"Bolsonaro é um fascista que não foi levado a sério"

por Lusa

O antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, que chegou a ser monitorizado pelo atual Governo brasileiro, classificou hoje o Presidente, Jair Bolsonaro, de "fascista", salientando que "não foi levado a sério o risco que representava" para o país.

Em entrevista à agência Lusa, Soares, autor do livro "Dentro da noite feroz -- O fascismo no Brasil", não tem dúvidas em apontar que o Brasil é atualmente presidido por um fascista.

"Estou convencido de que o Brasil é presidido por um fascista. Há motivos suficientes, porque nós temos a mobilização das massas - na medida das possibilidades carismáticas do líder -, na direção da expressão de ódio relativamente a um alegado inimigo. Há também a menção a um mal que está no mundo, que é diabólico", começou por explicar o cientista político.

Avaliando as posições de Bolsonaro, o antropólogo indicou que o Brasil é visto como "um corpo apossado por comunistas, gays, abortistas, feministas, indígenas, que precisam de ser exorcizados".

A defesa de um Governo autoritário e totalitário, em que se defende que a sociedade é uma só, formada por "homens de bem", é outra das caraterísticas fascistas presentes no `bolsonarismo`, disse.

Na visão do antropólogo, que já foi secretário nacional de Segurança Pública, Bolsonaro reúne vários ingredientes além dos encontrados na ditadura militar brasileira.

"O que é peculiar e original no caso brasileiro é o casamento extraordinário e perverso entre esses traços fascistas e nazifascistas com uma pauta neoliberal selvagem, radicalizada, o que contrasta com a tradição de Mussolini [antigo líder fascista italiano]", declarou.

O antropólogo salientou ainda que o Presidente brasileiro faz um resgate da sociedade patriarcal, em que dialoga "inconscientemente e simbolicamente" com o "macho enfraquecido, fragilizado e perturbado".

Como exemplo desse diálogo patriarcal, Soares deu o exemplo de vários gestos e movimentos adotados por Bolsonaro ao longo da sua campanha eleitoral, em 2018, e que se mantêm na sua atual gestão.

"Quando ele mimetiza o uso da arma, quando ele usa essas performances teatrais, fingindo que está a disparar, ou quando ele anda de cavalo ou de motocicleta, numa reedição de Mussolini, ele aponta na direção dessa virilidade abalada, subvertida, dessa masculinidade questionada e restabelece essas imagens conservadoras e tradicionais", detalhou.

Soares avaliou que, ao autorizar o patriarcalismo na vida quotidiana, em que as mulheres são convocadas a ocuparem posições secundárias, Bolsonaro dá o aval para que "qualquer um na esquina possa manifestar a sua homofobia, misoginia, racismo, sem nenhum problema".

Outros dos exemplos de fascismo que Soares encontra em Bolsonaro são as recorrentes defesas da ditadura militar brasileira (1964-1985) e as exaltações de Brilhante Ustra como grande herói nacional, "que foi, comprovadamente, um grande torturador, violador e assassino" do período ditatorial.

Questionado sobre se não havia sinais de que a extrema-direita estava a crescer no Brasil, o escritor considerou que os sinais estavam lá, mas foram subestimados.

"Fazendo uma retrospetiva, sem dúvida havia sinais, mas cegámo-nos para essa realidade. Foram poucos aqueles que, de facto, levaram a sério o risco que Bolsonaro representava", lamentou.

"Bolsonaro é tão incapaz de organizar em discurso qualquer argumento, de expor e contrapor posições, que nós imaginamos que a maioria da população acabaria por repeli-lo, por ser absolutamente incapaz", disse, acrescentando que acreditava que as "propostas brutais e violentas" do líder da extrema-direita, como a flexibilização do acesso a armas, eram de tal maneira absurdas que iriam afastá-lo.

O professor universitário admitiu ainda a ocorrência de várias falhas, que não poderiam ter permitido a Bolsonaro continuar na política.

"Agora fica mais fácil para nós, fazendo uma autocrítica, ver que o subestimámos. Em 1999, Bolsonaro defendia nas televisões uma guerra civil para matar cerca de 30 mil pessoas, para reconstruir o Brasil. Ele nunca escondeu o que é e nós nunca tomámos providencias. Uma pessoa que fez o tipo de afirmações que Bolsonaro fez não poderia ter continuado na política", defendeu.

Contudo, apesar de garantir que Bolsonaro é fascista, o escritor salienta que o Governo não o é, porque, "embora com má vontade, funciona nos limites da legalidade democrática".

Foi esse mesmo Governo que colocou Luiz Eduardo Soares sob monitorização pelas suas posições antifascistas.

Após a imprensa local revelar que o Ministério da Justiça brasileiro compilava, num dossiê, informações sobre centenas de polícias e académicos do movimento antifascismo, entre ele Soares, o antropólogo foi vítima de ataques nas redes sociais e viu contas e telemóveis dos seus familiares serem `hackeados`.

"Felizmente, obtive muita solidariedade e o Supremo Tribunal decidiu pela ilegalidade desse procedimento. (...) Contudo, isso não impediu que os polícias do movimento fossem perseguidos, excluídos e até transferidos", concluiu.

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