Ao contrário do Twitter. Facebook contemporiza com Trump e sofre contestação interna

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Leah Millis, Reuters

Os tumultos que estão a pôr à prova as autoridades norte-americanas, no seguimento da morte de um cidadão negro às mãos de uma patrulha policial em Minneapolis, alastraram inesperadamente à maior rede social da Internet. Mark Zuckerberg, criador e patrão do Facebook, está a enfrentar uma onda de críticas inédita por parte de quadros de topo da empresa, após nada fazer quanto às mensagens inflamadas de Donald Trump num momento em que o Twitter resolveu enfrentar o presidente e bloquear alguns dos seus conteúdos.

O homicídio de George Floyd e a cadeia de acontecimentos gerada nas manifestações contra a violência policial de que foi vítima este cidadão negro na cidade de Minneapolis, com tumultos de uma violência extrema por parte de grupos organizados, abriu também um inesperado capítulo no Facebook, com funcionários de topo a contestarem a linha de Mark Zuckerberg para a rede social. Uma política diferente daquela que está a ser seguida pelo rival Twitter, que ocultou mensagens do presidente Donald Trump alegadamente fazendo apelo à violência. Foi precisamente na plataforma de Jack Dorsey que os empregados do Facebook criticaram Zuckerberg.

Na última semana, várias cidades norte-americanas viram subir os níveis de contestação à acção policial. A difusão das imagens da detenção de Floyd às mãos de uma patrulha policial e a aparente passividade com que o caso foi tratado – numa primeira fase a decisão consistiu em despedir os agentes envolvidos –, levou a comunidade negra, defensores dos Direitos Humanos e grupos activistas para as ruas, onde acabaram por se registar confrontos, saques e destruição de estabelecimentos.

Uma escalada de violência que varre várias cidades, mas em particular Minneapolis, com as forças da autoridade incapazes de conter o clamor da rua. Foi neste contexto que entrou em cena o presidente Donald Trump, arrasando numa primeira fase a “incapacidade de controlo” da governação democrata da maior urbe do Estado do Minnesota, para passar de seguida a um tom ameaçador com a promessa de arregimentar um contingente da Guarda Nacional artilhada com fogo real para varrer as ruas da cidade.

“(…) quando começam os saques, começam os tiros”, escreveu Trump num dos tweets ocultados pela rede de Jack Dorsey. Este tweet deixou de estar visível, mas pode ser lido assim se deseje.


A polémica entre Trump e o Twitter estava já em franca progressão depois do libelo presidencial contra o voto postal (que, apesar de criticar, é exercido pelo próprio Trump), mas atingiria um pico crítico neste período em que a onda de contestação à violência policial conseguiu abafar os números dramáticos da pandemia do novo coronavírus. Os tweets do presidente começaram por ser contrabalançados com uma sinalética de “verificação de factos” (fact check), até que alguns textos acabaram ocultados por ultrapassarem essa linha vermelha em que - refere a rede social Twitter - não são permitidos incitamentos à violência.

Trata-se de uma política que merece agora um elogio velado por parte dos funcionários de topo do Facebook que, neste fim-de-semana, abriram um capítulo inesperado na empresa de Mark Zuckerberg: o CEO da maior rede social da Internet foi contestado pelos seus subordinados depois de optar por uma direcção diferente da plataforma rival e manter os comentários mais inflamados de Donald Trump, que também são partilhados no Facebook.

Uma política assumida por Zuckerberg, que numa entrevista à Fox News sublinhou acreditar fortemente que “o Facebook não deve ser o juiz da verdade com relação a tudo o que se diz online. Existe uma linha perigosa quanto a decidir o que é verdade e o que não é. Queremos dar voz ao maior número de pessoas possível e as nossas políticas já preveem moderação de conteúdos que possam causar danos a outros”.

“As empresas privadas provavelmente não deveriam estar, especialmente as empresas de plataforma, em posição de agir nesse sentido”, defendeu o CEO. Um argumento que não parece fazer escola internamente, já que se podem sentir no Twitter os ecos de uma pulsação diferente a bater na casa de Zuckerberg.

“Mark [Zuckerberg] está errado e eu farei todo o barulho possível para o levar a mudar de ideias”, lê-se na conta de Ryan Freitas, que se identifica como responsável de design para o feed de notícias.

Mas não é caso único. A onda de contestação interna às políticas do Facebook está a ganhar corpo na rede rival. Na conta de Jason Stirman, que trabalha no desenvolvimento de produtos do Facebook, pode ler-se esta mensagem: “Não sei o que há a fazer, mas nada fazer não é aceitável. Sou um funcionário do FB que está em total desacordo com a decisão de Mark [Zuckerberg] de não fazer nada em relação aos posts recentes de [Donald] Trump, que incitam claramente à violência. Não estou sozinho nisto dentro do FB. Não há posição neutral em relação ao racismo”.


Outro funcionário ao nível de direcção e gestão de produto, Jason Toff, escreve que trabalha no Facebook e não se sente bem com a posição empresa.


Os tweets de descontentamento e contestação em relação à direcção que Mark Zuckerberg está a imprimir à sua rede social são inúmeros e um sinal nunca visto que constitui, por si só, uma rebelião, que se saiba, incontida.

Em linha de fundo estarão a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que determina a liberdade de expressão, e a leitura do texto fundador feita pelo CEO do Facebook, em oposição à linha editorial do Twitter. Um ponto e contraponto que levou Donald Trump a ameaçar acabar com a rede Twitter por decreto.

Mark Zuckerberg defende que, ao deixar disponíveis essas mensagens de validade ou carácter duvidosos, permite a cada um dos membros da rede avaliar por si próprio esses mesmos conteúdos. No entanto, um artigo do New York Times aponta discussões internas do pessoal do Facebook em que é colocada a questão de uma maior permissividade em relação a Trump para não haver o risco de confrontar o presidente.
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