordo com os EUA, obteve permissão do Departamento de Estado norte-americano para manter a frota do Comando de Aviação das Forças Terrestres Reais da Arábia Saudita de helicópteros Apache, Blackhawks e ainda a frota de helicópteros Chinook. O contrato militar inclui também a preparação e o serviço de 350 militares norte-americanos nos próximos dois anos e de dois funcionários da Administração dos EUA.

Segundo alguns analistas políticos afirmaram ao Guardian, este acordo firmado entre os EUA e o Reino da Arábia Saudita contradiz as políticas propostas por Biden.

"Para mim, isto é uma contradição direta com a política do Governo. Este equipamento pode ser facilmente usado em operações ofensivas, e acho que é bastante preocupante", referiu Seth Binder, diretor de defesa do Projeto sobre Democracia no Médio Oriente (POMED, na sigla em inglês).

De acordo com o jornal britânico, a decisão de aprovar e firmar o contrato de manutenção militar acontece numa altura em que a Administração Biden tenta reaproximar-se do Reino de Salman da Arábia Saudita.

Vários especialistas políticos que estudam o conflito no Iémen e o uso de armas pela Arábia Saudita e aliados acreditam que os helicópteros de ataque Apache estão dispostos, principalmente, ao longo da fronteira entre a Arábia Saudita e o Iémen. Contudo, é difícil denunciar violações específicas do Direito Internacional Humanitário cometidas pelas autoridades sauditas com esses helicópteros, visto que a maioria dos dados detalhados são escassos e difíceis de confirmar. A Equipa Conjunta de Avaliação de Incidentes (Jiat), entidade de investigação interna da coligação liderada pelos sauditas, isenta as autoridades dos dos países membros da coligação - Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito - da responsabilidade legal na grande maioria dos incidentes.
Acordo militar "preocupante"

Para Tony Wilson, fundador e diretor do projeto Security Force Monitor do Instituto de Direitos Humanos da Escola de Direito de Columbia, é difícil compreender como é que este acordo de manutenção de helicópteros militares possa não visar o apoio às operações militares sauditas no Iémen.

Já Michael Knights, membro do Instituto de Política do Médio Oriente de Washington (WINEP, na sigla em inglês), acredita que os Apaches tenham sido usados em "missões defensivas" na fronteira com o Iémen e, por isso, a aprovação do contrato de manutenção não contradiz a posição política assumida pela Casa Branca.  Segundo o especialista, esta medida pode dever-se ao facto de Washington reconhecer que uma derrota saudita para os Houthis (movimento político-religioso Ansar Allah, maioritariamente xiita zaidita do noroeste do Iémen), apoiados pelo Irão, passaria uma "mensagem negativa".

Questionado sobre se a Administração Biden tinha verificado a utilização de Apaches pelas autoridades sauditas antes de firmar o acordo com o Riade, um porta-voz do Departamento de Estado respondeu ao Guardian que foram "revistas de perto todas as acusações de abusos de Direitos Humanos ou violações do Direito Internacional Humanitário", incluindo as que são frequentemente associadas à coligação liderada pela Arábia Saudita.

A mesma fonte afirmou que Biden garantiu, desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, que Washington iria trabalhar em conjunto com Riade "para ajudar a fortalecer as suas defesas, sempre que necessário, considerando o crescente número de ataques Houthi em território saudita".

"Esta proposta de continuação dos serviços de manutenção ajuda a Arábia Saudita a manter as capacidades de autodefesa para enfrentar as ameaças atuais e futuras. Essas políticas estão entrelaçadas com a orientação do presidente Biden de revitalizar a diplomacia dos EUA, apoiando o processo liderado pela ONU para chegar a um acordo político e acabar com a guerra no Iémen"
, esclareceu o porta-voz.

Mas há críticos que consideram que o contrato de 500 milhões de dólares representa uma mudança por parte da Casa Branca e um sinal de que Biden abandonou a promessa de transformar o regime do príncipe Mohammed num "pária" .

"Muitos especialistas vão dizer que não há diferenciação entre armas defensivas e ofensivas. Portanto, acho que fazer essa diferenciação desde o início foi uma tentativa de criar margem de manobra para alcançar a cooperação militar"
, considera Yasmine Farouk, académico do Carnegie Endowment for International Peace.

"Depois da primeira reunião na Casa Branca, mantiveram um debate sobre a revisão da venda de armas até que essa venda acontecesse", acrescentou Farouk.

Embora os EUA estejam envolvidos nas negociações, os seus esforços não tiveram sucesso até agora, sublinhou. "As autoridades norte-americanas não foram capazes de mudar a dinâmica no terreno ou o cálculo dos principais jogadores".
pub