Arábia Saudita tem reservas de urânio suficientes para produzir armas nucleares

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Um relatório confidencial a que o jornal The Guardian teve acesso revela que a Arábia Saudita tem urânio mais do que suficiente para produzir as suas próprias armas nucleares. Os resultados deste estudo intensificam as preocupações internacionais, embora o país afirme que os propósitos serão pacíficos. O príncipe herdeiro prometeu, no entanto, que caso o Irão produza bombas nucleares, a Arábia Saudita também o fará.

A preocupação de haver um possível programa de armamento nuclear não é de agora, mas com a divulgação deste relatório confidencial chinês intensifica-se. A notícia foi avançada, esta quinta-feira pelo Guardian, que teve acesso aos documentos e revela que a Arábia Saudita pode ter reservas de urânio suficientes para produzir combustível nuclear.

Este estudo realizado por geólogos chineses a pedido do reino saudita, começou já a suscitar dúvidas quanto ao interesse de Riade num programa de armas nucleares, à semelhança de outros países na região, nomeadamente o Irão.

Os investigadores têm trabalhado com Riade para a mapear as reservas de urânio, como parte do acordo de cooperação em energia nuclear. O relatório em causa descreve que foram identificadas reservas que poderiam produzir mais de 90 mil toneladas de urânio a partir de três grandes depósitos no centro e no noroeste do país.

São "reservas inferidas", estimados a partir de levantamentos iniciais entre 2017 e 2019, que carecem de confirmação posterior. Os resultados do estudo foram apresentados no final do ano passado ao secretário de Estado das Minas saudita, segundo os documentos.

A Arábia Saudita não esconde a ambição de extrair urânio, tendo o reino assumido em 2017 que ese era um passo em direção à "autossuficiência" na produção de combustível nuclear para um programa de energia. Os valores apontados no relatório dos geólogos chineses, do Instituto de Investigação Geológica de Urânio de Pequim e da Corporação Nacional Nuclear Chinesa, permitiriam não só cumprir essa ambição como exportar o minério.

Os especialistas dizem que, segundo a publicação britânica, se a Arábia Saudita for capaz de extrair urânio suficiente, em vez de depender de fornecedores estrangeiros, poderá possibilitara criação do seu próprio programa de armas.

"Se está a considerar o desenvolvimento de armas nucleares, quanto mais nativo for o programa nuclear, melhor. Em alguns casos, os fornecedores estrangeiros de urânio exigem compromissos de uso pacífico aos compradores finais, portanto, se o seu urânio for nativo, não precisa de haver preocupação com essa restrição", disse ao Guardian Mark Hibbs, membro sénior do programa de política nuclear do Instituto Carnegie pela Paz.
Relatório sobre reservas de urânio inquietam EUA
É a existência do excedente, associada ao retomar do programa nuclear iraniano (após o abandono pelos Estados Unidos do acordo que o regulamentava e limitava), que leva a que a comunidade internacional receie a Arábia Saudita possa estar a tentar produzir armas nucleares. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman assegurou, em 2018, que só caso o Irão produzisse uma bomba nuclear, o reino saudita faria o mesmo e "o mais rapidamente possível".

As ambições nucleares da Arábia Saudita têm-se tornado uma fonte de grande preocupação no Congresso dos Estados Unidos e entre os aliados. A maior preocupação internacional é, aliás, com a falta de transparência do reino.

Um acordo com a Agência Internacional da Energia Atómica (IAEA, na sigla inglesa), em vigor há 15 anos, permite à Arábia Saudita escapar a inspeções, desde que se comprometa a limitar as quantidades de minério processado e garanta uma utilização pacífica. Todavia, a IAEA quer agora rever esse pacto.

"Estamos a negociar com eles. Estão interessados ​​em desenvolver energia nuclear, para fins pacíficos, é claro", disse o chefe da IAEA, Rafael Grossi, ao Guardian.

Embora não entre em território saudita, a IAEA está em contacto com o Instituto de Investigação Geológica de Urânio de Pequim.

"É muito importante a agência estar presente e envolvida com qualquer país que queira levar a cabo atividade relacionada com o ciclo do combustível nuclear", alertou Grossi.

A IAEA presta assistência técnica a Riade na produção de combustível nuclear, mas quer passar a inspecionar esse processo, uma vez que tem de "adotar um padrão mínimo", defende Grossi, para quem o acordo vigente já não é adequado em 2020".

Nos Estados Unidos a notícia não foi bem aceite e um grupo de senadores alertou Donald Trump, numa carta, para o risco de a Arábia Saudita produzir armas nucleares. A carta pede informação sobre os programas nuclear e de mísseis balísticos da Arábia Saudita e o envolvimento da China nos mesmos.

Para os norte-americanos pode "ameaçar seriamente o regime internacional de não-proliferação e os objetivos dos Estados Unidos no Médio Oriente". A resistência de Mohammed bin Salman às propostas da IAEA "põe em causa as intenções pacíficas do programa nuclear de Riade", avisam.

Também Israel comunicou à Administração Trump os seus receios perante a cooperação sino-saudita neste campo, informa o jornal digital israelita "Walla". Os serviços de informações do Estado judaico comunicaram com os seus homólogos americanos sobre potenciais instalações nucleares sauditas e frisaram que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu considera o assunto "muito sensível".

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