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"Blue Leaks": documentos revelam como polícia dos EUA controlava protestos contra o racismo

por RTP
Brian Snyder - Reuters

Mais de um mês após a morte de George Floyd, os protestos nos Estados Unidos continuam a juntar milhares de pessoas nas ruas. Mas ainda durante o mês de junho foram divulgados milhares de documentos, adquiridos por 'hackers', que revelam como várias agências de informação e forças policiais norte-americanas controlavam os eventos do movimento "Black Live Matters", através das redes sociais, nas últimas semanas.

São cerca de 269 gigabites de informação sobre o funcionamento interno de dezenas de agências policiais norte-americanas. Publicados a 19 de junho pela Distributed Denial of Secrets (DDoSecrets), os "BlueLeaks" revelam mais de um milhão de dados e documentos dos departamentos da polícia e de agências federais, incluindo o FBI e o Departamento de Segurança Interna dos EUA.

Estes dados remontam a informação trocada durante, pelo menos, duas décadas entre mais de 200 de agências policiais e federais, incluindo dados particulares como nomes, endereços de e-mail, números de telefone e contas bancárias, gravações, vídeos e documentos de inteligência.

Segundo a revista Wired, suspeita-se que todas estas informações tenham sido roubadas dos servidores da empresa Netsential, que hospeda inúmeras plataformas de intercâmbio entre serviços policiais locais e agências federais.

As informações do "BlueLeaks", que se concentram em arquivos datados de 27 de maio a 6 de junho de 2020, destacam a recente gestão das manifestações contra o racismo nos Estados Unidos pela polícia.

Segundo os dados da DDoSecrets - uma organização que trabalha por mais "transparência", conhecida por já ter publicado diferentes bancos de dados - , após o assassinato de George Floyd no final de maio, as agências policiais locais e federais informaram a polícia de Minnesota de que estaria sob ameça de ataque.

Os receios provocados pelos avisos e trocas de mensagens entre agências e departamentos policiais levam a crer que a resposta violenta e da polícia nos protestos foi preparada pelas forças policiais e não uma tentativa de dispersar os manifestantes ou de responder a alegados ataques destes.

Estes documentos terão sido conseguidos pelo já conhecido grupo Anonymous e revelam que as agências de inteligência e os departamentos da polícia conseguiam aceder às informações sobre os manifestantes e os eventos que se iriam realizar através de conversas de grupos privados de mensagens online e canais de "Slack" - uma plataforma de comunicação onde os utilizadores falam em salas de chat organizadas por temas e tópicos - , e ainda através das respostas aos eventos criados no Facebook.

Além de partilharem entre si as informações a que acediam das conversações dos manifestantes, a polícia ainda partilhava publicações que quem organizava estes eventos divulgava, em aplicações de mensagens criptografadas como o "Telegram".

A polícia norte-americana pretendia, através das redes sociais, prever os eventos futuros e os locais das manifestações contra o racismo e, ao mesmo tempo, identificar as pessoas que as organizavam.

De acordo com o Intercept, as autoridades cujos arquivos apareceram entre os documentos 'hackeados' afirmam que estes dados foram "obtidos ilegalmente". No entanto, nenhuma das entidades referidas nos "BlueLeaks" negou ou questionou a sua autenticidade.

Os documentos relativos a Minnesota, cidade onde George Floyd foi assassinado por um polícia e onde começaram os protestos, pertencem a agências policiais locais e federais e a escritórios de coordenação que trabalhavam em conjunto de forma a compartilhar informações entre si.
Agencias policiais receiam ataques de manifestantes

Os avisos e trocas de informação entre departamentos e agências policiais começaram logo após a morte de George Floyd. A 27 de maio, um dia antes do incêncio na num departamento da polícia de Minneapolis, o Minnesota Fusion Center publicou um boletim intitulado "Possibilidade de aumento da atividade ameaçadora contra policiais e funcionários do governo após a cobertura mundial da morte sob custódia de Minneapolis".

Esse boletim instava todos os funcionários do Departamento de Polícia de Minneapolis, incluindo a equipa administrativa, a procurar pessoas e veículos suspeitos e a "considerar planos de viagem variados" de forma a evitar que fossem seguidos.

Segundo um documento de uma agência da Califórnia, a polícia norte-americana previa a realização de dezenas de protestos a começar a 2 de junho. Nesse documento são identificadas informações sobre vários protestos, recolhidas das páginas do Facebook, um "URL" da conta do Facebook de um alegado organizador desses eventos (conta que terá sido eliminada desde então).

As agências federais começaram a trocar e a compartilhar entre si todas as publicações nas redes sociais que considerassem ameaçadoras. A 29 de maio, o FBI enviou aos departamentos da polícia de Los Angeles um alerta sobre um tweet que dizia: "See a blue lives matter flag, destroy a blue lives matter flag challenge", argumentando que isso podia representar uma ameaça para os policiais.

Apesar da clara origem de alguns dados e informações partilhadas nas redes sociais por potenciais organizadores dos protestos, não se sabe se a polícia se infiltrou nos grupos e nas conversa privadas ou se recebeu estas informações através de alguém inserido nestes grupos de mensagens.

Embora os documentos revelem preocupação e atenção aos movimentos do grupos considerados "perigosos", como o grupo de extrema-direita Boogaloo, também sugerem uma tendência de categorização do comportamento padrão em protestos como uma ameaça à polícia.

Numa nota divulgada pelo Departamento de Segurança Interna lê-se que "extremistas violentos estão a tentar organizar os protestos para atingir símbolos específicos de autoridade estadual, local e federal".

Também um documento de uma agência policial de Minnesota diz, por exemplo, que um "parceiro federal" alerta outras agências sobre possíveis ataques "antifa" usando carros-bomba e matrículas de carros falsas. Já o FBI preocupou-se com mensagens publicadas no Facebook por pessoas, supostamente próximas aos motociclistas do grupo "Hells Angels", que alegadamente aproveitavam os manifestações para abafar os seus atos ilegais.

Aliás, num outro aviso enviado aos departamentos da polícia a 6 de junho, o FBI diz que está investigar "indivíduos através do Facebook, do Snapchat e do Instagram" que publicam sobre a organização de protestos, acrescentando que "alguns manifestantes e possíveis membros da 'ANTIFA' podem estar a planear uma ataque para matar a polícia" - o que nunca chegou a acontecer.

O que é certo é que estes documentos revelam algum receio por parte dos polícias e podem justificar os atos de violência nos protestos que começaram em Minnesotta, incluindo em manifestações pacíficas em que as forças policiais começaram a atacar os manifestantes.

A co-fundadora do DDoSecrets, conhecida como Emma Best , disse à revista Wired que o principal objetivo destes documentos não era revelar ações ilegais da polícia norte-americana, mas informar o público sobre o que as forças policiais e as agências de inteligência têm "feito e cumprido legalmente", através de relatórios policiais revelando o funcionamento diário.

"É o maior 'hack' publicado sobre agências policiais norte-americanas" diss Emma Best. "Mostra com mais proximdade como funcionam as agências estatais, locais e federais cujo trabalho é proteger o público, incluindo a resposta governamental sobre a covid-19 e os protestos Black Live Matters".

O "BlueLeaks" contém dados de mais de 200 agências locais, estatais e federais, sendo que as que representam a maior quantidade de informações recolhidas aparentam ser os centros de fusão de inteligência, como o Centro de Análise de Informações do Missouri, o Centro Regional de Inteligência do Norte da Califórina, o Centro Conjunto de Inteligência Regional, o Centro de Informação e Análise de Delaware e o Centro Regional de Inteligência de Austin.
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