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Autores mostram importância das "Lições de António Reis" no cinema e na cultura em Portugal

por Lusa

O livro "Descasco as imagens e entrego-as na boca - Lições de António Reis", editado pela Documenta, lança um olhar sobre o tempo do poeta e cineasta António Reis (1927-1991), como professor da Escola de Cinema, no Conservatório Nacional.

Com textos de autores como Maria Filomena Molder e Nuno Júdice, a obra é editada por José Bogalheiro, primeiro aluno de Reis no que é hoje a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) - e depois seu colega na docência -, e o professor Manuel Guerra, que prepara uma tese de doutoramento sobre "Jaime" (1974), o primeiro filme a destacar-se no percurso do realizador.

Diretor do departamento de cinema da ESTC até 2019, Bogalheiro não quis deixar o mandato sem "fazer uma homenagem, ou um aprofundamento do pensamento" de Reis, algo que era desejado na escola, desde a "morte inesperada" do cineasta, em 1991.

A entrada de António Reis no ensino do cinema, no pós-25 de Abril de 1974, e o que esse facto "tinha representado para o pensar de forma diferente", em Portugal, na época e nas gerações que se sucederam, impunha-se.

Esta "possibilidade de pôr em destaque uma vertente menos conhecida, pelo menos do grande público, da vida do António Reis" concretizou-se assim em 2018, num ciclo de conferências chamado "Lições de António Reis", que ocuparam quatro dias de outubro, e que agora se reflete também no livro, revisto e aumentado, recém-chegado às livrarias.

Assim, às comunicações feitas pela investigadora Maria Filomena Molder, professora catedrática de Estética, e pelo escritor Nuno Júdice, além dos textos de Bogalheiro e de Guerra, juntou-se um capítulo intitulado "Continuação", sustentado no artigo "Meia-luz", de Maria Patrão, uma aluna "atual da escola que, a partir da descoberta de `slides` que Reis usava nas aulas, está a fazer um trabalho de investigação".

Foi também acrescentado um texto mais biográfico, da argumentista e realizadora Fátima Ribeiro, outra ex-aluna do cineasta, que toma por tema a "Homenagem", sob o título "António Reis, nosso mestre".

Entre os ensaios, o texto de Manuel Guerra ("Da atenção ardente") recupera "uma parte muito menos conhecida de António Reis como poeta", no caso, os livros que o próprio retirou da biografia. É uma poesia escrita na juventude e que hoje está "praticamente inacessível", ao contrário do recém reeditado volume de "Poemas Quotidianos", num processo algo semelhante ao que se passa com alguns dos filmes do cineasta, a solo ou com Margarida Cordeiro.

Sobre a sua dimensão como professor, José Bogalheiro escreve "Uma torrente chamada vida", um texto dedicado a "alguns traços daquilo que foi o ensino do António Reis na Escola".

Era um ensino "caracterizado pela oralidade, ou seja, no sentido em que ele não fez sebentas; era um ensino que, por este mesmo motivo, ficou nas mãos daqueles que o ouviram", reforça.

O título do livro é retirado de um poema de António Reis - "Descasco as imagens e entrego-as na boca, como quem sabe o corpo mais importante que a roupa" -, procurando trazer à luz notas, aspetos e ensinamentos de 15 anos do professor, quando assumiu o lugar na Escola de Cinema que, antes, era ocupado pelo cineasta Alberto Seixas Santos.

Há um legado, assim, que "pode passar de geração em geração" e que atravessa o trabalho de vários dos seus alunos, de Pedro Costa a João Pedro Rodrigues, Joana Pontes, Filipe Abranches, Vítor Gonçalves ou Joaquim Sapinho.

A "marca que deixou" num "conjunto de alunos que foram marcados pelo seu ensino e que passaram a ver o cinema de uma forma muito particular", conta José Bogalheiro, liga-se ao que é o mote do livro, `retirado` de um dos seus poemas de juventude: "Eu já sou uma Continuação dos Outros - como Outros serão uma Continuação de mim...".

"Há, aliás, no texto de Maria Filomena Molder, uma indicação nesse sentido, muito precisa, ao dar conta de como é possível fazer com que esse património, esse legado, possa ser continuado. Diz, num determinado momento: `os seus alunos, alguns dos quais se tornaram seus colegas, recolheram as aulas na sua própria vida, o único lugar onde podemos recolher qualquer coisa enquanto é tempo, como aconteceu`, dando aqui alguns exemplos, Joaquim Sapinho, Vítor Gonçalves, Pedro Costa, José Bogalheiro. `Daí engendrou-se uma transmissão, assim se faz justiça e põem em prática as leis do coração`", parafraseou o editor, a partir do ensaio da filósofa, sobretudo baseado em "Jaime".

O livro serve portanto de contributo para mostrar a face menos conhecida de António Reis como pedagogo. E materializa assim, em simultâneo, uma continuação do seu legado, ao oferecer ensaios de duas pessoas que neste momento estão a desenvolver investigações a partir da obra do cineasta (Manuel Guerra e Maria Patrão), o que permite uma "manutenção em vida" desse património, dessa dádiva do cineasta.

Em 2018, quando de uma retrospetiva no festival Porto/Post/Doc dedicada a António Reis, o realizador João Pedro Rodrigues lembrou a relação pessoal com o antigo professor, e a "humanidade muito importante nesse contacto", pela "maneira de olhar para o cinema um bocadinho ingénua" que reteve.

"O António fez-me olhar para os filmes como imagens e sons, não só as histórias. A narrativa não era o que mais lhe interessava. Um filme é construído de pessoas, lugares, pedras, atores, tudo tem a mesma importância. Todos estes elementos que constituem imagens e sons não têm hierarquia", apontou.

Nascido na freguesia de Valadares, em Vila Nova de Gaia, em 27 de agosto de 1927, António Reis trabalhou como empregado de escritório e colaborou com vários jornais e revistas, sendo ainda membro do Cineclube do Porto.

Além da atividade como poeta - embora tenha eliminado da biografia todos os livros menos "Poemas Quotidianos" e "Novos Poemas Quotidianos" -, foi no cinema que se destacou, primeiro como assistente de realização de Manoel de Oliveira, em filmes como "Acto da Primavera" (1962), depois como argumentista, tendo escrito os diálogos de "Mudar de vida", de Paulo Rocha, e, mais tarde, como realizador de documentários e obras de ficção, assumindo um papel importante na vaga do Cinema Novo português, na década de 1960.

Muitas das suas obras foram bem recebidas e premiadas em festivais internacionais, como o documental "Jaime" (1974), que recebeu o prémio de melhor curta-metragem no Festival de Locarno.

A `docuficção` "Trás-os-Montes" (1976), correalizada com Margarida Cordeiro, foi uma das obras de maior sucesso de António Reis, sendo exibida em quase duas dezenas de festivais e premiada em quatro, e apelidada pelo cineasta João César Monteiro como "um dos mais belos filmes da história do cinema".

"Rosa de Areia" (1989), "Raul Proença" (1986), "Ana" (1982) e as curtas "Do Rio ao Céu" (1964) e "Painéis no Porto" (1963) são outros filmes do realizador, a solo ou com Margarida Cordeiro.

O Harvard Film Archive organizou, em 2012, um programa intitulado "The School of Reis" ("A Escola de Reis", em tradução livre), que colocou lado a lado obras do próprio realizador, mas também de Paulo Rocha, Manuela Viegas, Joaquim Sapinho, João Pedro Rodrigues e Pedro Costa, entre outros.

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