Associação acusa Macau de querer limitar jornalismo a instrumento de propaganda
Uma associação de profissionais da comunicação social disse hoje à Lusa estar preocupada com declarações do Governo de Macau que procuram "redefinir o jornalismo (...) como como um instrumento de propaganda estatal".
Horas antes, o secretário para a Segurança da região semiautónoma chinesa, Wong Sio Chak, defendeu, numa conferência de imprensa, que, além dos jornalistas, "todas as pessoas têm o dever de contar bem a história de Macau".
Uma declaração que "sinaliza uma mudança preocupante no sentido de um ambiente mais restritivo" em que o jornalismo é visto "não como um pilar da responsabilização democrática", alertou o presidente da Sociedade de Jornalistas e Profissionais da Comunicação Europeus na Ásia (JOCPA).
"A atual administração de Macau tem dado cada vez mais prioridade à segurança e ao controlo da narrativa em detrimento da transparência e da independência jornalística", lamentou Josep Solano.
"O dever fundamental dos jornalistas não é `contar uma boa história`, mas sim procurar a verdade, responsabilizar os poderes e relatar os factos --- mesmo quando estes são desconfortáveis", sublinhou a JOCPA.
"O jornalismo que apenas faz eco de narrativas oficiais deixa de ser jornalismo", acrescentou o grupo, num comunicado.
Josep Solano demonstrou "particular preocupação" com a referência a declarações do principal responsável do Partido Comunista Chinês para as duas regiões semiautónomas.
Em 12 de maio, o diretor do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau, sob a tutela do Conselho de Estado, Xia Baolong, disse a empresários locais que deviam "contar a história de Hong Kong, Macau e China ao mundo".
"Estas orientações, se interpretadas como expectativas normativas para todos os comunicadores e profissionais dos `media`, esbater as fronteiras entre o jornalismo e a propaganda estatal", alertou a JOCPA.
Wong Sio Chak defendeu que os jornalistas "não são exceção" ao dever de cumprir a lei, quando questionado sobre a detenção de duas repórteres no parlamento local em 17 de abril.
"Quando jornalistas são detidos e o discurso oficial sugere que devem alinhar com as narrativas prescritas, o resultado --- intencional ou não --- é uma atmosfera intimidante para a imprensa independente", disse Josep Solano.
As autoridades devem "evitar ações que possam ser percecionadas como punitivas ou intimidatórias em relação aos meios de comunicação social", defendeu o presidente da JOCPA.
Isto, porque, "mesmo que a intenção não seja reprimir", o resultado será "incutir cautela, medo ou autocensura entre os jornalistas --- particularmente aqueles que cobrem questões sensíveis ou críticas", alertou Solano.
"A liberdade de imprensa não é uma exceção, mas um princípio fundamental em qualquer sistema baseado no Estado de direito. A lei deve proteger a imprensa, não ser usada como arma contra ela", advertiu a JOCPA.
O presidente admitiu que em Macau "as leis estão a ser utilizadas de formas que parecerem querer visar ou intimidar membros da imprensa".
Macau, que esteve sob controlo português durante mais de 400 anos, passou em 1999 para a administração chinesa, sob um acordo que previa que a região deveria manter os direitos e liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de imprensa, durante os primeiros 50 anos.
A JOCPA apelou ao Governo de Portugal que "expresse a sua preocupação sobre este assunto, mesmo que os indivíduos envolvidos não sejam cidadãos portugueses".
"Tal gesto reafirmaria o seu compromisso com a universalidade dos direitos humanos e da liberdade de expressão", salientou.