Autoridade Palestiniana anuncia que os acordos com Israel estão mortos

por RTP
Reuters

O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, anunciou a ruptura de todos os acordos com Israel e Estados Unidos depois dos recentes avanços do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, no processo de anexação na Cisjordânia. Abbas avisou Israel que a Autoridade Palestiniana abandona as incumbências que vinham dos antigos acordos para passar aos israelitas, como potência ocupante, a responsabilidade pela segurança da população palestiniana nos territórios ocupados.

A declaração de Mahmoud Abbas da noite passada é uma resposta ao recente anúncio do chefe do governo israelita, Benjamin Netanyahu, que no último mês tem procurado assegurar, muitas das vezes sob o pretexto de um plano para circunscrever a pandemia do novo coronavírus, avanços significativos no mapa de ocupação trabalhado pelo seu gabinete em acordo com a Administração norte-americana.

Abbas fez saber que, perante estes avanços do novo elenco governamental israelita – que tomou posse este domingo, pondo fim a um impasse de 500 dias –, a Autoridade Palestiniana se vê desobrigada do cumprimento dos acordos subscritos com Israel e Estados Unidos, nomeadamente nas alíneas que dizem respeito à cooperação em assuntos de segurança nos territórios.

O líder palestiniano considera que o anúncio de Netanyahu, no início da semana, sobre o alargamento da soberania israelita nos colonatos da Cisjordânia e no Vale do Jordão são o sinal de que Israel passou uma borracha sobre os acordos de Oslo de 1993.

Num discurso à liderança palestiniana a partir de Ramallah, Abbas instou a parte israelita a assumir a sua responsabilidade para com a população palestiniana: “A Organização de Libertação da Palestina e o Estado da Palestina estão desobrigados, a partir de hoje, de todos os acordos e entendimentos com os governos norte-americano e israelita, bem como de todas as obrigações baseadas nesses entendimentos, incluindo aqueles relativos à segurança”.

A administração dos territórios envolve palestinianos e israelitas em numerosas questões, desde a água à segurança, que são tratadas conjuntamente.

“A partir de hoje, a ocupação israelita tem de assumir perante a comunidade internacional todas as responsabilidades e obrigações como potência ocupante no território do Estado ocupado da Palestina, com todas as consequências e repercussões previstas no Direito Internacional e no Direito Humanitário Internacional, em particular na IV Convenção de Genebra [relativa à proteção de civis em tempo de guerra]”, propugnou Mahmoud Abbas, lembrando que esta norma estabelece responsabilidades de segurança sobre a população ocupada e as suas propriedades, veta o castigo coletivo, o roubo de recursos e a anexação de terras e transferências de população do ocupante para o ocupado.

A quebra destas regras, sublinhou, “implica graves violações e crimes de guerra”.
Recados ao novo executivo israelita

Neste discurso não meramente interno, Abbas visa o novo gabinete de Netanyahu e a coligação governamental israelita entre o partido Likud do primeiro-ministro e a coligação Azul e Branco de Benny Gantz, agora no cargo de ministro da Defesa, mas que deverá assumir a chefia do Governo em Novembro de 2021.

A alternância de Benjamin Netanyahu e Benny Gantz no cargo de chefe do governo faz parte do acordo saído das últimas eleições entre o Likud de Netanyahu e a plataforma Azul e Branco de Gantz, após o impasse gerado pelos resultados do escrutínio, que invalidaram todas as tentativas de cada uma das partes de assegurar uma maioria estável no Knesset, o parlamento israelita.

Não é, no entanto, esta particularidade que inquieta os palestinianos, que vêem nas duas formações uma mesma perspectiva sobre os territórios ocupados, o que se concretizou agora com o acordo que assinaram para a anexação já em Julho de novas partes da Cisjordânia previstas no processo de paz de Donald Trump, um plano que nunca mereceu o acordo de Ramallah.
Dedo apontado à Administração Trump

No discurso de ontem, Mahmoud Abbas não deixou de censurar a Administração Trump pelo reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, tal como a decisão de Washington de mudar a Embaixada norte-americana de Telavive para a Cidade Santa.

“Responsabilizamos a Administração americana pela opressão que se abate sobre o povo palestiniano e consideramo-la um parceiro primordial do governo de ocupação israelita em todas as suas decisões e medidas injustas de agressão contra o nosso povo”.

Ainda na semana passada, o secretário de Estado Mike Pompeo visitou Israel, declarando então, sem outros constrangimentos, que a anexação dos territórios deveria ser realizada de acordo com o plano de paz trabalhado pelos Estados Unidos em 2017, esquema que Abbas considera que destrói qualquer cenário de paz israelo-palestiniana e a criação de uma solução com dois Estados.

A equipa de Trump tem vindo a ser alvo das críticas da Autoridade Palestiniana desde que anunciou um plano de paz negociado praticamente em exclusivo com a parte israelita, ignorando os interesses palestinianos, que se mantiveram à margem das conversações e logo no seu anúncio repudiaram o documento.

Além da questão da capital, os palestinianos denunciaram já o corte do financiamento americano de milhões de dólares dos pacotes de ajuda à Palestina e à agência das Nações Unidas que administra o auxílio aos refugiados palestinianos. Acresce ainda a decisão do presidente Trump de encerrar as instalações da representação da OLP (Organização da Libertação da Palestina) em Washington.

De acordo com o diário israelita Haaretz, Abbas ainda mantém contactos directos com Israel, mas não descarta fechar também esses canais num período próximo, o que indicia que o anúncio desta terça-feira poderá conter algo mais do que prévias ameaças da Autoridade Palestiniana de colocar um ponto final a qualquer negociação com o governo israelita.
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