Aumenta polémica em Espanha em torno do financiamento da igreja pelo Estado

O governo espanhol quer reduzir o pacote de apoio financeiro que canaliza anualmente para a Igreja católica, cumprindo o acordo entre Estado e Igreja que aposta no auto- financiamento da instituição e que não é cumprido desde 1978.

Agência LUSA /

A garantia foi dada aos jornalistas pela "número dois" do governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, que afirmou aos jornalistas que, apesar da redução necessária, o governo se mantém disponível para continuar a apoiar a Igreja.

"Chegámos a um ponto em que os fundos do Estado para financiar a Igreja Católica, que têm vindo a aumentar anualmente, devem começar a baixar. A Igreja terá de cumprir o seu compromisso de auto- financiamento", disse De La Vega "Não há nenhum país da UE onde a Igreja Católica seja tão bem tratada como em Espanha", reiterou a governante.

Os comentários surgem num momento de crispação entre o governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero e a hierarquia da Igreja Católica, uma situação agudizada pela polémica em torno da proposta de Lei Orgânica da Educação (LOE) e, agora, sobre o tema do financiamento.

No sábado centenas de milhares de pessoas, apoiadas pela Igreja, pelo Partido Popular e por várias organizações conservadores, participaram numa manifestação em Madrid contra a lei, numa acção criticada pelo governo por promover "mentiras" sobre o texto, actualmente em processo de aprovação parlamentar.

O governo anunciou já que não retirará a lei mas está aberto a negociações, anunciando mesmo encontros com os organizadores do protesto, que hoje voltaram a pedir a retirada do projecto do Parlamento e a demissão da Ministra da Educação.

De La Vega criticou as interpretações que têm sido feitas, quer sobre a LOE quer sobre o alegado apoio estatal à Igreja, recordando que o orçamento para 2006 prevê um aumento nos fundos estatais canalizados para a instituição.

Dados da Agência Tributária espanhola e do Ministério da Fazenda indicam que anualmente a administração central e as comunidades autónomas financiam anualmente a Igreja Católica em mais de três mil milhões de euros.

Esse montante inclui os salários dos bispos e sacerdotes e dos capelães hospitalares e prisionais, bem como de todos os professores de religião católica do país e o apoio aos colégios semi-privados (concertados), centros maioritariamente geridos pela Igreja mas financiados pelo Estado.

A esse valor anual há que adicionar o "paraíso fiscal" dado a grande parte das actividades eclesiásticas, com a isenção do IVA, do Imposto sobre Bens Imóveis (IBI) e dos impostos sobre sociedades, transferências ou actos jurídicos documentados.

O financiamento suscitou já um aviso da Comissão Europeia, que considera esse tratamento fiscal discriminatório face a outras associações e instituições.

Apesar disso, o governo socialista aumentará em 2006 o apoio à Igreja, gastando só em salários de professores de religião mais de 500 milhões de euros.

A canalização de fundos para a Igreja baseia-se num acordo firmado em 1998 pelo então governo socialista de Felipe González, que acordou com a CEE a fórmula para o +imposto religioso+ que poderia ser determinado na declaração de rendimentos dos cidadãos espanhóis.

A percentagem dos cidadãos que na sua declaração de rendimentos marcam a escolha da igreja tem vindo a cair de 39,08 por cento em 1988 para cerca de 32 por cento este ano.

Em 1998, a CEE disse que necessitaria apenas de três anos para passar desse apoio "transitório" a uma realidade de auto- financiamento, mas 17 anos depois o "provisório" parece ter-se consolidado no sistema fiscal espanhol.

Assim, e segundo contas do Estado, cerca de 90,8 por cento do orçamento da Igreja Católica continua a ser financiado pelo Estado, uma situação a que o executivo quer pôr termo.

Em resposta, o porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), Juan António Martínez Camino, afirmou que, se a Igreja Católica ainda não alcançou o auto-financiamento, isso se deve apenas ao facto de ser reduzida a percentagem da IRPF que os cidadãos podem canalizar para a Igreja.

Em declarações à COPE, a rádio da CEE, Camino considerou que o Estado não concede fundos "graciosamente" à Igreja, limitando-se a canalizar os fundos livremente determinados pelos cidadãos através da sua declaração tributária.

Segundo a mesma fonte, a percentagem da IRPF foi fixada unilateralmente por um governo socialista, o que "torna na prática impossível" o auto-financiamento da Igreja.

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