Brasil. Oposição apela a "impeachment" de Bolsonaro após discursos considerados inconstitucionais em protestos

por RTP
Marcelo Camargo - EPA

O feriado brasileiro do Dia da Independência, na terça-feira, foi marcado pelos protestos contra e a favor do Governo de Jair Bolsonaro, nas ruas de São Paulo e Brasília. Mas os discursos polémicos do presidente do Brasil, que usou as manifestações a seu favor para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o juiz Alexandre de Moraes, foram considerados inconstitucionais pelos críticos e levaram a oposição política a pedir, uma vez mais, a sua destituição - cenário que Bolsonaro considera improvável visto ter afirmado que "só Deus" o tirará do Governo.

O Brasil celebrou, na terça-feira, o 199.º aniversário da independência do país perante um cenário de alta tensão, com manifestações convocadas pelo próprio Jair Bolsonaro e outras pelos seus opositores. As cidades de São Paulo e de Brasília foram palco das manifestações pacíficas dos apoiantes radicais do presidente brasileiro, que intensificou as ameaças ao Supremo Tribunal.

Milhares de pessoas provenientes de várias regiões do Brasil juntaram-se às manifestações e exibiram cartazes com ataques aos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso, com pedidos de liberdade de expressão e religiosa e entoaram cânticos de apoio ao chefe de Estado. Uma intervenção militar no país foi também uma das bandeiras defendidas pelos manifestantes.

Já os políticos que fazem oposição a Bolsonaro criticaram-no pelas ameaças que lançou ao poder judiciário do país e voltaram a defender a destituição do mandatário. Entre as vozes críticas está a do governador de São Paulo e rival político do presidente brasileiro, João Doria, que, pela primeira vez, se manifestou publicamente a favor do 'impeachment' do chefe de Estado.

"A minha posição é pelo 'impeachment' do presidente Jair Bolsonaro. Depois do que ouvi hoje, ele claramente afronta a Constituição", afirmou Doria no Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), onde acompanhou as manifestações agendadas para o Dia da Independência do Brasil.

"Até hoje nunca havia feito nenhuma manifestação 'pró-impeachment', mantive-me na neutralidade, entendendo que até aqui os factos deveriam ser avaliados e julgados pelo Congresso, mas depois do que assisti e ouvi hoje, em Brasília, sem sequer estar ouvindo, ele, Bolsonaro, claramente afronta a Constituição, ele desafia a democracia e empareda o Supremo Tribuanl Federal", acrescentou, citado pela imprensa brasileira, João Doria, que pretende concorrer às presidenciais de 2022.

Também Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul e que partilha com Doria o mesmo partido político - Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)- defendeu a saída de Bolsonaro do poder na rede social Twitter.

"Inflação, desemprego, apagão de energia, desmatamento da Amazónia, pandemia… Esses deveriam ser os inimigos do Presidente do Brasil, e não outros brasileiros. Mas Bolsonaro se engana: nossas cores e nosso país não têm dono. Iremos defender os brasileiros e a democracia que ele ataca", começou por escrever.

E acrescentou: "Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá".


Os opositores criticam Bolsonaro por ter desafiado a justiça brasileira, ao afirmar que "não mais cumprirá" decisões do juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e ao acrescentar que "nunca será preso", além de ter ameaçado ainda outros juízes brasileiros e referido que as manifestações populares representavam um ultimato aos três poderes.

"Essas ameaças de tom golpista tentam demonstrar força, mas, ao contrário, só revelam a fraqueza e o desequilíbrio de quem as faz. Mostram desprezo às leis e à Constituição. Tentam provocar o caos para tirar o foco dos reais problemas do país e da total incapacidade de resolvê-los", disse à imprensa o governador do Ceará, Camilo Santana.

"A última vez que um Presidente da República resolveu 'enquadrar' e colocar nos 'eixos' juízes do Supremo foi em 16 de janeiro de 1969, sob a ditadura", considerou também o governador do Maranhão, Flávio Dino.

Já a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que concorreu à Presidência do Brasil em 2018, ao lado de Bolsonaro, declarou que o atual chefe de Estado "sempre demonstrou não ter limites, mas Brasil o limitará, sem dúvida".

"Não vamos abrir mão da democracia por causa de um delírio ditatorial. Não adianta recorrer a uma suposta coragem para desafiar as instituições. Ele não passa de um autoritário irresponsável. Chega!", acrescentou, no Twitter.



Numa publicação anterior na rede social, a ex-ministra do Governo de Bolsonaro escreveu também: "Definitivamente, não entende de democracia. Entende de golpes. Respeito à Constituição e Bolsonaro não combinam".

Por sua vez a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, se posicionou sobre as manifestações mobilizadas por Bolsonaro, argumentando que "demonstram o pavor" do chefe de Estado em relação aos vários inquéritos de que é alvo no Supremo.

Recorde-se que Jair Bolsonaro é atualmente alvo de quatro inquéritos no STF e um na Justiça Eleitoral pelos seus ataques ao sistema eleitoral, por divulgar um documento sigiloso, por defender a difusão de mensagens antidemocráticas, por uma suposta ingerência na Polícia Federal e por alegada prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19.

Além disto, a popularidade do presidente brasileiro está em queda devido à pandemia (atulemtne tem aprovação de cerca de 25 por cento da população), à crise económica e às constantes declarações polémicas feitas.

Nas últimas semanas, Bolsonaro provocou instabilidade institucional ao fazer duras críticas à Justiça, que investiga o chefe de Estado por supostas irregularidades no combate à pandemia de covid-19 e por difundir notícias falsas sobre a transparência e fiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.
"Bolsonaro precisa ser colocado nos seus limites"
Em entrevista à CNN, o deputado federal e líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon, afirmou que presidente da República do Brasil cometeu um crime de irresponsabilidade durante os protestos de terça-feira. Agora, as palavras de Jair Bolsonaro durante as celebrações do Dia da Independência devem motivar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a analisar um processo de "impeachment" contra o presidente.

O parlamentar afirmou à emissora que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao criticar o juíz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

"Esse hábito que tem os presidentes das Casas [Câmara e Senado] de passar panos quentes ao presidente da República não tem funcionado", disse Molon. "Ele só entende a linguagem da reação dura, da força. Ele precisa de ser colocado nos seus limites".

Segundo o deputado e opositor do presidente brasileiro, a crise institucional agravou-se na terça-feira e, por isso, é necessário reagir aos ataques de Bolsonaro às outras instituições democráticas.

"Espero que a notícia de que o PSDB e outros partidos começaram a apresentar também mais um pedido de 'impeachment', que vem a somar-se a mais de uma centena, mova o presidente da Câmara a analisar e a dar andamento a estes processos", continou.
Das críticas à justiça ao governo militar

Vestidos de verde e amarelo, as cores da bandeira nacional, milhares de apoiantes de Jair Bolsonaro encheram as ruas em protesto, pedindo a destituição de juízes e um Governo militar liderado pelo atual presidente do Brasil.

Os manifestantes carregavam cartazes, alguns em inglês, contra juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), em favor da liberdade de expressão, do voto impresso e do que classificam como valores cristãos conservadores. Noutros cartazes lia-se também o apelo a um regime militar liderado por Bolsonaro para combater o "comunismo", escrito noutras línguas, como o francês e o espanhol.

A discursar na Avenida Paulista, o Presidente brasileiro afirmou que "não mais cumprirá" decisões do juiz do STF Alexandre de Moraes e acrescentou que "nunca será preso". Referindo-se a Moraes - juiz que tem determinado investigações contra aliados do Presidente - como "canalha", Bolsonaro instou o magistrado a "enquadrar-se" ou a "pedir para sair".

"Ou esse juiz [Alexandre de Moraes] se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade. Dizer a esse juiz que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o povo", disse em São Paulo.

"Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou", acrescentou.

Moraes, recorde-se, foi o responsável por decisões recentes contra 'bolsonaristas' que organizavam atos antidemocráticas e difundiam 'fake news'. Contudo, o magistrado tem atuado a partir de pedidos da própria Procuradoria-Geral da República, sob o comando de Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro, e da Polícia Federal.

"Não vamos mais admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia e desrespeitar a nossa Constituição. Ele teve todas as oportunidades de agir com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira, como continua a não agir", continuou Bolsonaro.

Jair Bolsonaro não esconde que pretende concorrer novamente à Presidência do Brasil em 2022, e aproveitou as manifestações para afirmar que só deixa o poder "preso, morto ou com a vitória", para logo em seguida declarar que "nunca será preso".

"Nesse momento, eu quero mais uma vez agradecer a todos vocês. Agradecer a Deus, pela minha vida e pela missão, e dizer aqueles que querem me tornar inelegível em Brasília que só Deus me tira de lá. Só saio preso, morto ou com a vitoria, mas quero dizer aos canalhas que nunca serei preso", frisou.

O chefe de Estado também voltou a defender o voto impresso em substituição da atual urna electrónica, modalidade que acusa ser alvo de fraudes.

"Nós queremos eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem pública de votos. (...) Não posso participar de uma farsa patrocinada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral", concluiu Bolsonaro, em referência ao juiz Luís Roberto Barroso, presidente do órgão máximo da Justiça Eleitoral brasileira.

Noutro tom, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, com quem Bolsonaro se tem desentendido nos últimos tempos, usou as redes sociais para exaltar a "democracia plena" do país.

"Em 07 Set 1822, o Brasil declarou sua Independência e cresce a cada dia, cuidando do seu bem maior: o brasileiro. Somos um país jovem e uma democracia plena, fruto das lutas dos nossos antepassados. Sigamos em frente, honrando o legado de liberdade e respeitando nosso povo", escreveu no Twitter.

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