Blikk. Aliados de Orbán compram o jornal mais lido na Hungria

Jornalistas do Blikk, o jornal mais lido da Hungria, manifestaram choque depois de um grupo de comunicação social considerado próximo do partido do primeiro-ministro nacionalista, Viktor Orbán, ter comprado o tabloide aos ex-proprietários suíços.

Cristina Sambado - RTP /
Bernadett Szabo - Reuters

A compra, que ocorre numa altura em que a Hungria se prepara para eleições cruciais no próximo ano, nas quais Orbán enfrenta um desafio sem precedentes por parte da oposição, é amplamente vista como mais uma tentativa de aumentar a influência do Governo sobre os meios de comunicação social.

Um grupo de comunicação social pró-Orbán, o Indamedia, anunciou na sexta-feira a compra de um conjunto de títulos húngaros da Ringier, incluindo a revista Glamour e o Blikk, um popular tabloide cujo site de notícias chega a cerca de três milhões de leitores online mensalmente.O grupo de comunicação social suíço Ringier anunciou na sexta-feira a venda da sua divisão húngara, incluindo o Blikk, ao grupo Indamedia.

A Indamedia é detida em 50 por cento por Miklós Vaszily, um empresário pró-governo que é também CEO de um canal privado pró-governo, a TV2.

Em comunicado, o outro coproprietário e CEO da Indamedia, Gábor Ziegler, afirmou: “Com a aquisição da Ringier Hungary, o grupo adquire uma empresa de comunicação social de alto desempenho, de dimensão semelhante à da Indamedia, com uma forte presença no mercado e marcas de sucesso que desempenham um papel fundamental no panorama mediático húngaro.”

Segundo o semanário húngaro HVG, um banco ligado a László Meszáros, um associado próximo de Orbán, concedeu à Indamedia um empréstimo de 33 milhões de euros pouco antes da aquisição.

A Ringier afirmou num comunicado enviado à AFP no fim de semana que a sua decisão de vender a empresa foi “baseada exclusivamente em considerações económicas estratégicas e no nosso foco nas nossas principais atividades digitais na Hungria”.Além do Blikk, a venda inclui o jornal dominical Vasarnapi Blikk, um portal de saúde e várias revistas.

Em comunicado enviado à AFP, os executivos do grupo de comunicação social suíço Ringier afirmaram estar "muito conscientes de que a independência dos média é uma questão sensível na Hungria", mas que procuravam "um proprietário profissional e a longo prazo".

"A nossa decisão baseia-se exclusivamente em considerações económicas estratégicas e no nosso foco nas nossas principais atividades digitais na Hungria", acrescentaram.
Associados de Orbán controlam mais de 80% dos média 

Desde o regresso de Orbán ao poder em 2010, muitos órgãos de comunicação social independentes ou encerraram as suas actividades ou foram comprados pelos seus aliados e transformados em porta-vozes do Fidesz, enquanto os meios de comunicação estatais foram obrigados a seguir a linha do Governo.De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RDF), os seus associados de Orbán controlavam 80 por cento do panorama mediático do país antes da aquisição do Blikk.

Embora as principais transações nos meios de comunicação social tendam a ocorrer após as eleições ou durante um período político tranquilo, a compra do Ringier Hungary ocorre menos de seis meses antes das eleições gerais de abril. 

O Blikk era visto como um alvo prioritário para Orbán e o seu partido, numa altura em que as sondagens indicam que têm um adversário real pela primeira vez em mais de uma década.

Seis meses antes das eleições parlamentares, nas quais as sondagens mostram a oposição na liderança, esta aquisição é vista como mais uma tentativa do partido no poder para silenciar a imprensa independente. 

O líder da oposição, Péter Magyar, cujo partido Respeito e Liberdade (Tisza) faz campanha com a promessa de erradicar a corrupção enraizada, tem-se manifestado abertamente sobre a "fábrica de propaganda" de Orbán e os danos que, segundo ele, causou à democracia húngara.

Péter Magyar criticou o acordo Ringier Hungary, afirmando que representa mais uma tentativa de Orbán para consolidar o seu controlo sobre os meios de comunicação social da Hungria.Embora o Blikk seja um tabloide, famoso pela sua coluna de mexericos e manchetes sensacionalistas, nos últimos anos também publicou muitos artigos sobre alegados casos de corrupção. Ágnes Urbán, diretora da organização de monitorização dos média Mérték Media Monitor, afirmou que os seus leitores são "muito importantes para o Fidesz".

“O Blikk é de longe o jornal diário mais lido na Hungria, líder de mercado”, acrescentou Ágnes Urbán. “O seu site online tornou-se surpreendentemente popular nos últimos anos, chegando a ser o quarto mais lido na Hungria. Se a propaganda aparece num meio de comunicação tão amplamente lido e popular, isso terá impacto no público.”

De acordo com a Autoridade Húngara de Radiodifusão (NMHH), o Blikk é o jornal mais lido da Hungria e um dos cinco principais sites de notícias do país centro-europeu, com 9,5 milhões de habitantes, alcançando aproximadamente três milhões de leitores online por mês.Nos últimos 15 anos, Orbán conseguiu utilizar uma vasta rede de meios de comunicação pró-governamentais para impulsionar a sua imagem e a sua popularidade nas sondagens.

Em 2010, o governo de Orbán aprovou uma lei que consolidou o controlo estatal sobre o principal órgão regulador da comunicação social e colocou a emissora estatal nas mãos de aliados.

Há mais de uma década que a Hungria serve de modelo para outras “democracias iliberais” em todo o mundo. Donald Trump e os seus aliados elogiam há algum tempo a Hungria de Orbán, mesmo com o país a cair a pique nos rankings da liberdade de imprensa. Em 2022, Orbán declarou numa conferência de conservadores americanos, a CPAC, que o caminho para o poder exigia “ter os seus próprios órgãos de comunicação social.”“Moralmente inaceitável”
"O novo proprietário não nos quer, mas está tudo bem, as nossas intenções são as mesmas", declarou o editor-chefe do jornal, Ivan Nagy, no Facebook na noite de segunda-feira, anunciando também a saída do seu colega Peter Szigeti, chefe de desenvolvimento de conteúdos do jornal.Os dois jornalistas tinham contratados há sete meses para reposicionar o Blikk, “focando-se não no sensacionalismo, mas em histórias interessantes” e para ser “mais virado para o público, cobrindo política, economia e cultura”, afirmou Ivan Zsolt Nagy no Facebook, segundo a AFP.

Outros funcionários do Blikk disseram estar chocados. “Quase tive um ataque cardíaco quando ouvi o anúncio”, disse um repórter, que pediu anonimato. “Para mim, isto é moralmente inaceitável.”

Entretanto, o Blikk anunciou um novo editor-chefe, Balázs Kolossváry.

Muitos jornalistas que decidiram permanecer dizem estar numa posição difícil, pois não existem muitas outras opções de órgãos de comunicação social a que se possam candidatar.

c/ agências 
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